O milênio, que se refere ao reinado terrestre de Cristo com seus seguidores (Ap 20:1-6), é mencionado uma só vez na Bíblia. Contudo, serve para múltiplas discussões acerca de seu significado.
Em contexto, o milênio seria um momento em que Satanás é contido e incapaz de enganar as nações (Ap 20:1-3) e os santos ressuscitarão (Ap 20:4-6), precedendo a criação de novos céus e nova terra (Ap 20:4-6). 21:1–2). Depois disso, Satanás seria solto para um ataque final, mas então, com a Morte e o Hades, ele seria banido para sempre “para o lago de fogo e enxofre” (Ap 20:7-14). É um sinal do reinado vitorioso de Deus sobre o mal e do cumprimento das Suas promessas.
HISTÓRIA DA RECEPÇÃO
O conceito de um período de folêgo das perseguições e reinado messiânico era um anseio comum no judaísmo do Segundo Templo e da Antiquidade Tardia, bem como na patrística:
- 2 Enoque 32:1–33:2 conta o tempo da Terra em semanas símbolos de 1.000 anos. Uma nova era começa na oitava semana (ano 8.000), a qual seria atemporal.
- 2 Baruque 39:3–40:4; 29:1–30:5 descreve um período de renovação da terra, o governo de Israel sobre todas as nações e o cumprimento de suas promessas. O Messias inaugurará este período de tempo e o bem vencerá o mal.
- 4 Esdras 7:26–31 registra um governo do Messias junto com os santos. Depois disso, a terra retorna ao caos aguardando o julgamento e uma nova criação.
- Papias (ca. 60–150 dC) disse que haveria um período de tempo em que a maldição seria revertida. Seria tempos de uma colheita abundante (cf. Is 11:6). (Papias, em Irineu Adversus Haereses 5:33.4).
- Justino Mártir (c. 100–65 dC) entende que haverá 1.000 anos cronológicos com base no Salmo 90:4 em seu Diálogo com Trifão 90-91. Jerusalém seria reconstruída e ampliada junto com o templo (cf. Ez 40:1–48:35).
- Irineu (c. 115–202 d.C.) em Adversus Haereses 5:32–39 entendia um dia como 1.000 anos em relação ao Milénio, esperava uma reversão física da maldição, afirmando que os animais estarão sujeitos ao homem como estavam antes da queda. Este reino terreno precederia um descanso espiritual.
- Tertuliano (ca. 150–230 dC) em Contra Marcião 3:24–25 esperava um reino terreno antes de os santos entrarem no reino celestial após o período de 1.000 anos.
- Orígenes (ca. 186–253 dC) considerou o milênio como toda a era da igreja, mas retratado alegoricamente como a ascensão da alma (De princ. 2.11; Com. sobre Mt. 17.35).
- Agostinho (c. 354–430 dC), já depois da virada constantiniana, argumenta na Cidade de Deus 20:6–19: que a ressurreição de Apocalipse 20:1–6 seria a uma regeneração espiritual que acontece na conversão. O próprio Milénio expressaria uma batalha contínua entre Cristo e o Seu corpo contra Satanás na era da Igreja. Depois de os cristãos lutarem contra Satanás e se absterem da hipocrisia e do pecado, finalmente serão ressuscitados e conduzidos ao estado eterno.
A virada constantiniana marcou também uma virada escatólogica. A antiga expectativa messiânica de que o reino de Deus derrotaria os reinos humanos opressores não condizia com a ideia de uma Roma cristã. Assim, perspectivas idealistas e simbólicas substituíram as leituras que entendiam um reino real, visível e terreno de Cristo. Adicionalmente, fundiram-se os conceitos de Igreja e Reino de Deus.
Na época da Reforma começam a aparecer ideias de que avançaram a fusão da Igreja e do Reino. Tanto entre protestantes magisteriais e algumas vertentes católicas, surgiu a ideia de que a influência da Igreja estender-se-ia globalmente com igual poder político para estabelecer o domínio de Cristo. Depois de o evangelho chegar até aos confins da Terra, haveria grande prosperidade física. Esta hegemonia da Igreja seria por um período prolongado, mas não especificado, potencialmente não limitado a 1.000 anos. A leitura dos mil anos era geralmente simbólica. Eventualmente, ocorrerá uma rebelião, levando ao retorno de Cristo para julgamento e à criação de um novo céu e nova terra. Nesta perspectiva, a Igreja substitui Israel e herda o seu propósito e promessas, assumindo um papel de sacerdócio nacional para o mundo.
