Concupiscência originária

O conceito de concupiscência originária refere-se à inclinação humana universal ao pecado, sem herança de culpa, enfatizando graça preveniente e responsabilidade pessoal.

Bill T. Arnold, em uma perspectiva wesleyana, prefere usar o termo “concupiscência originária” para se referir à queda, enfatizando uma compreensão do pecado original que se alinha à teologia wesleyana. Essa terminologia reflete aspectos importantes de sua estrutura teológica.

Arnold busca diferenciar sua visão da doutrina tradicional do pecado original, que frequentemente inclui a ideia de culpa herdada transmitida por Adão e Eva. Ao usar o termo “concupiscência originária”, ele destaca o conceito de uma propensão inata ao pecado, em vez de uma transferência direta de culpa. Isso se alinha à interpretação de John Wesley, que reconhece uma natureza corrupta na humanidade, mas rejeita a noção de que os indivíduos são eternamente condenados devido ao pecado de Adão.

Na visão de Arnold, embora a humanidade tenha uma tendência inerente ao pecado (concupiscência), isso não absolve os indivíduos da responsabilidade pessoal por suas ações. Ele afirma que cada pessoa é responsável por seus próprios pecados, alinhando-se à crença de Wesley de que carregamos nossa própria culpa e não estamos eternamente perdidos devido ao pecado herdado.

A perspectiva de Arnold incorpora o conceito de graça preveniente, enfatizado por Wesley como a graça de Deus que capacita os indivíduos a responder ao chamado de Deus para a salvação, apesar de sua natureza caída. Essa graça permite a possibilidade de arrependimento e relacionamento com Deus, mesmo diante da propensão da humanidade ao pecado.

Arnold interpreta Gênesis 1-3 de maneira a reconhecer a beleza e a bondade da criação, ao mesmo tempo em que reconhece a quebra introduzida pelas escolhas humanas. Ele argumenta que Gênesis não rotula explicitamente o evento como “a queda”, permitindo uma compreensão mais ampla da condição da humanidade e suas implicações para o pecado e a redenção.

A concupiscência originária, em vez de uma culpa herdada, implica uma tendência universal ao pecado, sem comprometer a responsabilidade individual e abrindo espaço para a ação da graça preveniente. Essa perspectiva wesleyana oferece uma interpretação mais otimista da condição humana após a queda, enfatizando o potencial para a restauração e o relacionamento com Deus.

Antropormorfismo

O antropomorfismo na Bíblia refere-se à representação de Deus em termos humanos, usando características, atributos, emoções e ações humanas para retratar aspectos da natureza divina.

Dentre o gênero da categoria antropomorfismo, há as espécies antropomorfismo próprio, antropopatismo e antropopraxismo.

Em termos específicos, antropormofismo descreve Deus com traços humanos, quer físcos (olhos, boca, costas, etc). Já o antropopatismo descreve em termos psicológicos (ira, zelo, arrependimento). Por, fim atos comportamentais humanos constituem o antropopraxismo (Deus caminhar).

O antropomorfismo é um recurso literário empregado nas Escrituras para auxiliar os seres humanos a entender e se relacionar com os atributos e interações de Deus com a humanidade. Esta linguagem antropomórfica não pretende sugerir que Deus está limitado à forma humana, mas serve como um meio de transmitir verdades teológicas profundas de uma forma compreensível para os leitores humanos.

Exemplos de antropomorfismo na Bíblia:

