Odes de Salomão

As Odes de Salomão são uma antologia de 42 poemas ou hinos. A autoria pseudoepígrafa é atribuída a Salomão, mas se trata de poemas compostos entre a queda de Jerusalém e o final do século II em aramaico ou siríaco.

Provavelmente, foi a mais antiga coletânea de hinos utilizada no culto cristão. Apesar disso, a origem dessa coletânea permanece desconhecida. É possível que seja de origem judaica, cristã, judeu-cristã ou gnóstica. Aparecentemente, Inácio de Antioquia (m.110 d.C.) teria citado a obra, o que situa sua origem nos primórdios da era cristã.

Há muitas semelhanças temáticas com a literatura joanina. No entanto, não há menção inequívoca sobre Jesus. Esposa uma teologia do Logos e faz referências abundantes à Sabedoria.

Siríaco

A língua siríaca é uma língua semítica, variante do aramaico falado no nordeste da Síria, desde o século III a.C.

A língua siríaca tem uma importância significativa na cristandade, pois era a língua utilizada pelos primeiros cristãos para a liturgia e para a escrita de textos sagrados. Atualmente, algumas denominações cristãs, como a Igreja Ortodoxa Siríaca, a Igreja (Assíria) do Oriente, a Igreja Ortodoxa Sirian (Jacobita) e a Igreja Católica Caldeia, ainda utilizam a língua siríaca em suas liturgias e em textos religiosos.

Existem várias variantes da língua siríaca. As mais conhecidas variantes siríaco clássico e o siríaco ocidental. O siríaco clássico é a forma mais antiga da língua e é utilizada principalmente em textos religiosos antigos. Já o siríaco ocidental é uma forma moderna da língua, preservada em algumas ilhas linguísticas e na diáspora siríaca.

Peshitta

A peshitta, peshita ou peshitto é conjunto de versões aramaicas da Bíblia na variante siríaca, conjunto de falares do norte da Síria e da Mesopotâmia. Peshitta significa “comum” ou “simples” denotando ser uma versão sem comentários ou aparatos para uso popular (semelhante ao termo vulgata aplicada para a versão latina), sendo empregado pela primeira vez pelo escritor jacobita Moisés bar Kefa (c.813-903/913).

A língua siríaca é um conjunto de variantes do aramaico oriental. Originalmente, judeus no norte da Síria traduziram sua Bíblia para o siríaco no século II d.C. com base em uma versão hebraica hoje perdida, mas possivelmente da família da qual emergeria o Texto Massorético. Depois, cristãos de língua siríaca adotaram a Peshitta e adicionaram uma versão siríaca do Novo Testamento.

Ainda no século II d.C. Taciano editou uma harmonia dos quatro Evangelhos gregos canônicos em siríaco, o Diatessaron. Embora a harmonização de Taciano fosse muito popular no Oriente até o século V d.C., Irineu e outros líderes preferiam manter todos os quatro evangelhos canônicos separados.

Por algum tempo vários eruditos bíblicos atribuíram a autoria ou revisão da Peshitta a Rabula, bispo de Edessa entre 411 e 435. Contudo, as variantes e a adoção da Peshitta por grupos que depois seriam as igrejas Jacobita e do Oriente demonstram a antiguidade da versão.

A Peshitta foi adotada como versão-padrão por várias denominações orientais, como a Igreja Ortodoxa Grega de Antioquia, várias comunidades uniatas católicas, a Igreja Siríaca Ortodoxa (Jacobita) e a Igreja do Oriente.

O cânon da Peshitta varia conforme as famílias dos manuscritos. Uma forma tradicional contém o Pentateuco, Jó, Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis, 1 e 2 Crônicas, Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Rute, Cântico dos Cânticos, Ester, Esdras, Neemias, Isaías, os Doze Profetas Menores , Jeremias e Lamentações, Ezequiel e Daniel. Seguem os deuterocanônicos. O Novo Testamento varia, com recensões ocidentais com 27 livros e as orientais sem conter a antilegômena (2 Pedro, 2 e João, Judas e Apocalipse).

Aramaico

O aramaico ou o aramaeu não é um só idioma, mas um conjunto de dialetos e línguas semíticas do noroeste da atual Síria em diferentes fases históricas que emergiram provavelmente por volta do século XII a.C., com abundância de inscrições distintivamente em aramaico aparecendo a partir do século VIII a.C.

No século VIII vários prisoneiros arameus ou sírios foram transportados para a Assíria, iniciando a adoção de seus idiomas por seus senhores. O comércio e os imperialismos assírio e babilônico propagaram a língua entre os povos cativos, mas seu uso na administração pública persa disseminou-a desde o sul do Egito até o Afeganistão, com inscrições encontradas até em Sardes (na Anatólia). Depois do exílio babilônico, o aramaico gradativamente substituiu o hebraico como língua corrente dos israelitas (Ne 13:24).
 
No período helenista dividiram-se os dialetos aramaicos ocidentais e os dialetos orientais. Essa divisão persiste até hoje, não sendo mutuamente compreensíveis. Por um mais de um milênio foi a língua internacional do Oriente Médio, até ser suplantada pelo árabe.

Atualmente, mais de 1 milhão de pessoas possuem algum domínio do aramaico nas seguintes variantes:

  • O siríaco é falado em várias comunidades no nordeste da Síria, no Iraque, no Irã, na Geórgia, bem como língua litúrgica de várias igrejas cristãs. Sobrevive nas diáspora assírias, siríacas e caldeias especialmente nos Estados Unidos e mesmo no Brasil.
  • O judeu-aramaico serviu para a composição do Talmud e de textos litúrgicos, sendo falado ainda hoje por judeus curdos.
  • O mandaico é uma variante aramaica falada pelos mandeus, seguidores de João Batista nativos do Iraque.
  • O neo-aramaico ocidental é usado em três aldeias próximas a Damasco.

