Emenda conjectural

A emenda conjectural, nos campos da filologia e dos estudos bíblicos, refere-se ao ato de fazer correções especulativas ou hipotéticas ou alterações em um texto para resolver erros, inconsistências ou dificuldades percebidas.

Envolve propor emendas ao texto original com base no julgamento do estudioso, no conhecimento do idioma e no contexto, em vez de confiar apenas nas evidências existentes no manuscrito.

A emenda conjectural é normalmente empregada quando a evidência disponível do manuscrito contém erros, omissões ou passagens ininteligíveis que impedem uma interpretação ou compreensão satisfatória do texto.

O propósito das emendas conjecturais é para tornar o texto mais coerente, significativo ou alinhado com a gramática, sintaxe ou estilo esperado da linguagem. No entanto, a emenda conjectural é uma prática altamente especulativa e subjetiva. Envolve a introdução de mudanças no texto original sem evidências manuscritas diretas para apoiá-las. Consequentemente, as emendas conjecturais devem ser abordadas com cautela e consideradas como propostas hipotéticas e não como soluções definitivas.

Exemplos de emenda conjectural em estudos bíblicos abundam. Na produção do Textus Receptus, Erasmo retroverteu da Vulgata parte do Apocalipse, visto que não dispunha manuscritos gregos completos. A única emenda conjectural na edição grega Nestlé-Aland 28 é em 2 Pedro 3:10.

Tipologia Textual

Tipologia Textual são agrupamentos de leituras e características de certos grupos de textos. Como os manuscritos na Antiguidade e Idade Média eram copiados de manuscritos fontes semelhantes, tendem a repetir leituras semelhantes e erros semelhantes. Esses manuscritos são agrupados em famílias de texto ou tipos de texto.

Uma abordagem já obsoleta pressupunha linhagens estáveis e distintas de manuscritos para cada tipo de texto. Hoje, constata-se que, por vezes, no mesmo manuscrito ocorrem vários tipos de leituras, ainda que um ou outro tipo tenda a ser predominante.

Entre os séculos II e IV, quatro tipos principais de textos antigos apareceram para o Novo Testamento. São chamados de Alexandrino, Ocidental, Cesariano e Bizantino. Entrentanto, não se pode restringir seus nomes com a geografia correspondente, ou seja, uma passagem em tipo alexandrino pode ter tido origem em Antioquia, Roma, Bizâncio, etc.

O tipo alexandrino contém leituras mais curtas do que os outros tipos. São exemplos os grandes códices Sinaiticus, Alexandrinus (alexandrino não nos Evangelhos, mas no resto do Novo Testamento) e Vaticanus. A maioria dos críticos textuais hoje considera esta o tipo mais confiável.

O tipo ocidental é expansivo, com uma tendência a parafrasear as leituras, adicionar material e, às vezes, omitir material. As traduções latinas, incluindo a Vulgata, geralmente seguem esse tipo de texto antigo, ainda que às vezes siga uma leitura alexandrina. É tido como o menos confiável, mas surgiu muito cedo na cópia do Novo Testamento. A versão de Atos nesse tipo é cerca de 10% maior que o alexandrino. Contudo, quando o ocidental e o alexandrino concordam, há uma forte possibilidade de que seja uma leitura mais antiga disponível.

O tipo cesariano ocorre apenas para os Evangelhos.

O tipo bizantino tende a ser encontrado em manuscritos mais recentes. Aparentemente, resulta da tendência a combinar leituras dos outros tipos de texto e formar uma recensão harmonizada. Tornou-se o texto padrão para a igreja ortodoxa grega da Idade Média. Aparece nos Evangelhos do Códex Alexandrino.

Codex Cairensis

O Codex Cairensis, Codex Prophetarum Cairensis, Códice Cairo dos Profetas é um manuscrito hebraico contendo o texto completo dos Nevi’im (Profetas) da Bíblia Hebraica. Seu colofão é do ano 895. Contém os livros de Josué, Juízes, Samuel, Reis, Isaías, Jeremias, Ezequiel e o livro dos Doze Profetas Menores. É composto por 575 páginas, incluindo 13 páginas. Foi presenteado à comunidade caraíta em Jerusalém, mas pilhado pelo saque dos cruzados em 1099. Mais tarde foi redimido pela comunidade caraíta no Cairo. Quando os caraítas deixaram o Egito, depositaram o códice em 1983 na Universidade Hebraica de Jerusalém.

