Soteriologia forense

A soteriologia forense é um conjunto de teorias teológicas a respeito da salvação. A soteriologia forense emprega a metáfora de um processo penal de justificação no qual o pecador é declarado inocente.

Por esse modelo, a justificação dos pecadores ocorre pela declaração de perdão de Deus por causa da morte e ressurreição de Jesus Cristo. Este modelo desenvolveu-se na Idade Média com base na doutrina da graça de Agostinho, mas em rejeição de seu conceito de justificação como “ficar justo”. Ganharia sua primeira formulação sistemática com a teoria de expiação por satisfação de Anselmo da Cantuária.

A consolidação de uma soteriologia distintivamente forense deve-se a Filipe Melâncton. Com base na concepção de Lutero de que a justificação seria externa (iustitia aliena), Melâncton formulou a doutrina justificação imputada para explicar a condição de justo e pecador. Nessa perspectiva, o pecador seria declarado justo na justificação enquanto a santificação seria algo distinto dentro da obra de salvação. O conceito luterano de justiça imputada bem como os sistemas teológicos calvinistas e arminianos, de uma forma ou outra, são construídos sobre essa metáfora forense. A partir de Calvino a soteriologia forense ganhou contornos de uma substituição penal.

Na esteira calvinista, Francisco Turretin argumentava esse arcabouço soteriológico com os seguintes termos:

A palavra justificação é forense porque as passagens que tratam da justificação não admitem outro sentido senão forense, Jó 9:3. Ps. 143:2, Rom. 3:28 e 4:1-3, Atos 13:39, e em outros lugares, onde um processo judicial é estabelecido, e é feita menção de uma lei acusadora, de pessoas acusadas, que são culpadas, Rom. 3:19, de uma cédula contrária a nós, Col. 2:14, da justiça divina exigindo punição, Rom. 3:24, 26, de um advogado que defende a causa, 1 João 2:1, de satisfação e justiça imputada, Rom. 4 e 5; de um trono de graça diante do qual somos absolvidos, Heb. 4:16, de um Juiz pronunciando sentença, Rom. 3:20, e absolvendo os pecadores, Rom. 4:5.

Turretin

Uma crítica a essa escola soteriologica é atribuir uma inabilidade de Deus exercer livremente sua graça exceto via pagamento dos pecados mediante o sacrifício da cruz. Em outras palavras, pela soteriologia forense a oração dominical pedindo “perdoai as nossas dívidas” estaria errada, pois Deus seria incapaz de perdoar. Portanto, na oração deveria dizer “pagai as nossas dívidas”. Outra crítica é a noção abstrata de justiça e a concepção descontextualizada de justificação. Justiça — nos sentidos bíblicos de dikaiosynē ou tzedekah– implicaria em uma justificação que produza retidão, não se limitando a ser declarado justo. Adicionalmente, nas concepções magistrais de justificação refere-se somente à justiça retributiva, a qual é um dentre vários modelos de justiça, sem contemplar outros modelos desse conceito, como a justiça restaurativa da época do Novo Testamento. Por fim, alguns teólogos consideram a punição de um justo para satisfazer as faltas de alguém injusto um ato sádico que não condiz com o Deus bíblico.

Como todo modelo interpretativo, a soteriologia e justificação forenses são uma construção externa para rearranjar e configurar coerentemente as doutrinas bíblicas. Assim, há pontos fortes e fracos. No entanto, em uma confusão mapa-território, alguns teólogos igualam este modelo explicativo com o próprio evangelho, perfazendo exercícios de eisegese com as Escrituras.

Outros modelos soteriológicos bíblicos mais conhecidos — especialmente fundamentados nas doutrinas sobre expiação e justificação — são a teoria da recapitulação (Irineu, Hicks, Moltmann); a teoria do resgate; a teoria de Christus Victor de Aulén; a teoria da satisfação de Anselmo; a teoria do exemplo moral; teoria da influência moral de Abelardo; teoria do bode expiatório (Girard, Alison); teoria governamental (Grócio); novo aliancismo; nova perspectiva sobre Paulo; soteriologias terapêuticas (transformativa, restaurativa ou regenerativa); teose, dentre outras.

BIBLIOGRAFIA

Barclay, William. The plain man looks at the Apostles’ Creed. Glasgow: Fontana, 1967. pp 111-112.

Finlan, Stephen. Options on atonement in Christian thought. Collegeville, MN: Liturgical Press, 2007.

Green, Joel B.; Baker, Mark D. Recovering the scandal of the Cross: Atonement in New Testament & contemporary contexts. InterVarsity Press, 2000.

Macchia, Frank D. Justified in the Spirit: Creation, Redemption, and the Triune God. Vol. 2. Wm. B. Eerdmans Publishing, 2010.

McGrath, Alister E. Iustitia Dei: a history of the Christian doctrine of justification. Cambridge University Press, 2005.

Rashdall, Hastings. The Idea of Atonement in Christian Theology. London: Macmillan, 1925.

Streadbeck, Arval L. “Juridical Redemption and the Grazer Marienleben.” The Germanic Review: Literature, Culture, Theory 31, no. 2 (1956): 83–87. doi:10.1080/19306962.1956.11786833.

Stott, John R.W. The Cross of Christ. Downers Grove, Ill. : InterVarsity Press, 1986.

Turretin, Francis. Forensic Justification, https://www.ligonier.org/learn/articles/forensic-justification