Teoria do Representante Federal

A teoria do representante federal é uma doutrina que integra a teologia do pacto ou a teologia da aliança para explicar o significado da morte de Cristo na expiação e reconciliação em termos de aliança ou pacto (foedus) com Deus.

Foi desenvolvida por teólogos reformados continentais como Johannes Cocceius e Francis Turretin a partir do século XVII, além de batistas britânicos de tendências calvinistas como John Gill.

A teoria do representante federal explica a morte e a obediência de Cristo como o cumprimento, por um novo chefe ou cabeça, do pacto que Adão violou. Nesse esquema, Deus teria estabelecido com o primeiro homem uma aliança de obras na qual a vida eterna estaria condicionada à perfeita obediência; ao desobedecer, Adão incorreu em culpa judicial e atraiu para toda a humanidade que representava tanto a culpa imputada quanto a corrupção herdada.¹ Para honrar a justiça que fora escarnecida, o Pai constituiu Cristo como “segundo Adão” ou cabeça federal da nova humanidade.² Em sua vida ativa o Messias cumpriu a justiça exigida; em sua paixão levou a penalidade devida, de modo que, unidos a ele, os eleitos recebem tanto a remissão quanto a própria justiça que lhes falta.³ A representação é, portanto, vicária: Cristo age no lugar do povo; mas também substitutiva: ele efetivamente paga a penalidade e satisfaz a dívida contratual, sem que isso anule o caráter relacional do pacto.⁴

As passagens que empregam na construção dessa teoria são: Romanos 5.12-19, que opõe “um só” que trouxe a condenação a “um só” que traz a justificação; 1 Coríntios 15.22, que fala da morte “em Adão” e da vida “em Cristo”; e Romanos 8.29, que apresenta o Senhor como primogênito entre muitos irmãos, isto é, cabeça da nova raça.⁵

A teoria distingue-se da substituição penal clássica por amplitude: enquanto esta última enfatiza o aspecto punitivo da cruz, a representação federal coloca esse aspecto dentro de uma obediência integral que abrange tanto a satisfação da justiça quanto o mérito positivo exigido pela aliança.⁶ Apesar disso, não há, portanto, antítese entre os dois conceitos; antes, a segunda engloba a primeira.

Em contraste com outra teoria representativa ou federal contemporânea, a teoria governamental, ao contrário, entende a morte de Cristo como mera demonstração da seriedade da lei, não como pagamento pleno da dívida; aí a semelhança de vocabulário (“representante”) esconde uma divergência fundamental sobre o que seja propriamente propiciação.⁷

Johannes Cocceius argumentou que os pactos se desdobram historicamente: o de obras, quebrado no paraíso, é honrado pelo de graça, estabelecido imediatamente após a queda e consumado no tempo pleno por Cristo.⁸ Francis Turretin, por sua vez, defendeu os aspectos jurídicos, insistindo que Cristo é não apenas mediador, mas fiador que pessoalmente responde perante o tribunal divino pelos termos violados por Adão.⁹ John Gill adotou o mesmo esquema, aplicando-o, porém, apenas aos eleitos. Curiosamente, Gill talvez seja simultaneamente um dos mais citados defensores da substituição penal.¹⁰

Em suma, a representação federal não é mera troca de chefe, mas o instrumento jurídico pelo qual a justiça retributiva e a promessa salvífica se encontram: na pessoa do segundo Adão, Deus cumpre o que exigira ao primeiro e, ao fazê-lo, restabelece a aliança quebrada, reconciliando consigo o povo que nela se encontra escondido.¹¹

NOTAS

Geerhardus Vos, “The Covenant Concept in the Theology of Cocceius,” in Redemptive History and Biblical Interpretation, ed. Richard B. Gaffin Jr. (Phillipsburg, NJ: P&R, 1980), 234–248.

Francis Turretin, Institutes of Elenctic Theology, ed. James T. Dennison Jr., trans. George Musgrave Giger (Phillipsburg, NJ: P&R, 1992), 8.3.1–8.5.14.