O Códice dos Profetas do Cairo exibe variações na ortografia, gramática, vocabulário e até mesmo no conteúdo textual, indicando que não havia uma única versão oficial da Bíblia hebraica durante esse período.

Os biblistas usaram essa versão para reconstruir a história da Bíblia hebraica e entender como o texto evoluiu ao longo do tempo. Eles também usaram esses manuscritos para comparar e contrastar com outros manuscritos bíblicos de diferentes regiões e períodos de tempo, fornecendo informações sobre a transmissão da Bíblia hebraica ao longo da história.

Rolo de Severo

O Rolo de Severo, também conhecido como Códice Severi, trata-se de uma versão proto-massorética da Bíblia Hebraica.

O manuscrito de Severo era um pergaminho perdido da Torá que teria sido levado para Roma pelo Imperador Tito como parte dos despojos após a queda de Jerusalém em 70 DC. Um século e meio depois, o Imperador Severo Alexandre presenteou=lhe para uma sinagoga em Roma.

O manuscrito de Severo continha 33 variantes comparadas com o texto massorético. Essas variantes ão em sua maioria pequenas diferenças devido a variantes na omissão ou adição de palavras, plene e scriptum defeituoso, e o enfraquecimento de guturais. A lista de variantes foi introduzida no século XI no midrash Gênesis Rabah e aparece em três manuscritos medievais. Duas cópias aparecem na Bíblia Farhi, enquanto a terceira está no manuscrito hebraico 31 na Bibliothèque nationale de France em Paris. As quatro versões da lista não são idênticas. Tanto o códice quanto a sinagoga pereceram, mas a lista de 32 passagens na Massorá em que este códice diferia de outros códices foi preservada.

Algumas variantes relevantes são “vestimentas de luz” no lugar de “vestimentas de pele” em Gênesis 3:21 e “vendeu sua espada” no lugar de “vendeu sua primogenitura” em Gênesis 25:33.

No total, as variantes listadas são

  1. Gênesis 1:31.
  2. Gênesis 3:21.
  3. Gênesis 18:21.
  4. Gênesis 24:7.
  5. Gênesis 25:33.
  6. Gênesis 27:2.
  7. Gênesis 27:7.
  8. Gênesis 36:5.
  9. Gênesis 36:10.
  10. Gênesis 36:14.
  11. Gênesis 43:15.
  12. Gênesis 45:8.
  13. Gênesis 46:8.
  14. Gênesis 48:7.
  15. Êxodo 12:37.
  16. Êxodo 19:3.
  17. Êxodo 26:27.
  18. Levítico 4:34.
  19. Levítico 14:10.
  20. Levítico 15:8.
  21. Números 4:3.
  22. Números 15:21.
  23. Números 30:12.
  24. Números 31:12.
  25. Números 36:1.
  26. Deuteronômio 1:26.
  27. Deuteronômio 1:27.
  28. Deuteronômio 3:20.
  29. Deuteronômio 22:6.
  30. Deuteronômio 29:22.
  31. Deuteronômio 29:22.
  32. Deuteronômio 32:26.

Edição crítica

As edições críticas de manuscritos são publicações acadêmicas que visam fornecer uma representação confiável e precisa de um texto. Essas edições são normalmente produzidas por meio de um processo de crítica textual, que envolve a comparação de diferentes versões manuscritas de um texto e a tomada de decisões editoriais sobre como apresentar o texto da forma mais precisa e autêntica possível. Acompanham notas e aparatos que subsidiam a leitura adotada.

Existem dois tipos principais de edições críticas: as diplomáticas e as ecléticas.

Uma edição diplomática é um tipo de edição crítica que visa reproduzir um manuscrito o mais fielmente possível, incluindo sua ortografia, pontuação e formatação. O editor de uma edição diplomática normalmente transcreve o manuscrito usando um sistema padrão de símbolos para representar leituras variantes, abreviações e outras características do texto. O objetivo de uma edição diplomática é fornecer aos estudiosos uma representação clara e precisa do conteúdo du manuscrito. As variantes e alternativas de leituras vão anotadas no aparato crítico. A Bíblia Hebraica Kittel é uma edição diplomática do manuscrito massorético de Lenigrado.

