Pleroma

O termo grego πλήρωμα (pleroma), derivado do verbo πληρόω (plēroō), que significa “encher” ou “completar”, possui uma rica gama de significados na literatura grega e, posteriormente, nos textos bíblicos e cristãos. Embora sua tradução literal seja “plenitude” ou “aquilo que enche”, seu significado se expande para abarcar diferentes nuances e contextos.

Inicialmente, pleroma referia-se àquilo que preenche um espaço ou objeto, como o conteúdo de um vaso ou a tripulação de um navio. Essa acepção é encontrada em autores clássicos como Eurípides e Heródoto, bem como em inscrições, papiros e na Septuaginta. No Novo Testamento, essa ideia é vista em 1 Coríntios 10:26, onde Paulo cita o Salmo 23:1, afirmando que “a terra e tudo o que nela se contém pertencem ao Senhor”, e em Marcos 6:43, que descreve os discípulos recolhendo doze cestos cheios de pedaços de pão após a multiplicação dos pães e peixes.

O termo também pode denotar aquilo que completa ou aperfeiçoa algo, como um complemento ou suplemento. No Novo Testamento, essa acepção é utilizada metaforicamente em Mateus 9:16 e Marcos 2:21, na parábola do remendo novo em roupa velha, onde pleroma refere-se ao pedaço de pano usado para remendar a roupa.

Em Efésios 1:23, Paulo descreve a Igreja como pleroma de Cristo. Essa passagem gerou diferentes interpretações. Alguns entendem que a Igreja, como corpo de Cristo, é o complemento que O torna completo. Outros, porém, argumentam que o significado se aproxima mais da ideia de plenitude, ou seja, a Igreja como a esfera onde a plenitude de Cristo se manifesta.

Essa noção de plenitude, de algo que está cheio ou completo de alguma coisa, é central para a compreensão do termo pleroma. Filo de Alexandria, por exemplo, utiliza pleromapara descrever a alma repleta de virtudes, enquanto Hermas, em suas visões, descreve Deus como a plenitude da vida e o mundo como a plenitude da maldade.

Em Colossenses 2:9, Paulo afirma que em Cristo “habita corporalmente toda a plenitude da divindade”. Essa passagem destaca a completa divindade de Cristo, enfatizando que Ele é a manifestação plena de Deus no mundo. Ao afirmar que a plenitude da divindade habita em Cristo, Paulo enfatiza a completa divindade de Jesus, afirmando que Ele não é apenas um ser divino ou um representante de Deus, mas que a totalidade da natureza divina está presente Nele. João 1:16 complementa essa ideia, afirmando que “da sua plenitude todos nós recebemos graça sobre graça”.

O termo pleroma também pode se referir à realização ou cumprimento de algo, como em Romanos 11:12, onde Paulo fala sobre o cumprimento das promessas de Deus para com Israel. Em Romanos 13:10, o amor é apresentado como o cumprimento da lei, demonstrando como o amor cumpre e transcende todas as obrigações legais.

Finalmente, pleroma pode indicar a plenitude do tempo, o momento oportuno para a realização de algo. Em Gálatas 4:4, Paulo afirma que “quando veio a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho”, referindo-se ao momento preciso da encarnação de Cristo. Efésios 1:10 também menciona a “plenitude dos tempos”, apontando para o plano de Deus de reunir todas as coisas em Cristo.

David W. Congdon

David W. Congdon (nascido em 1985), é um teólogo americano.

Congdon concluiu seu doutorado em teologia sistemática no Princeton Theological Seminary em 2014, com uma dissertação sobre a teologia de Rudolf Bultmann. É autor de diversas obras, incluindo The Mission of Demythologizing: Rudolf Bultmann’s Dialectical Theology, The God Who Saves: A Dogmatic Sketch e Beauty in the Word: Rethinking the Foundations of Theology.

Em The God Who Saves: A Dogmatic Sketch, Congdon apresenta uma teologia sistemática que destaca a obra salvífica de Deus por meio de Jesus Cristo. Ele argumenta que o ato de salvação não é apenas uma resposta ao pecado humano, mas um aspecto intrínseco ao ser de Deus, que escolheu livremente revelar-se por meio da encarnação de Cristo. Por meio de Cristo, Deus reconcilia a humanidade consigo mesmo e promove a restauração de todas as coisas.

