Novo Testamento Grego de Lachmann

O Novum Testamentum Graece et Latine de Karl Lachmann (1793-1851) foi uma edição crítica do Novo Testamento,que marcou uma ruptura metodológica com as edições em voga.

Publicada em duas edições, a primeira em 1831 e a segunda em 1842-1850, a obra desse filólogo alemão foi uma tentativa de reconstruir o texto grego do Novo Testamento utilizando manuscritos mais antigos e técnicas rigorosas de análise filológica, especialmente o método genealógico. Esse método, inédito até então, buscava determinar as relações entre os manuscritos e estabelecer o texto mais próximo ao original.

Primeira Edição (1831)

Em 1831, Lachmann lançou sua primeira edição crítica do Novo Testamento grego. A edição de Lachmann foi criticada por se basear em um número limitado de manuscritos, uma vez que os recursos disponíveis à época não permitiam o acesso a uma grande variedade de fontes textuais. Apesar das críticas, essa primeira edição lançou as bases para a abordagem filológica que seria consolidada em sua edição subsequente.

A Segunda Edição (1842-1850) e a Vulgata Latina

A segunda edição do Novum Testamentum Graece et Latine, publicada em dois volumes entre 1842 e 1850, ampliou a base de manuscritos latinos e gregos utilizados, incluindo, além do Codex Alexandrinus, o Codex Vaticanus e o Codex Ephraemi Rescriptus. Essa edição também apresentou o Novo Testamento grego lado a lado com a Vulgata Latina. Ao fazer essa comparação, Lachmann destacava as limitações da Vulgata e sugeria uma reconstrução mais precisa do texto grego original. Tal abordagem implicitamente desafiava a autoridade da Vulgata.

Método Genealógico e o rompimento com o Textus Receptus

Lachmann empregou o método genealógico. Anteriormente, aplicou este método na manuscritologia germânica e dos clássicos gregos e romanos. O método procurava entender as “linhagens” dos manuscritos, criando um stemma ou árvore genealógica para mapear as relações entre as diversas cópias e identificar o texto mais próximo do original. Diante disso, Lachmann abandonou o textus receptus do Novo Testamento, que se baseava em manuscritos tardios, e priorizou as versões mais antigas, datadas do século IV e anteriores, confiando que essas preservavam uma transmissão textual mais fiel. Essa abordagem fundamentou-se em evidências limitadas, mas foi um avanço significativo em relação à prática editorial puramente subjetiva da época.

Através de seu trabalho, Lachmann procurou identificar e eliminar as interpolações e emendas inseridas ao longo dos séculos, respeitando o conteúdo original ao invés de favorecer conjecturas estilísticas. Para ele, uma edição crítica deveria distinguir as leituras originadas na tradição manuscrita das conjecturas de editores ou críticos anteriores. Essa prática meticulosa e conservadora, que preferia a “leitura do arquétipo” ao invés de intervenções conjecturais, refletia uma tentativa de manter o texto o mais próximo possível do original.

Impacto e limitações

O Novum Testamentum Graece et Latine de Lachmann exerceu um impacto duradouro na crítica textual do Novo Testamento, influenciando gerações subsequentes de estudiosos:

  1. Início das Edições Críticas Modernas: Lachmann iniciou uma nova fase na crítica textual, orientando-se por uma ampla análise manuscrita e influenciando edições críticas posteriores, como as de Tischendorf, Westcott e Hort, e Nestle-Aland, que permanecem influentes até hoje.
  2. Desenvolvimento do Método Genealógico: Sua aplicação do método genealógico, apesar de rudimentar para os padrões modernos, lançou as bases para o desenvolvimento de técnicas avançadas na reconstrução de textos antigos.
  3. Contribuição para a Filologia Reconstrutiva: O rigor de Lachmann em distinguir as leituras manuscritas originais de conjecturas contribuiu para uma abordagem mais objetiva na reconstrução de textos antigos, sendo considerado um pioneiro na filologia reconstrutiva.

Apesar de seu valor inovador, a edição de Lachmann apresentava limitações que foram, ao longo dos anos, supridas pela crítica textual moderna:

  • Seleção Limitada de Manuscritos: A dependência de um número restrito de manuscritos resultou em uma reconstrução textual que, embora precisa, não se beneficiava da amplitude de evidências disponíveis nos séculos seguintes.
  • Foco em Manuscritos Antigos: Lachmann priorizou textos do século IV, o que, embora metodologicamente coerente, limitou a inclusão de variantes preservadas em manuscritos posteriores que também poderiam refletir tradições autênticas.