Uma edição eclética, por outro lado, é um tipo de edição crítica que usa uma combinação de diferentes versões manuscritas para criar um novo texto que representa o melhor julgamento filológico sobre um original imaginado. Edições ecléticas normalmente envolvem um processo de comparação e avaliação de diferentes versões manuscritas, identificação de leituras variantes e tomada de decisões editoriais sobre quais leituras incluir no texto final. Apesar dos nomes, tanto o Texto Receptus (baseado originalmente em seis manuscritos) e o contemporâneo Texto Crítico (baseado em milhares de fontes) são edições ecléticas.

Quanto à extensão, uma edição crítica classifica-se em editio minor ou edição manual e editio major. A editio minor é destinada a ser em um só volume, portanto, com menor número de notas a aparatos críticos. A Bíblia Hebraica Stuttgartensia e o Novum Testamentum Graece são exemplos de edições manuais. Uma edição maior busca reunir um número maior de detalhes, como a transformação do texto ao longo da história. Está em curso a publicação da Editio Critica Maior do Novo Testamento Grego.

Partes do texto

Inscriptio, normalmente com a função de identificar o texto, como os títulos. Podem ser repetidos no final do manuscrito, quando recebe o nome de suscriptio.

O incipit, por vezes, faz o papel do inscriptio, sendo as primeiras palavras de um texto, dando-lhe seu título.

O corpo do texto pode estar organizado em colunas, com sinais de leitura, como a cola e commata, bem como aparatos textuais, como óbolo. Na idade média floresceu o uso de glosas e marginálias, as quais são anotações acima ou às margens do texto.

Fórmulas de conclusão do texto são chamados de inclusio.

Colofão é a ficha editorial do copista, com detalhes de quem e onde foi feito a cópia, bem como a data de conclusão.

Esses elementos podem ser textuais quando já fornecidos por seus autores ou paratextuais, acrescentados por copistas ou editores.

Colometria

Colometria em crítica textual descreve um método de divisão de textos escritos em seções ou unidades lógicas, chamadas de cola. A palavra “colometria” vem da palavra grega “kolon”, que significa “unidade” ou “cláusula”.

As escolas de retórica anotavam os manuscritos para faciltar a leitura pública com uma divisão texto por frases longas (cola) ou curtos (commata).

O método colométrico envolve a identificação de quebras ou divisões naturais no texto, como pausas na narrativa ou mudanças de assunto, e o agrupamento de cláusulas ou frases relacionadas em unidades. Essas unidades, chamadas de cola, podem variar em comprimento, de algumas palavras a várias linhas de texto.

A colometria fornece informações sobre a forma original e o significado de uma obra, especialmente nos casos em que o texto foi danificado, corrompido ou alterado ao longo do tempo. Ao analisar a estrutura colométrica de um manuscrito, facilita identificar possíveis erros, interpolações ou seções ausentes do texto.

A colometria é particularmente útil para o estudo de textos antigos, como o Antigo e o Novo Testamento da Bíblia, originalmente escritos em hebraico, aramaico e grego. Nesses textos, a estrutura colométrica pode ajudar a identificar mudanças no estilo, vocabulário ou autoria de diferentes seções do texto. Também pode fornecer pistas sobre o contexto original e o público-alvo da obra.

O Códex Beza possui essas anotações.

Estequiometria 

Estequiometria é um termo usado em crítica textual para descrever um método de medir o número das linhas de escrita em manuscritos antigos. A palavra “esticometria” ou “estequiometria” vem das palavras gregas “stychos” (que significa “linha” ou “verso”) e “metron” (que significa “medida”).

O método esticométrico envolve a contagem do número de letras ou palavras em uma linha de escrita e o uso dessa informação para reconstruir as partes ausentes ou danificadas do texto. Ao medir o comprimento das linhas em um manuscrito, os estudiosos também podem comparar diferentes versões de um texto e identificar possíveis variações ou erros.