Apesar dessas perspectivas, não havia uma cristalização da ideia do milênio no discurso teológico. Movimentos messiânicos-milenários variavam nas predições acerca do milênio. Muitos teólogos não mantinham um discurso coerente acerca do milênio. Contudo, no século XIX as perspectivas históricas acima ganharam distinções não compatíveis, principalmente nas conferências proféticas, divididas em três tipos ideiais: pre-milenismo, amilenismo e pós-milenismo.
Dessa transição, o historiador da teologia especializado no milênio John Wilson sumariza:
Assim, a distinção básica sobre a qual tanta coisa se voltou no século XIX entre os de mentalidade literal – se Cristo regressaria antes do milénio (produzindo o pré-milenismo) ou depois dele (constituindo o pós-milenismo) – era estranha aos séculos XVII e XVIII. No período anterior, Cristo estava presente agora e estará mais presente mais tarde. Em suma, uma distinção rígida entre pré-milenismo e pós-milenismo vai contra a forma como o pensamento sobre as “últimas coisas” era conduzido.
Wilson, (1989, p. 138).
COMPARAÇÂO DAS TRÊS CORRENTES INTERPRETATIVAS ACERCA DO MILÊNIO
Assim, emergeriam as três posições atuais acerca do milênio:
- Pós-milenismo ou pós-milenarismo.
- Amilenismo ou amilenarismo.
- Pré-milenismo ou pré-milenarismo.
As principais diferenças entre elas são:
Otimismo vs. pessimismo:
- Pós-milenismo: otimista quanto à influência gradual da Igreja levando a um período de justiça e prosperidade antes do retorno de Cristo.
- Amilenismo: geralmente pessimista, vendo o período antes do retorno de Cristo como caracterizado pelo bem e pelo mal, sem uma idade de ouro específica de justiça.
- Pré-milenismo: considera as tribulações antes do reinado físico e visível de mil anos de Cristo, marcado por Seu retorno pessoal.
Tempo do retorno de Cristo:
- Pós-milenismo: Cristo retorna após um longo período de influência da Igreja, muitas vezes associado a mil anos metafóricos.
- Amilenismo: O retorno de Cristo não está vinculado a um período específico de domínio terreno da Igreja. Os “mil anos” são frequentemente vistos como simbólicos.
- Pré-milenismo: Cristo retorna antes de um reinado físico e visível de mil anos, inaugurando um período de paz e justiça na terra.
Interpretação de Apocalipse 20:
- Pós-milenismo: interpreta Apocalipse 20 metaforicamente, descrevendo a era da Igreja com Satanás preso durante um período de influência.
- Amilenismo: vê Apocalipse 20 simbolicamente, abrangendo toda a era da Igreja sem um reinado físico e visívelde Cristo na terra, de mil anos.
- Pré-milenismo: toma Apocalipse 20 mais como o cumprimento do Reino, esperando um período futuro do reinado de Cristo na terra.
Papel de Israel:
- Pós-milenismo: afirma que a Igreja substituiu Israel, herdando suas promessas e tendo a missão de abençoar o mundo.
- Amilenismo: ensina que a Igreja herdou as promessas de Israel, sem uma ênfase específica em uma missão separada para o mundo.
- Pré-milenismo: muitas vezes enfatiza um papel futuro para o povo de Israel e um cumprimento das promessas durante o reinado milenar de Cristo.
Visão sobre a influência da Igreja:
- Pós-milenismo: espera que a Igreja influencie e transforme progressivamente o mundo, espiritual e fisicamente, antes do retorno de Cristo.
- Amilenismo: reconhece a influência da Igreja, mas não enfatiza necessariamente um período de domínio cristão mundial antes do retorno de Cristo.
- Pré-milenismo: considera que no reinado visível e físico de Cristo a influência da Igreja pode ser diferente do seu estado atual.
Em resumo, enquanto o pós-milenismo antecipa um período de transformação global liderada pela Igreja, o amilenismo tende a ser menos específico sobre a natureza da influência da Igreja, e o pré-milenismo prevê um futuro reinado de Cristo na terra, distinguindo entre Igreja e Reino.
BIBLIOGRAFIA
Beale, G.K. The Book of Revelation: A Commentary on the Greek Text. New International Greek Testament Commentary. Grand Rapids: Eerdmans Publishing, 1999.
Boettner, Loraine. The Millennium. Philadelphia: Presbyterian & Reformed, 1958.
Cox, William. Amillennialism Today. Phillipsburg, N.J.: Presbyterian & Reformed, 1980.
Pate, C. Marvin. Four Views on the Book of Revelation. Grand Rapids: Zondervan, 1998.
Wilson, John F. “History, Redemption, and the Millenium” IN Hatch, Nathan O., and Harry S. Stout, eds. Jonathan Edwards and the American experience. Oxford University Press, 1989.
VEJA TAMBÉM

2 comentários em “Milênio”