Congdon enfatiza a importância de uma compreensão trinitária de Deus, defendendo que a doutrina da Trindade não é um conceito abstrato, mas a forma como Deus se revela no mundo. Ele também critica noções tradicionais de vida após a morte, argumentando que a salvação não se restringe à redenção pessoal, mas abrange a redenção de toda a criação.

Ad intra e ad extra

Em seu tratado teológico De Trinitate, Agostinho de Hipona (354-430 DC) introduziu as frases latinas “ad intra” e “ad extra” para delinear a dinâmica interna e os compromissos externos da Trindade.

“Ad intra” investiga as relações intrínsecas entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo dentro da Divindade, capturando a essência atemporal e imutável do Deus triúno. Agostinho elucidou a geração do Filho pelo Pai e a processão do Espírito Santo tanto do Pai quanto do Filho, destacando o amor, a mutualidade e a unidade.

Por outro lado, “ad extra” direciona a atenção para as atividades da Trindade no domínio externo — criação, sustento e redenção. Agostinho destacou papéis distintos dentro do plano salvífico da Divindade: o Pai como fonte, o Filho como mediador e o Espírito Santo como doador de vida e graça.

Essa distinção ad intra-ad extra provou ser fundamental na articulação coerente da Trindade por Agostinho, equilibrando a unidade e a diversidade da natureza trina de Deus. Salvaguardou a afirmação da unidade das três pessoas em essência, igualdade e eternidade, ao mesmo tempo que reconheceu os seus papéis e relacionamentos distintos, tanto dentro da Divindade como em relação ao mundo.

Enraizado numa tradição teológica que remonta a Tertuliano, Agostinho defendeu a igualdade das pessoas divinas em substância, fundamentando a sua unidade na essência divina partilhada. Esta igualdade ad intra, argumentou Agostinho, constitui a base para a sua ação inseparável ad extra. As distinções reais entre as pessoas dentro da Divindade, de acordo com Agostinho, sustentam os seus compromissos diferenciados com o mundo externo.

Para Agostinho, a doutrina do Pai, do Filho e do Espírito Santo compartilhando uma substância elimina qualquer indício de desigualdade dentro da vida divina, excluindo todas as formas de subordinação. Distinções reais entre as pessoas, firmemente fundamentadas em relações subsistentes, moldam a compreensão de Agostinho das relações ad intra da Trindade e das suas ações consequentes ad extra. Este quadro teológico, rico na exploração da dinâmica interna e externa da Trindade, continua a ser uma pedra angular no discurso teológico cristão.

VEJA TAMBÉM

Teorias sobre a Trindade

Vestigia Trinitatis

Vestigia Trinitatis ou Vestigia Trinitata é um conceito teológico sobre vestígios da sinais discerníveis da Trindade em toda a criação.

O conceito foi desenvolvido por Agostinho, apesar de origens em Tertuliano. Agostinho costumava usar a mente humana como exemplo. Ao contrário das ilustrações, estes sinais são considerados impressões da Trindade formadas durante o ato da criação. A Vestigia Trinitatis foi uma analogia importante para o desenvolvimento do trinitarianismo psicológico.

O conceito evoluiu ao longo da Idade Média, com Boaventura enfatizando a distinção entre os vestígios e a semelhança e imagem da Trindade. No entanto, a noção teológica enfrentou escrutínio, nomeadamente por parte de Karl Barth. Barth contestou a ideia de duas raízes de conhecimento da Trindade – uma da natureza e outra da revelação – argumentando que somente a revelação é a fonte primária. Barth afirmou que os verdadeiros traços da Trindade são encontrados na auto-revelação de Deus, desafiando a ideia de uma disposição trinitária imanente nas realidades criadas à parte da revelação. Barth enfatizou que a verdadeira compreensão da Trindade surge do ato de Deus de se manifestar de maneira humana, sustentando que a revelação é a única raiz da doutrina da Trindade.