Johannes Cocceius, Summa Doctrinae de Foedere et Testamento Dei (Genevæ: Ioannis Hermanni Widerhold, 1648), 1.6–1.8.

John Owen, The Works of John Owen, ed. William H. Goold (Edinburgh: Banner of Truth, 1965), 5:260–270.

Herman Witsius, The Economy of the Covenants between God and Man, trans. William Crookshank (London: Baynes, 1822), 1.7.3–1.7.7.

Turretin, Institutes, 9.7.4–9.7.9; Cocceius, Summa, 2.3.

Richard B. Gaffin Jr., “Atonement and the Covenant of Works,” in Redemption Accomplished and Applied (Phillipsburg, NJ: P&R, 2022), 45–62.

Hugo Grotius, Defensio Fidei Catholicae de Satisfactione Christi, ed. Edwin R. Wallace (Andover: Draper, 1889), 5.12–5.16.

Cocceius, Summa, 3.1–3.4.

Turretin, Institutes, 12.3.1–12.3.12.

John Gill, A Complete Body of Doctrinal and Practical Divinity (London: Matthews & Leigh, 1839), 2.2.5–2.2.8.

Cocceianismo

Sistema teológico de matriz reformada formulado pelo teólogo holandês Johannes Cocceius (1603 – 1669), caracterizado pelo aliancismo. Também é um arcabouço interpretativo para a teologia bíblica.

Cocceius propôs uma teologia bíblica em contraposição ao sistema tópico de teologia empregado por Voetius. Na abordagem cocceiana as Escrituras eram lidas orientadas por uma história redentiva prefigurada no Antigo Testamento em diferentes alianças ou pactos. Embora já presente de alguma forma no pensamento de Zwínglio e Bullinger (e notavelmente ausente em Calvino e Beza), seria formulado plenamente por Cocceius.

O conceito de “aliança” ou “pacto” (em latim foedus) como a ideia fundamental através da qual os ensinamentos da Bíblia deveriam ser compreendidos.

Sua teologia da aliança enfatizava o relacionamento entre Deus e a humanidade conforme definido por duas alianças: a aliança das obras, em vigor antes da queda de Adão, e a aliança da graça, que incluía a revelação da lei mosaica e alcançou sua expressão mais plena na morte de Cristo.

Deus quando fez uma aliança com Adão como representante federal da humanidade condicionou que se Adão obedecesse ele e seus
a posteridade receberia a vida eterna. No entanto, se Adão desobedecesse a depravação e a morte seria o destino de toda a humanidade.

Cocceius via a Bíblia como apresentando a história sagrada desse relacionamento, ou Heilsgeschichte, desde a criação até a revelação de Cristo. Ao destacar a natureza progressiva da revelação de Deus, Cocceius estabeleceu as bases para o desenvolvimento da moderna teologia do Antigo Testamento. A Bíblia não seriaa uma doutrina teológica sistemática ou tópica, mas um relato da relação de Deus com a humanidade, e a teologia da aliança de Cocceius forneceu uma estrutura para entender essa relação.

Em contraste com Agostinho, que acreditava que todos pecaram em Adão, para a teoria federal o pecado de Adão é imputado à sua posteridade.
Romanos 5:12 é entendido que a morte física, espiritual e eterna veio para todos porque todos foram tratados como pecadores; mas não houve uma coparticipação da humanidade na falha original de Adão.

BIBLIOGRAFIA

Coccejus, Johannes. Summa Doctrinae de Foedere et Testamento Dei. 1648 (1653, 1660).

McCoy, Charles S. “Johannes Cocceius: Federal Theologian.” Scottish Journal of Theology 16 (1963):352–370.

McCoy, Charles S.; Baker, J.Wayne . Fountainhead of Federalism: Heinrich Bullinger and the Covenantal Tradition. Louisville, KY: Westminster/John Knox Press, 1991.