Johann Salomo Semler

Johann Salomo Semler (1725-1791) foi um teólogo luterano e biblista alemão.

Filho de pietistas, mas viria a aderir à teologia racionalista dos neólogos. Junto de J. A. Ernesti (1707–1781) e S. J. Baumgarten de Halle (1706–1757), Semler desvinculou a teologia dogmática da ortodoxia luterana — quer pietista, quer escolástica — abrindo o caminho para uma teologia racionalista. Em 1751 tornou-se professor na Universidade de Halle.

Os neólogos afirmavam estudar a Bíblia de um ponto de vista científico despido de pressupostos dogmáticos. Assim, buscavam provar que a teologia era compatível com uma fé racional.

Semler foi um dos primeiros teólogos alemães a aplicar o método histórico-crítico ao estudo da Bíblia.

Distinguia entre teologia e religião bem como entre Palavra de Deus e Escrituras em sua principal obra Tratado sobre a livre investigação do cânon (1771). Baseando-se na distinção que Lutero e Melâncton faziam entre Escrituras e Palavra de Deus, Semler argumentava que a revelação residia somente na Palavra de Deus. Hesitante em definir o que seria a Palavra, no entanto, empregava essa distinção, em contraste com a tradição da Reforma de considerar a tripla manifestação da Palavra de Deus. Para Semler, a Palavra de Deus seria as verdades espirituais interiores, a qual seria universal, abstrata, transcendente e capaz de levar à instrução salvítica. A Palavra de Deus seria discernível pelo testemunho do Espírito Santo no coração do leitor. Já as Escrituras seriam a acomodação dos autores humanos à revelação divina da Palavra de Deus.

A distinção entre o texto e a Palavra de Deus permitiu-lhe trabalhar criticamente com a Bíblia enquanto mantinha sua fé na autoridade da Palavra de Deus. Assim, levou em conta os aspectos humanos da composição da Biblia. Notou sistematicamente vieses pró e antijudaico no Novo Testamento. Enquanto os textos bíblicos foram escritos para audiências específicas, a Palavra de Deus seria universal.

Questinou autoridade e autenticidade de parte do conteúdo bíblico.
Considerava que muito do texto bíblico seria local e efêmero, portanto não normativo. Desse modo, rejeitou tentativas de harmonização dos evangelhos em uma narrativa singular, salientando as perspectivas únicas de cada evangelho. Inaugurou a crítica de audiência, notando que Jesus e os discípulos acomodavam seus discursos às suas audiências.

A produção de Semler foi vasta, sendo estimada entre 171 e 250 publicações. Muitas de suas novas conclusões eram pouco ortodoxas. Apesar disso, questionava as doutrinas do racionalismo (principalmente do spinozeísmo), do naturalismo, do deísmo e dos socinianos. Sustentava, no entanto, que os ministros deveriam ser obrigados a subscrever publicamente a confissão de fé conforme a doutrina tradicional.

BIBLIOGRAFIA

Hornig, Gottfried. “Die Anfänge der historisch-kritischen Theologie: Johann Salomo Semlers Schriftverständnis und seine Stellung zu Luther.” Forschungen zur systematischen Theologie und Religionsphilosophie (1961).

Kümmel, Werner Georg. “Semler, Johann Salomo: Abhandlung von freier Untersuchung des Canon. Hrsg. von H. Scheible.” Theologische Rundschau 35.4 (1970): 366-366.

Kümmel, Werner Georg. The New Testament: The History of the Investigation of It’s Problems. Trad. MacLean Gilmour, Howard C. Kee. Nashville: Abingdon Press, 1972.

Paschke, Boris. Semler and Historical Criticism. Concordia Theological Quarterly 80 (2016), 113-132.

Schroter, Marianne. Aufklarung durch Historisierung: Johann Salomo Semlers Hermeneutik des Christentums. Berlin: Gruyter, 2012.

Johann Philipp Gabler

Johann Philipp Gabler (1753 – 1826) teólogo protestante. Foi um notório professor de Antigo Testamento em Altdorf, apontado em 1785, e em Jena a partir de 1804.

Enquanto estudava teologia esteve a ponto de abandonar a carreira. Todavia, que a chegada de Griesbach inspirou-lhe um novo entusiasmo. Influenciado por J.G. Eichhorn e J. J. Griesbach, fez parte da corrente da neologia teológica, porém não era um racionalista.

A palestra inaugural de Gabler na Universidade de Altdorf a 30 de março de 1787 foi um marco para os estudos bíblicos. A palestra, com o título “De iusto discriminate theologiae biblicae et dogmaticae regundisque recte utrisque finibus”, propunha a distinção entre teologia bíblica e teologia dogmática (teologia sistemática). Denuncia também a imposição de interpretações no texto bíblico (eisegese). Por fim, elencou as quatro lacunas que impediam uma hermenêutica apropriada:

1-Qualidade distinta dos textos bíblicos. Isto é, o texto bíblico é um gênero textual próprio;

2-Linguagem bíblica distinta da usual;

3-Distância temporal nos costumes do contexto bíblico;

4-Ignorância dos métodos interpretativos.

Citando outro erudito, Tittmann, Gabler argumenta que religião é diferente de teologia. A religião seria transmitida pela doutrina das Escrituras, ensinando o que cada cristão deve conhecer, crer e fazer para garantir a felicidade nesta vida e na vindoura. Religião, portanto, seria conhecimento transparente e claro vivido no cotidiano. De outro lado, teologia seria um conhecimento sutil e erudito, embasado em muitas disciplinas. Seria um conhecimento derivado não só das Sagrada Escrituras, mas também de outras fontes, especialmente do domínio da filosofia e história. Dessa forma, não só Gabler distingue entre teologia bíblica e teologia dogmática, mas também distingue entre teologia vivida e teologia sistematizada.

Gabler restringe a teologia bíblica ao que cada autor especificamente disse ou do qual de seus escritos bíblicos possam ser inferidos. A teologia bíblica deveria ser meramente descritiva, enquanto a teologia dogmática seria normativa. O exame da totalidade doutrinária caberia à teologia dogmática, a qual seria com métodos racionais, porém sempre condicionada à habilidade pessoal, circunstâncias, tempo, local, filiação religiosa, escola de pensamento e outros fatores.

Mais tarde, a distinção de Gabler fruiria em uma adicional diferenciação entre ciências bíblicas e teologia.

Essa curta palestra de Gabler serviu para separar a eisegese de um método circular de leitura bíblica. Eruditos e ministros obviamente criam que suas crenças correpondiam às da Bíblia e impunham suas doutrinas para reinterpretar os autores conforme os termos e interesses do leitor. A crítica de Gabler foi revolucionária em distinguir a teologia da ciência bíblica, mas também teve os efeitos colaterais de um renovado biblicismo e uma desconfiança acerca do polo do leitor e da recepção no processo hermenêutico.

A teologia bíblica permanece a mesma, a saber, porque ela considera apenas aquelas coisas que os homens santos percebiam sobre assuntos pertinentes à religião, e não é feita para acomodar nosso ponto de vista.

BIBLIOGRAFIA

Clique para acessar o Gabler-ProperDistinction-BiblicalTheology.pdf

Stuckenbruck, Loren T. “Johann Philipp Gabler and the delineation of biblical theology.” Scottish journal of theology 52.2 (1999): 139-157.

Wenz, Gunther. “Johann Philipp Gabler (1753-1826).” Kerygma und Dogma 59.3 (2013): 163-163.