  • A Mão de Deus: A Bíblia muitas vezes retrata a mão de Deus como um símbolo de Seu poder e ação. Em Êxodo 3:20, Deus fala de Sua “mão poderosa” ao libertar os israelitas do Egito. Representa Sua intervenção e autoridade nos assuntos da humanidade.
  • Os olhos de Deus, uma metáfora para Sua presença vigilante e conhecimento divino, são enfatizados no Salmo 33:18: “Eis que os olhos do Senhor estão sobre os que o temem, sobre os que esperam na sua benignidade”.
  • O braço de Deus, mencionado em Isaías 53:1, simboliza Sua salvação e libertação. O profeta Isaías usa essa figura de linguagem para destacar a força e a capacidade de Deus em resgatar Seu povo.
  • A voz de Deus, um antropomorfismo que representa Sua comunicação com a humanidade, é evidente em Gênesis 3:8: “E ouviram a voz do Senhor Deus, que passeava no jardim pela viração do dia”. Essa passagem ilustra a interação direta de Deus com Adão e Eva.
  • A face de Deus simboliza Seu favor, atenção e revelação. Em Números 6:25, a bênção sacerdotal invoca: “O Senhor faça resplandecer o seu rosto sobre ti”. Essa imagem transmite a graça e o amor de Deus para com Seu povo.
  • A ira de Deus, uma emoção humana atribuída a Ele, é demonstrada em Êxodo 32:9-10, quando os israelitas adoram o bezerro de ouro.
  • O odor que agrada a Deus, mencionado em Gênesis 8:21, descreve a satisfação divina com o sacrifício de Noé após o dilúvio.
  • O descanso de Deus, retratado em Gênesis 2:2, simboliza a conclusão da criação.
  • A alegria de Deus, expressa em Isaías 65:19, revela Seu contentamento com a restauração e prosperidade de Jerusalém.
  • A tristeza/aflição de Deus, mostrada em Juízes 10:16, ilustra Sua compaixão pelo sofrimento de Israel.
  • O ódio de Deus, manifestado em Salmos 5:5-6, revela Sua aversão ao mal e à injustiça.
  • O amor de Deus, exemplificado em Jeremias 31:3, revela Seu carinho eterno e incondicional por Seu povo. Essa emoção divina destaca Sua fidelidade e compromisso com a humanidade.
  • Deus como pastor: Salmos 23:1 retrata Deus como um guia e protetor amoroso.
  • Deus como juiz: Gênesis 18:25 descreve Deus como o árbitro supremo, que age com justiça.
  • Deus como noivo: Marcos 2:19-20 usa essa metáfora para ilustrar a relação entre Jesus e seus discípulos.
  • Deus como marido: Isaías 54:5 retrata Deus como um parceiro fiel em uma aliança matrimonial com Seu povo.

BIBLIOGRAFIA

Cole, Graham. The God Who Became Human: A Biblical Theology of Incarnation. Vol. 30, InterVarsity Press, 2013.

Köhler, Ludwig. Anthropomorphisms and Their Meaning from Old Testament Theology. Westminster, 1957.

Yamauchi, Edwin M. “Anthropomorphism in Ancient Religions.” Bibliotheca Sacra, vol. 125, Jan.-Mar. 1968, pp. 29-44.

VEJA TAMBÉM

Acomodação

Linguagem religiosa

Gegenerb

O conceito anabatista de Gegenerb ou contra-herança, desenvolvido por Pilgram Marpeck, enfatiza que os seres humanos têm acesso à bondade essencial por meio da redenção e a promessa da redenção é o que constitui a contra-herança. Gn 3 não é lido como maldição à humanidade, mas como promessa de redenção em Cristo. Isso significa que a redenção e o amor cristão nutridos por meio do discipulado são as manifestações dessa contra-herança.

Marpeck acreditava que os humanos não perderam sua bondade essencial quando Deus expulsou Adão e Eva do Éden. A perspectiva de Marpeck discordou da visão agostiniana do pecado original e da natureza humana, que se concentrava fortemente na depravação humana.

Tal como Adão e Eva fizeram escolhas e discerniram entre o bem e o mal, o poder e a inevitabilidade do pecado na humanidade ganham poder somente quando a pessoa chega ao tempo do conhecimento, ou seja, a uma relativa idade adulta.

Os anabatistas creem na liberdade da vontade (livre arbítrio) e no renascimento espiritual do indivíduo. Com a ajuda da graça divina, os seres humanos podem vencer suas tendências ao mal e obedecer aos mandamentos divinos. Esta liberdade da vontade é essencial para o discipulado ou Nachfolge, doutrina central do anabatismo.

O sacrifício de Cristo foi suficiente e eficaz para toda a humanidade. Por essa razão, crianças recebem a promessa de Cristo e não vão para o inferno. Já os adultos, sabendo distinguir entre o bem e o mal, sofrem da inclinação ou tendência para o mal (Neigung ou Neiglichkeit), ou ainda tentação.