As línguas aramaicas são semelhantes mas não inteligíveis com o hebraico. (Cf. 2 Re 18:26; Is 36:11). As duas línguas seriam tão compreensíveis como o italiano para um falante do português.

A escrita aramaica, uma adaptação do alfabeto cananeu ou fenício, foi adotada por muitos outros povos, inclusive os judeus, sendo chamado de escrita quadrada ou assurith. A escrita aramaica ainda influenciaria as escritas siríacas, árabe, persa pahlavi, o mongol, as escritas da Índia e do sudeste asiático.

No período do Novo Testamento o aramaico estava tão enraizado na cultura israelita que comumente essa língua era chamada de língua dos hebreus ou de hebraico. Nesse sentido aparece em Jo 5:2; 19:13, 17, 20; 20:16; At 21:40; 22:2; 26:14; Ap 9:1. E mesmo fora da Bíblia, em autores como Flávio Josefo (Antiguidades Judaicas. 3.10.6 e Guerra dos Judeus 7. 2.1) refere ao hebraico intercambiavelmente como a língua dos judeus.

ARAMAICO E A BÍBLIA

Algumas palavras no Novo Testamento não são possíveis de distinguir se são aramaicas ou do hebraico tardio: Mamon, Bartolomeu, Barrabás, Boanerges, Getsemane, Gólgota.

Há cerca de 280 versículos com trechos escritos em aramaico tanto no Antigo quanto no Novo Testamento.

Trechos em aramaico no Antigo Testamento:

  • Na fala de Labão (Gn 31:47).
  • Na advertência de Jeremias (Jr 10:11).
  • Em porções do livro de Daniel (Dn 2:4-7:28).
  • Em porções do livro de Esdras (Ed 4:8-6:18; 7:12-26).

Trechos em aramaico no Novo Testamento

  • Talita cumi “menina, levanta-te!” (Mc 5:41)
  • Efatá “abre-a!.” (Mc 7:34)
  • Aba “Pai ou papai” (Mc 14:36; Gl 4:6; Rm 8:15)
  • Raca “tolo” (Mc 5:22)
  • Raboni “meu mestre” (Jo 20:16)
  • Eli Eli lema sabactani “Deus meu, Deus meu, não me desampare” (Mt 27:46; Mc 15:34)
  • Osanna “Oh, Salva-nos.” (Mc 11:9)
  • Maranata “Vem, Senhor!” (1 Co 16:22)
  • Tabita: “Gazela” (At 9:36)

O aramaico é a base de várias versões da Bíblia:

  • Targum: traduções do Antigo Testamento, produzidas quando o hebraico deixava de ser compreendido pelos judeus.
  • Diatessaron: uma harmonia dos evangelhos feita por Taciano no século II.
  • Vetus Syra: versão antiguíssima do Novo Testamento. Consiste nas Versão reconstruída dos Atos (Conybeare), Versão reconstruída das epístolas paulinas (Molitor), Versão do Siríaca do Sinai, Versão de Curton.
  • Peshitta: tradução da Bíblia completa iniciada no século II e se tornou a versão padrão para os cristãos do oriente.
  • Syro-Hexapla: uma versão feita em Alexandria no século VII com base na Hexapla de Orígenes.
  • Siríaca Filoxeniana é uma recensão encomendada por Filoxeno de Mabbug e completada em 508 por seu corepíscopo Policarpo.
  • Siríaca Harcleana uma recensão por Tomás de Harqel concluída em 616 dC em Enaton no Egito.
  • Lecionários Cristãos Palestianianos: trechos da Bíblia em aramaico ocidental para uso no culto na Idade Média.

O aramaico é importante para conhecer melhor o hebraico bíblico e o contexto histórico da Antiguidade. Vários documentos (Visão de Balaão, Documentos de Elefantina, Documento Driver) e escritos parabíblicos (pseudo-epígrafas, Manuscritos de Qumran) foram escritos nessa língua.

No século IX d.C. o gramático Judah ben Quraysh formulou a hipótese de que Terá, pai de Abraão, falasse aramaico e fosse a língua ancestral da qual emergiram o árabe e o hebraico. No século XIX houve quem pensasse que a língua dos patriarcas fosse o aramaico com base, entre outros, em Dt 26:5. No entanto, tais teorias são hoje desconsideradas. Outra teoria marginal que envolve o aramaico é a hipótese de que grande parte do Novo Testamento ou as falas de Jesus terian sido compostos originalmente em aramaico. Contudo, várias análises linguísticas e evidências externas confirmam que a forma canônica dos livros do Novo Testamento foi escrita em grego koiné.

Em 1845 o biblista rabino Abraham Geiger formulou a hipótese de que o aramaico seria a língua nativa da Palestina do período do 2º Templo e seria a primeira língua de Jesus. Todavia, as citações em aramaico nos evangelhos não são conclusivas para determinar qual seria a língua materna de Jesus. As amostras da língua no Novo Testamento poderiam ser as ocasiões excepcionais em que Jesus estava falando a língua de seus interlocutores, como nos trechos em aramaico no Antigo Testamento ou exemplos de diglossia. Hoje, evidências históricas, literárias e arqueológicas apontam para um cenário linguístico mais pluralístico, com o grego e o aramaico sendo as línguas primárias da população da Palestina, sem excluir os usos minoritários do latim e do hebraico.

SAIBA MAIS

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