As discussões teológicas em torno de Vestigia Trinitatis investigam a tensão entre a revelação e a ordem criada, destacando o significado da linguagem e os desafios colocados pelas tentativas de derivar a Trindade apenas da natureza. O conceito reflete debates teológicos mais amplos sobre a natureza da auto-revelação de Deus e o papel da revelação na compreensão dos mistérios da Trindade.

BIBLIOGRAFIA

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Teorias sobre a Trindade

A doutrina da Trindade é um conceito teológico no cristianismo que busca articular a natureza de Deus como sendo um só ser, mas que se manifesta ou existe como três “pessoas” ou “hipóstases”: o Pai, o Filho (Jesus Cristo) e o Espírito Santo. A formulação dessa doutrina se desenvolveu ao longo de séculos de debates teológicos, exegese bíblica e concílios. Diversas perspectivas tentam explicar (ou rejeitar) o conceito de Trindade. As principais teorias sobre a Trindade são as seguintes.

  1. VISÕES TRITEÍSTAS
  2. VISÕES SUBORDINACIONISTAS
  3. VISÕES MODALISTAS
  4. A TRIUNIDADE ORTODOXA
  5. OUTRAS ABORDAGENS
  6. BIBLIOGRAFIA

VISÕES TRITEÍSTAS

O Triteísmo ensina que a Divindade consiste essencialmente em três deuses separados. Embora seja correto dizer que o Pai é Deus, o Filho é Deus e o Espírito Santo é Deus, seria errado dizer que essas três pessoas constituem três divindades separadas. O triteísmo era típico da religião da Mesopotâmia, onde o deus supremo era Anu, o deus dos céus; seguido por Enlil, o deus do vento e da agricultura; e Enki (ou Ea), o deus da água e do conhecimento. Na religião hindu, o conceito Trimurti também é triteísta: Brahma o criador, Vishnu o preservador e Shiva o destruidor. O mormonismo sustenta algo semelhante, que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são três seres separados, mas que são uno em propósito.

Uma analogia antiga era que a natureza divina seria dividida em três partes, análoga a um pedaço de barro cortado em três pedaços.

VISÕES SUBORDINACIONISTAS

O arianismo é uma posição defendida pelo presbítero alexandrino Ário (ca. 256-336). De acordo com o arianismo, o Filho de Deus seria uma criatura feita por Deus do nada há um tempo finito.

O eunomianismo, também conhecidos como anomoanos ou heterousianos, era uma versão extrema de arianismo que acreditava em uma total assimetria dentro da Trindade. Afirmando que somente o Pai possuía o atributo de não gerado (um ser sem origem) enquanto considerava o Filho e o Espírito Santo como seres criados, sendo funcionalmente subordinados. Enfatizavam uma definição precisa da essência de Deus.

O unitarismo sustenta que Deus é apenas uma pessoa divina (o Pai) e nega que Jesus Cristo seja Deus nesse sentido. Há algumas variantes de unitarismo. O unitarismo atual é, em grande, parte um movimento pós-Iluminismo, racionalista, que rejeita a divindade de Cristo e, frequentemente, o sobrenatural. Já o unitarismo histórico da era da Reforma (por exemplo, Fausto Sozzini) era teologicamente mais complexo, embora tenha chegado a conclusões semelhantes.

Frequentemente, o unitarismo é confundido com o socinianismo. Essa visão argumenta que o Pai é o único Deus verdadeiro. O Filho era um homem santo, que Deus criou por meio de uma concepção direta e sobrenatural, antes da qual ele não existia. Ele foi criado para proclamar uma nova lei para a humanidade. Tendo completado esta tarefa, ele ascendeu ao céu, onde se tornou participante da graça divina. O Espírito Santo é meramente uma energia ou poder divino.

As Testemunhas de Jeová ensinam que o Filho é uma criatura, criada antes do cosmos, e o agente por meio do qual Deus criou o cosmos. O Espírito Santo é simplesmente o poder de Deus, o Pai.