O novo nascimento espiritual envolve a transformação do homem “natural” em um homem “espiritual” que agora pode ver seu novo caminho e sentir o poder, recebido por meio de uma experiência espiritual, para resistir ao mal, ao pecado, à desobediência a Deus, ao orgulho e ao egoísmo, que anteriormente poderia ter dominado seu personagem. No entanto, essa força recém-adquirida não é uma garantia completa contra possíveis retrocessos, e a vida continua sendo uma luta contínua entre as duas naturezas do homem.

A existência humana é um embate entre o mundo do mal e o reino de Deus. A obediência a Cristo e a escolha pelo bem é uma escolha adulta e voluntária. Para o anabatista, o exercício da escolha humana de rejeitar o mal tem um clímax no batismo voluntário do crente, pois o batismo marca a escolha de crucificar o pecado e experimentar a vida ressurreta em Cristo (Rm 6).

Queda

Na teologia sistemática, a expressão queda ou queda do homem refere-se à transgressão de Adão e Eva à ordem divina de não comer do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, conforme Gênesis 3. Este evento segue o segundo relato da criação, em Gênesis 2:4b-25, onde Deus cria Adão e sua esposa, os coloca no Jardim do Éden e estabelece a proibição de comer do fruto (Gênesis 2:17). A narrativa introduz a figura da serpente como sedutora e culmina na expulsão do casal do Éden (Gênesis 3:23-24).

Questões sobre a Queda

Há diversas questões textuais e teológicas acerca da interpretação desta passagem. A relação entre a árvore do conhecimento e a árvore da vida, por exemplo, permanece ambígua, embora ambas sejam descritas como localizadas no jardim (Gênesis 2:9; 3:3, 22-24). A serpente, descrita como o animal mais astuto, encontra paralelos em mitos do antigo Oriente Próximo, mas seu simbolismo exato e seu gênero gramatical no hebraico (masculino) continuam sendo debatidos se era uma figura maligna, uma representação fabular de animal falante ou o símbolo do caos primevo.

Além das questões textuais, há também debates sobre gênero e função literária da narrativa. Historicamente, a Queda foi interpretada sob diversas perspectivas, tais como um evento histórico, uma representação literária, uma narrativa de culpa e punição, etiologia ou teodiceia. A função etiológica da história busca explicar a origem do sofrimento humano, da morte, da discórdia entre os sexos e das dificuldades da vida. Como teodicéia, a narrativa contrasta o estado atual do mundo com um estado idealizado no Éden, atribuindo ao ser humano, e não a Deus, a responsabilidade pelo sofrimento. Por fim, a conclusão da passagem direciona para uma promessa de redenção.

Questões teológicas e antropológicas também surgem na análise da narrativa. O texto é ambíguo quanto à possibilidade de imortalidade dos humanos no Éden. Além disso, a razão pela qual Deus proibiu o fruto da árvore suscita diferentes interpretações: teria sido para preservar a obediência, proteger os humanos de um conhecimento prematuro ou algo mais? O que exatamente significa o “conhecimento do bem e do mal”? Representa juízo moral, autonomia ou um conceito mais amplo? A natureza do pecado também é debatida, já que Adão e Eva não possuíam pleno conhecimento antes de comerem o fruto. As consequências da Queda, por sua vez, levantam questões sobre o que foi perdido ou ganho, e se este evento foi necessário para o desenvolvimento humano. Por fim, há quem questione se a Queda alterou a relação entre humanos e animais.

As interpretações da narrativa da Queda variam amplamente. Uma delas é a interpretação sexual, que associa o termo hebraico yada (conhecer) ao descobrimento da sexualidade, embora faltem evidências textuais que sustentem essa visão. Outra abordagem é a ética, que destaca o desenvolvimento do juízo moral e a responsabilidade humana, com foco na escolha entre obediência e desobediência, explorando a natureza do pecado. A interpretação intelectual entende o “conhecimento do bem e do mal” como busca de sabedoria ou onisciência, associando o ato ao conceito de hubris, ou presunção humana. Já a interpretação psicossocial vê a Queda como uma metáfora para a transição da inocência para a maturidade e a autonomia humana, com seus desafios e responsabilidades. Por fim, a interpretação emancipatória apresenta a Queda como um símbolo da busca por independência e autodeterminação, refletindo tensões entre obediência a Deus e progresso cultural.