A esticometria é importante para a crítica textualporque pode ajudar a reconstruir o texto original de uma obra e a identificar erros ou interpolações que possam ter sido introduzidas ao longo do tempo. Por exemplo, se um manuscrito contém uma longa linha que parece ser uma interpolação, pode ser possível remover essa linha e reconstruir o texto original usando a crítica textual para determinar o comprimento correto do texto ausente.

A crítica textual é particularmente útil para estudar manuscritos gregos e latinos antigos, que muitas vezes tinham comprimentos de linha e espaçamento irregulares. Ao medir cuidadosamente as linhas de escrita e compará-las com outros manuscritos, é possível obter informações sobre a transmissão e interpretação de textos antigos.

Nomina Sacra

Nomina sacra é um termo latino que significa “nomes sagrados”. Na crítica textual, o termo se refere às abreviações dos antigos manuscritos gregos do Novo Testamento. de certas palavras-chave no texto, como “Deus”, “Jesus”, “Cristo”, “Senhor” e “Espírito”.

As formas abreviadas são geralmente indicadas por uma linha horizontal acima ou através das letras, como em θ̅ς (para “Deus”), ἰ̅η̅υ̅ (para “Jesus”) e χ̅ς (para “Cristo”).

O uso de nomina sacra era uma prática comum nos primeiros manuscritos cristãos do Novo Testamento grego, começando no II ou III século dC. Acredita-se que o uso dessas abreviaturas serviu tanto a um propósito prático quanto a um propósito simbólico. Em nível prático, eles ajudaram a economizar espaço em materiais de escrita caros, como papiro ou pergaminho. Em nível simbólico, enfatizavam a importância e a sacralidade das palavras que representavam.

Na crítica textual, o uso de nomina sacra é importante porque pode ajudar a datar e classificar os manuscritos do Novo Testamento. Por exemplo, a presença ou ausência de certos nomina sacra pode indicar se um manuscrito é de um período anterior ou posterior, ou se pertence a uma determinada tradição textual ou grupo de manuscritos. Nomina sacra também pode fornecer evidências das maneiras pelas quais o texto bíblico foi transmitido e interpretado na igreja cristã primitiva.

Palimpsesto

Um palimpsesto é um manuscrito ou pedaço de material de escrita que foi reutilizado ou apagado, com uma nova escrita sobreposta a um texto anterior.

Como a produção do suporte material era onerosa, um documento podia ser escrito sobre o mesmo suporte duas vezes ou mais, com a escrita anterior ainda visível sob a escrita mais recente.

No campo da crítica do texto bíblico, os palimpsestos são importantes porque podem fornecer evidências de versões anteriores do texto bíblico que podem não existir mais em sua forma original. O texto anterior pode ter sido apagado ou raspado para dar lugar a uma nova escrita, mas ainda pode ser visível ou recuperável por meio de vários métodos.

Um exemplo depalimpsesto para a crítica de textos bíblicos é o Codex Ephraemi Rescriptus. Datado a do século V dC, está guardado na Bibliothèque Nationale em Paris. O manuscrito contém partes do Antigo e do Novo Testamento, mas o texto bíblico foi escrito sobre escritos anteriores das obras de Efrém, o Sírio, daí o nome “Rescriptus”. Através do uso de luz ultravioleta e outras tecnologias, foi possível recuperar parte do texto original de Efrém.

Outro palimpsesto importante para a crítica do texto bíblico é o Palimpsesto de Arquimedes, que data do século X dC e contém obras do matemático grego Arquimedes. O manuscrito foi posteriormente reutilizado no século XIII para escrever um livro de orações cristãs no qual ainda podem ser discernidas partes do texto bíblico. Os estudiosos usaram imagens multiespectrais para recuperar parte do texto apagado de Arquimedes.

Ainda outro exemplo, o Palimpsesto do Sinai é um manuscrito siríaco do século 6 ou 7 dC que contém fragmentos do Antigo e do Novo Testamento, bem como outros escritos cristãos. O texto foi substituído por escrita árabe no século XII, mas os estudiosos conseguiram recuperar parte do texto siríaco original por meio do uso de várias técnicas de imagem.