No mundo de língua inglesa, o termo unitarismo foi atribuído à cristologia humanitária, a qual sustenta que Jesus somente possuía uma natureza: a humana.

O subordinacionismo é uma doutrina em que o Filho (e às vezes também o Espírito Santo) está subordinado ao Pai. Era típico dos chamados semi-arianos. O Filho é realmente eterno, gerado da essência do Pai: ele não é uma criatura e não nasceu do nada; no entanto, ele é inferior e subordinado ao Pai. Somente o Pai é “Deus” com o artigo definido prefixado ao termo (ho theos). A omissão do artigo para referir-se ao Filho (theos) resulta de ter recebido sua natureza do Pai pela comunicação. O Filho seria semelhante, não igual, essencialmente ao Pai

O subordinacionismo funcional eterno, com outras terminologias concorrentes como subordinação eterna do Filho e relações internas de autoridade e submissão, propõe uma hierarquia dentro da trindade. Embora o Filho seja ontologicamente igual ao Pai, Cristo seria subordinado em função, obedecendo ao Pai na eternidade. É uma doutrina mantida entre os novos calvinistas.

O monarquianismo é uma doutrina que enfatiza Deus como um ser indivisível. Essa doutrina contrasta com o trinitarianismo, que define a Divindade como três hipóstases coeternas, consubstanciais, coimanentes e igualmente divinas. Existem dois tipos, o monarquismo dinâmico e o modalístico.

O adocionismo (ou monarquianismo dinâmico) sustenta que Deus é um ser, acima de tudo, totalmente indivisível e de uma natureza. Sustenta que o Filho não era coterno com o Pai. Assim, a Jesus Cristo foi essencialmente concedido a divindade (adotado) para os planos de Deus e para sua própria vida e obras perfeitas. Diferentes variações do dinamismo sustentam que Jesus foi “adotado” no momento de seu batismo ou de sua ascensão. É a versão subordinacionista do monarquianismo.

VISÕES MODALISTAS

O modalismo (ou monarquianismo modalístico) é a crença de que existe um Deus em substância e pessoa. Assim, seriam o Pai, o Filho e o Espírito Santo três funções ou modos sucessivos desse Deus, mas não pessoas distintas. Nos tempos do Antigo Testamento, Deus apareceu como o Pai. Na encarnação, Ele apareceu como o Filho. E depois da ascensão de Jesus, Ele se manifestou como o Espírito Santo. O modalismo ensina que esses modos são consecutivos, nunca simultâneos. 

O sabelianismo é outra maneira de expressar uma visão modalística de Deus. Sabélio, um sacerdote do século III, propôs uma analogia de que Deus é como um ator usando várias máscaras. Deus usa a máscara do Pai. Esta máscara não é para esconder, mas para revelar como na máscara do Filho e, finalmente, na máscara do Espírito Santo. Mas por trás dessas máscaras está apenas uma pessoa.

O patripassianismo: a consequência aparentemente lógica do modalismo de que, se não há distinção real entre o Pai e o Filho, então o Pai deve ter sofrido na cruz. É um termo usado pejorativamente na teologia ocidental atribuído a muitos teólogos orientais, mas não há um grupo distinto que abrace tal teologia

O unicismo é um conjunto de perspectivas antitrinitárias modernas que negam quaisquer distinções entre as pessoas da Divindade. Jesus é Deus, mas Ele também é o Pai e o Espírito Santo. Em uma ligeira variação do modalismo antigo, os pentecostais unicistas ensinam que Deus é capaz de se manifestar em todos os três “modos” simultaneamente, como no batismo de Jesus (Lucas 3:22).

A TRIUNIDADE ORTODOXA

A Trindade nicena-calcedoniana é um entendimento de que Deus tem uma substância (ousia), mas existe eterna e plenamente como três Pessoas distintas. Este último termo não é igual ao sentido cotidiano, mas como hypostases em grego, personae em latim, ou seja, modos de existência. Algumas questões da Trindade niceana permanecem abertas, como a questão do filioque ou a doutrina da processão do Espírito Santo. Embora a estrutura Niceno-Calcedoniana seja o padrão ortodoxo, os modelos descritos nela (psicológico, social, pericorético, etc.) são interpretações posteriores e constructos teológicos que tentam explicar a doutrina ortodoxa.