A Recepção da Doutrina da Queda

As interpretações da Queda mostram diferentes maneiras de compreender a relação entre o humano, o pecado e a possibilidade de reconciliação com Deus.

A narrativa da Queda do Homem é notoriamente a ausente pelo resto do Antigo Testamento. Apenas no período do Segundo Templo aparecem poucos textos, como Siraque 25:24, 32, onde a Queda de Gênesis 3 é vista como o início do pecado e a causa da morte de todos e, em Sabedoria 2:24, onde este evento está associado como a causa da morte eterna dos pecadores. Em contraste, segundo Ezequiel 18, cada pessoa é responsável por suas próprias ações, e Deus nega claramente responsabilidade pelos pecados dos pais.

O Antigo Testamento contém afirmações segundo as quais o homem tem uma tendência inata ao mal ( Gênesis 6:5 e 8:21: “a imaginação do coração do homem é má”), sem apontar diretamente a culpa de Adão. Também há declarações de que todo ser humano peca (cf. Jó 4:17-19; Jó 14:4; Jó 15:14; Jó 25:4; 1 Reis 8:46; Isaías 9:7; Isaías 64:5; Jeremias 5:1-5; Jeremias 25:4-5; Eclesiastes 7:20; Sir 8:5; Provérbios 20:9; Salmo 14:3, Salmo 53:4; Salmo 130:3; Salmo 143:2). No entanto, Gênesis 5:24, Gênesis 6:9, Jó 1:1, Jó 2:22, Jó 3:10 e Isaías 52:13-53:12 apontam para atos individuais. Também o Antigo Testamento argumenta que o homem tem a capacidade de cumprir os mandados divinos (Deuteronômio 30:11,14; Jó 1:1,22; Salmo 1:1) e de permanecer vigilante acerca do pecado que espreita (Gênesis 4:7; Siraque 15:14-17).

Na apocalíptica judaica, a história foi vista como dominada por forças e poderes obscuros, a ação malévola de seres demoníacos passaram a ser vistos como causa do mal (Vida de Adão e Eva 34; Enoque Eslavo 30,17). Desde a desobediência dos primeiros pais, o pecado adquiriu o caráter de um destino que pesa sobre todos os homens (cf. por exemplo, Apocalipse de Moisés 32; Apocalipse Sírio de Baruque 48:42f; 4 Esdras 7:118). Contudo, inexiste nos escritos judaicos desse período a ideia de que o pecado foi transmitido dos primeiros pais para seus descendentes.

Nos manuscritos de Qumran, provavelmente se assumia uma tendência inata ao pecado. Isso é notório no rolo 1QH ou o Hinos de Louvor 4:29f, que assevera que o homem “vive em pecado desde o ventre”.

Filo de Alexandria explica o pecado como uma tendência natural do homem (A vida de Moisés 2.147; Do Sacrífico de Abel e Caim 15; Sobre as leis especiais 1.252). Os rabinos desenvolveram posteriormente a doutrina de que o homem é criado com um impulso bom e outro mau, atribuindo o conflito entre o bem e o mal ao próprio Deus, sem, contudo, eximir o homem da responsabilidade por suas ações. O impulso mau é a tendência individual ao pecado, mas não uma constituição pecaminosa causada por Adão.

Na sua tipologia Adão-Cristo (Romanos 5:12-21), Paulo argumenta que a morte veio a todos os homens “porque (eph’ hōi) todos pecaram” (v. 12), ou seja, cada pessoa. Preocupado com o fato de que os coríntios poderiam aderir a outros ensinamentos sobre Cristo, Paulo aponta em 2 Coríntios 11:3 para o exemplo da serpente, que uma vez enganou Eva com sua astúcia.

A leitura de Gênesis 3 e a doutrina da Queda do Homem apresenta diversas interpretações dentro das tradições cristãs.