Na concepção da ortodoxia oriental, o Espírito procede do Pai somente (ek monou tou Patros), e o papel do Filho é manifestar eternamente o Espírito. Esta é uma diferença fundamental na compreensão da vida interior (Trindade imanente) de Deus.

 Na Antiguidade Tardia, as tradições Oriental (Capadócia) e Ocidental (Agostiniana) conceptualizaram a Trindade de maneiras distintas,

Os pais capadócios (Basílio Magno, Gregório de Nissa, Gregório de Nazianzo) frequentemente começam com as Três Pessoas e depois explicam sua unidade. Sua analogia são frequentemente três homens (Pedro, Tiago, João) compartilhando a “natureza humana” universal. A unidade é uma de perichoresis (coinerência mútua) e essência comum.

Já a concepção latina de Agostinho começa com a única substância divina e depois busca entender as Três Pessoas. Sua analogia influente é a Trindade psicológica, onde os Três são comparados à memória, entendimento e vontade da mente (ou amante, amado e amor). Esta abordagem enfatiza a unidade e influenciou a teologia ocidental.

Alguns modelos distinguem entre Trindade econômica e Trindade imanente. Não são pontos de vista concorrentes, mas nuances nas quais um teólogo pode enfatizar.

A Trindade econômica enfatiza as diferentes funções das pessoas divinas. A economia aqui tem a ver com a história da salvação e discute o Pai, o Filho e o Espírito Santo no envio e na missão da salvação.

A Trindade imanente destaca a ação restante dentro de um agente. Assim, a Trindade imanente seria uma discussão dos aspectos eternos, essenciais e ontológicos da Trindade.

Ontologicamente, os modelos mais recentes tratam de duas propostas distintas, a Trindade psicológica e social. Um debate recente na filosofia da religião. Como dito, a visão “latina” (inspirada em Agostinho) prioriza a unidade de Deus, frequentemente vendo as pessoas como relações subsistentes dentro da única substância divina. A visão “social” (inspirada nos capadócios) prioriza as três pessoas como centros distintos de consciência e vontade, unidos em amor.

A Trindade psicológica é um modelo que ensina a unidade e diversidade da Divindade para a unidade e diversidade do ser humano. A unidade do Pai, Filho e Espírito Santo é como a unidade da mente (pensamentos), coração (emoções) e volição (vontade) de uma pessoa

A Trindade social é um modelo que consiste em três pessoas em um relacionamento amoroso, o que reflete um modelo de relacionamento humano. Deus é um ser inerentemente social. A unidade humana aproxima-se da conformidade à imagem da unidade de Deus através da doação de si, da empatia, da adoração de uns pelos outros. Tal amor é uma semelhança ética adequada a Deus, mas está em total contraste com a unidade do ser de Deus.

Outras abordagens salientam algum aspecto das doutrinas trinitárias.

A Trindade pericorética é uma variante do trinitarianismo social. Enfatiza o aspecto dinâmico, dançante (em grego Perichoresis) das pessoas da Trindade em perfeita igualdade e harmonia.

A Trindade como “Relação Absoluta”. Para Barth, a Doutrina da Trindade é a chave para entender a revelação: “Deus revela-Se como o Senhor”. Portanto, Revelador (Pai), Revelação (Filho) e Revelado (Espírito) são três “modos de ser” (Seinsweisen) no único Deus. Isto é frequentemente cautelosamente distinguido do modalismo porque Barth insiste que estes são modos de ser eternos, e não apenas máscaras sucessivas. É uma abordagem única do século XX, centrada na autorrevelação de Deus.

A Divindade comunitária é um modelo baseado na patrística e nos contextos culturais africanos. Proposto por Ogbonnaya, argumenta que Deus que é Um-e-Muitos, ou Três-em-Um, estava organicamente relacionado à comunidade africana e à compreensão familiar da igreja primitiva.