Desde Agostinho, no Ocidente prevalence a doutrina do pecado original, a qual representa a condição herdada de separação de Deus e a inclinação ao mal transmitida desde o ato de Adão e Eva no Éden. Essa condição não se limita aos atos individuais, mas configura um estado que afeta a humanidade.

Ambrosiastro foi um proponente da doutrina do pecado original por meio de sua tradução e interpretação de Romanos 5:12. Com base nas traduções latinas de Romanos, interpretou mal a frase grega ἐφ᾿ ᾧ “porque” como “em quem” (latim: “in quo”), o que sugeria que toda a humanidade pecou em Adão. Essa interpretação o levou a afirmar que, uma vez que Adão foi corrompido pelo pecado, todos os seus descendentes nasceram sob o pecado e, portanto, são inerentemente pecadores. Ambrosiastro escreveu: “todos são pecadores, porque todos somos produzidos a partir dele”, estabelecendo uma base para a ideia de que o pecado é herdado em vez de cometido pessoalmente. Contudo, tal leitura é insustentável na exegese do texto grego. O texto grego diz que não apenas Adão é pecador, mas que todas as pessoas pecam.

Agostinho de Hipona mais tarde adotou e expandiu as ideias de Ambrosiastro, formalizando a doutrina do pecado original em suas obras teológicas. Para Agostinho, a natureza humana foi originalmente criada sem culpa, mas se corrompeu pela desobediência de Adão. Agostinho introduziu a distinção entre peccatum originale originans (o ato de Adão) e peccatum originale originatum (a condição pecaminosa herdada por todos os humanos). Sugeriu que o pecado original é propagado por meio da reprodução sexual, ligando a procriação humana à transmissão do pecado. Para ele, essa culpa herdada torna todo ser humano moralmente culpado desde o nascimento, mesmo antes de qualquer pecado pessoal ser cometido.

A interpretação de Agostinho foi influenciada por sua formação retórica e jurídica e sua leitura de Gênesis, onde ele concluiu que todos os humanos compartilham da culpa de Adão porque são “um em Adão” como seus descendentes. Descreveu essa culpa compartilhada como um tipo de dívida devida a Deus devido à transgressão de Adão. Agostinho sustentou que essa condição necessita da graça divina para a salvação, marcando uma mudança significativa na teologia cristã em relação à natureza humana e ao pecado.

As implicações dos ensinamentos de Ambrosiastro e Agostinho resultaram em posicionar a doutrina do pecado original como um aspecto fundamental do que se entendia como doutrina cristã nas vertentes hegemônicas e institucionais da cristandade ocidental. Esse posicionamento influenciou práticas como o batismo infantil. A crença de que até mesmo crianças nascem com pecado original levou a debates teológicos sobre graça e redenção, particularmente durante a controvérsia pelagiana, onde Agostinho defendeu suas visões contra aqueles que defendiam o livre-arbítrio humano e a capacidade de escolher o bem.

Apesar de sua aceitação, a doutrina enfrentou críticas por sua dependência da tradução incorreta de Ambrosiastro e suas implicações em relação à justiça e responsabilidade moral. Os críticos argumentam que atribuir culpa somente a Adão prejudica a responsabilidade individual por pecados pessoais, como Paulo enfatiza em suas cartas que cada pessoa se torna culpada por suas próprias ações, e não somente por Adão. Essa crítica destaca a complexidade de reconciliar a culpa herdada com a agência moral pessoal dentro da teologia cristã.

No Oriente cristão, prevaleceu a concepção antioquena e alexandrina de redenção. Teólogos Teodoreto de Ciro rejeitaram o conceito agostiniano de pecado original. Em razão disso, a Igreja Ortodoxa Oriental mantém o conceito de “pecado ancestral”, que reconhece o estado decaído da humanidade e sua inclinação ao pecado desde a transgressão de Adão. No entanto, os ortodoxos rejeitam a noção de culpa herdada. Em vez disso, enfatizam a ideia de que os humanos herdam as consequências do pecado de Adão, como a mortalidade e uma vontade enfraquecida, mas não a culpa em si. Essa perspectiva foca na ruptura da harmonia original e na vulnerabilidade que conduz ao erro.