A Trinidade e o Deus Crucificado de Moltmann coloca a cruz no centro da teologia. Deus sofre com a humanidade na crucificação, revelando-se não como um ser distante, mas intimamente envolvido na dor do mundo. Esse “Deus crucificado” desafia a ideia de um Deus onipotente e impassível, enfatizando a solidariedade divina com a criação sofredora. A Trindade seria relacional e social, um modelo para as relações humanas e a justiça social. Este modelo conecta a esperança do reino de Deus, mediante a obra de Cristo e com o Espírito Santo impulsionando a renovação da criação.

A Trindade prática de LaCugna propõe a relacionalidade e a mutualidade dentro da Trindade, rejeitando modelos hierárquicos. LaCugna critica a linguagem dominante acerca da Trindade, muitas vezes patriarcal e excludente, defendendo uma compreensão mais inclusiva que reflita as experiências de mulheres e grupos marginalizados. A Trindade não é apenas um conceito abstrato, mas tem implicações práticas para a vida cristã e a ética, moldando nossa compreensão de comunidade, justiça e amor.

A Trindade da alteridade de Volf manifesta-se para compreender e acolher a “alteridade”. A Trindade, como comunidade de pessoas distintas em relação amorosa, oferece um modelo para superar divisões e construir reconciliação. Volf enfatiza a encarnação de Deus em Jesus Cristo como revelação do amor divino e chamado a abraçar nossa própria existência encarnada. A Trindade está intimamente associada à vida da Igreja, que deve refletir o amor e a unidade divinos em seu testemunho.

A Teoria da identidade relativa é empregada na filosofia analítica, por filósofos como Peter van Inwagen, para tentar dar sentido lógico à Trindade. A teoria sugere que “é Deus” e “é a mesma pessoa que” não são a mesma coisa. Assim, enquanto o Pai é Deus e o Filho é Deus, o Pai não é a mesma pessoa que o Filho. Isso permite que eles sejam numericamente o mesmo Deus, embora pessoalmente distintos, evitando a acusação de contradição lógica.

Para a teóloga católica, Elizabeth Johnson, em She Who Is (1992), argumenta que a linguagem trinitária tradicional (Pai, Filho, Senhor) não é neutra, mas santifica estruturas patriarcais de dominação masculina. Para contrapor isso, emprega a tradição bíblica para recuperar a imagética feminina negligenciada, especialmente a figura de Sofia/Sabedoria (Sophia) – uma personificação divina feminina presente no Antigo Testamento. Johnson propõe entender Jesus Cristo como a Sabedoria de Deus encarnada (Sophia-Sabedoria) e o Espírito Santo em termos sapienciais, reimaginando a Trindade não como uma hierarquia, mas como uma comunidade de iguais (Deus-Sophia, Sophia-Sabedoria e Espírito-Sábio) unida por relações mútuas de amor. Este modelo de Trindade como Aquela que É, ao basear a realidade última na igualdade e reciprocidade, subverte todas as hierarquias humanas, incluindo as de gênero, oferecendo uma base teológica para a libertação e a plena igualdade.

OUTRAS ABORDAGENS

O monoteísmo cristológico é uma articulação recente da divindade de Jesus como igual a Deus, o Pai. Encontra-se nos pensamentos de James D.G. Dunn, que argumenta que o Novo Testamento e os primeiros seguidores de Jesus o consideravam um representante de Deus. Outro estudioso foi Larry W. Hurtado, que reconstruiu as crenças dos primeiros cristãos, argumentando que criam em Jesus como um agente divino que recebe adoração cultual ao lado de Deus. Finalmente, foi argumentado por Richard J. Bauckham, a quem Jesus compartilha da identidade divina de Deus.

O Deus dipolar na teologia do processo é uma alternativa radical que rejeita totalmente o teísmo clássico. Para os pensadores do processo (por exemplo, Charles Hartshorne), Deus é dipolar (tem tanto uma natureza primordial quanto consequente). A Trindade pode ser reinterpretada como três “pessoas” ou aspectos do engajamento de Deus com o mundo, mas rejeita a noção de três pessoas co-eternas e imateriais. Deus está em um relacionamento dinâmico e evolutivo com o mundo.


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