No ocidente, como alternativa à concepção agostiniana da Queda, os anabatistas, incluindo os menonitas, leêm em Gênesis 3 a “promessa original” em vez do pecado original. A mensagem central, desse capítulo não seria a Queda, mas sim a promessa redenção em Cristo. Pela obra de Cristo, a graça possibilita que o ser humano exerça o livre arbítrio da humanidade para escolher o bem ou o mal. Em razão disso, a teologia anabatista enfoca no potencial de restauração e transformação por meio de Cristo. Rejeitam a ideia de que os humanos herdam a culpa do pecado de Adão.

O conceito de pecado corporativo dentro das comunidades, enfatizando a culpa coletiva e o fracasso moral na sociedade. Exemplos como desigualdades sociais, alianças com poderes destrutivos e destruição ambiental refletem esse entendimento. Dietrich Bonhoeffer considerava a responsabilidade coletiva em relação ao pecado corporativo dentro das comunidades, enfatizando a culpa coletiva e o fracasso moral na sociedade.

Com ênfase na universalidade do pecado, Martinho Lutero reforçou as visões de Agostinho durante a Reforma, afirmando que todos são igualmente pecadores e necessitados de graça.

Paul Tillich, argumenta que a queda representa uma condição universal de afastamento de Deus. Eles argumentam que o pecado não é apenas um resultado das ações de Adão, mas um aspecto fundamental da existência humana, refletindo uma alienação mais profunda que todos os indivíduos experimentam. Essa abordagem sugere que a narrativa da queda serve como um arquétipo para entender a luta contínua da humanidade com o pecado, enfatizando a responsabilidade pessoal e a necessidade de existência autêntica em relacionamento com Deus.

Outras concepções, como no wesleyanismo, o conceito de concupiscência originária refere-se à inclinação humana universal ao pecado, sem herança de culpa, enfatizando graça preveniente e responsabilidade pessoal.

O conceito de queda não é incompatível com o teísmo evolucionário e a evolução humana. John Walton, teólogo evangélico que integra a teoria da evolução com a interpretação bíblica, propõe que a narrativa da criação em Gênesis deve ser entendida a partir da perspectiva do antigo Oriente Próximo, enfatizando a criação funcional em vez da material. Para Walton, a semana da criação não descreve a criação de objetos materiais, mas a atribuição de significado funcional a um cosmos preexistente, que teria passado por processos como a evolução durante milhões de anos, incluindo morte e sofrimento antes da queda.

Em sua visão, Adão e Eva não são necessariamente os primeiros ancestrais humanos, mas figuras arquetípicas que representam a humanidade em um estágio em que Deus escolheu estabelecer uma parceria para trazer ordem ao caos. Essa perspectiva relativiza a compreensão tradicional do pecado original como um evento singular iniciado pelos primeiros humanos. As ações de Adão e Eva, em vez de introduzir o pecado no sentido clássico, contribuem para uma narrativa mais ampla de desordem.

A interpretação de Walton levanta questões complexas sobre o pecado original. Se a humanidade evoluiu de hominídeos anteriores, o conceito de pecado original precisa ser repensado. Em vez de ser uma característica inerente transmitida por Adão e Eva, o pecado original se torna a entrada da humanidade na desordem ou caos. Essa abordagem permite conciliar a ciência evolutiva com a doutrina cristã, propondo que o pecado original não contradiz necessariamente o relato evolutivo das origens humanas.

Walton argumenta que a Bíblia não define o pecado original como a entrada do mal no mundo, mas como a entrada da humanidade na desordem — o caos maligno. Essa desordem se manifesta em rebelião contra Deus, violência, injustiça e exploração. A Queda, portanto, representa um ponto de virada na história da humanidade, marcando o início de um ciclo de pecado e sofrimento. Essa visão questiona a ideia de um estado original de perfeição e sugere que a humanidade sempre esteve sujeita à desordem e ao pecado.

BIBLIOGRAFIA

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Walton, John H. O mundo perdido do dilúvio: teologia, mitologia e o debate entre os dias que abalaram a terra. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2019.

Walton, John H. O mundo perdido de Adão e Eva: o debate sobre a origem da humanidade e a leitura de Gênesis. Viçosa: Ultimato, 2016.