Sstanás, ou Satã, é a forma grega do termo hebraico satan (שָׂטָן), um substantivo genérico que significa “acusar” ou atuar como “adversário”, quer perante um tribunal (Salmo 109:6) ou de um forma geral de oposição (2 Samuel 19:22). Adicionalmente, o termo ganhou conotação de um ser maligno pessoal.
Nas Escrituras o mal aparece como pessoal, ou seja, agente (com capacidade de ação) e personificado (com identidade), sendo representado por diversas formas. Depois do exílio babilônico os diversos nomes e alusões pessoais ao mal fundiram-se na figura do Inimigo, Satanás (forma grega do hebraico satan adversário, cf. 1 Samuel 29:4, Salmos 109:6; Números 22:22), ou Diabo (grego para “caluniador”, cf. Jó 1:9-11, Zacarias 3:1-5, Apocalipse 12:10).
Satanás no Antigo Testamento
Em sua forma genérica, satan denota algum inimigo na guerra (1 Reis 5:4; 11:14, 23, 25), inclusive um traidor na batalha (1 Samuel 29:4).
No Antigo Testamento, a figura de Satanás como um ser divino aparece apenas três vezes. Em Jó 1-2 e Zacarias 3:1-2 Satanás é um membro da corte divina que acusa os humanos diante de Deus. Em 1 Crônicas 21:1, aparece como incitador do erro. No entanto, no Antigo Testamento não aparece como um inimigo de Deus ou como o líder das forças demoníacas do mal.
Também como um antagonista divino, o termo aparece em Números 22:32, para referir ao anjo que se opõe a Balaão.
Satanás no Novo Testamento
No NT, o Mal é personificado e aparece com frequência, especialmente nos Evangelhos e Apocalipse. As designações como “diabo” (Mt 4:1), “tentador” (Mt 4:3), “acusador” (Ap 12:10), “governante dos demônios” (Lucas 11:15), “governante deste mundo” (João 12:31), “Belzebu” (Mt 10:25) e “o maligno” (Mt 5:37; Ef 6:13) são associadas a Satanás.
Contudo, não há consenso quanto a associação entre figuras malignas e Satanás por todo o Novo Testamento. Estas passagens seguintes normalmente é aceita que Satanás e o Diabo sejam o mesmo ser:
- Mateus 4:8-11, Marcos 1:12-13, Lucas 4:5-8.
- Lucas 22:3-4, João 13:2-27.
- Tiago 4:7.
- Apocalipse 2:10; 12:9; passim.
Já as passagens seguintes não possuem consenso quanto à identificação do Diabo com Satanás:
- Mateus: 4:24, 8:16, 8:28, 8:31, 9:32, 12:22
- Marcos: 1:32, 1:34, 6:13
- Lucas: 8:2, 8:30, 9:1, 9:38
- Tiago: 2:19
Nos Evangelhos Sinópticos, Satanás é retratado trabalhando por meio de diferentes indivíduos, incluindo Pedro (Marcos 8:33) e Judas (Lucas 22:3). Um momento icônico envolvendo o Diabo ocorre no deserto, onde ele confronta Jesus (Mateus 4; Lucas 4).
Nos escritos de Paulo, embora o Diabo seja ocasionalmente mencionado, sua presença não é tão frequente. O termo grego “satanas” aparece em várias cartas paulinas, como Romanos 16:20, 1 Coríntios 5:5, 7:5, 2 Coríntios 2:11, 11:14, 12:7, 1 Tessalonicenses 2:18 e 2 Tessalonicenses 2:9. A frase “ho diabolos“, provavelmente referindo-se ao Diabo, pode ser encontrada em Efésios 4:27, 6:11, 1 Timóteo 3:6,7 e 2 Timóteo 2:26. Paulo também utiliza a palavra “diaboloi” no plural, mas em referência aos caluniadores humanos (2 Timóteo 3:3, Tito 2:3). Outra menção é “Beliar” em 2 Coríntios 6:15. A frase “ho poneros”, que significa “o maligno”, é encontrada em Efésios 6:16 e 2 Tessalonicenses 3:3. Além disso, “ho peirazō” (o tentador) aparece em 1 Tessalonicenses 3:5, provavelmente referindo-se à mesma entidade mencionada como Satanás alguns versículos antes (1 Tessalonicenses 2:18). Além disso, Paulo se refere ao “príncipe das potestades do ar, do espírito que agora opera entre os desobedientes” em Efésios 2:2.
Outras cartas paulinas, como Gálatas, Filipenses, Colossenses, Tito e Filemon, não apresentam o termo “Satanás” ou qualquer um de seus equivalentes.
Notavelmente, na epístola mais longa de Paulo, a Carta aos Romanos, ele discute extensivamente o pecado e a natureza humana, mas se abstém de envolver explicitamente Satanás na equação, mencionando-o apenas uma vez na seção final (Romanos 16:20). Essa ausência de ênfase no papel de Satanás em levar as pessoas a pecar contraria a teoria de que Paulo abraçava uma cosmovisão dualista, na qual Deus se envolve em uma batalha contra uma contrapartida maligna pelas almas humanas.
A Epístola aos Hebreus não menciona explicitamente o Satanás. No entanto, enfatiza a vitória de Cristo sobre o mal e o pecado, destacando o poder de Seu sacrifício para libertar a humanidade do domínio das trevas e da Morte, a qual é identificada com o Diabo (Hebreus 2:14-15).
O Livro do Apocalipse revela uma imagem vívida da guerra cósmica e retrata Satanás como o Diabo (20:1-15). É um adversário confrontado e derrotado pelas forças divinas. Em Apocalipse 12:9, o dragão é identificado com o Diabo e Satanás:
“E foi precipitado o grande Dragão, aquela antiga serpente, que se chama o Diabo e Satanás, o enganador do mundo inteiro – ele foi precipitado na terra, e os seus anjos foram precipitados com ele.”
Interpretações e recepção
Na concepção judaica a figura do ha-satan (“o satanás”) é entendida de forma diversa, porém mais comumente como um promotor celestial, subordinado a Yahweh, que acusa a nação ou algum israelita na corte celestial.
Progressivamente, as figuras dos Arcontes, Azazel, Dragão, Inferno, Mastema, Beliar, Samael, Belzebu, Diabo, Lúcifer e ha-Satan foram fundidas na única figura do Diabo na Antiguidade Tardia e Idade Média. Assim, consolidou-se um mito de origem de Satanás como originalmente o maior dos anjos que se rebelou contra Deus e foi lançando à Terra para enganar, tentar, acusar e combater a Verdade, sendo seu domínio o Inferno. Nesse período, textos como Isaías 14:11-23 e Ezequiel 28:11-19, referentes aos reis de Babilônia e de Tiro, passaram a ser interpretados para dar suporte a essa narrativa. A batalha do céu de Apocalipse 12:7-12 não relata a origem de Satanás, nem diz quando ocorre a origem do mal.
Tanto nos escritos judaicos quanto nos cristãos, prevê a derrota de Satanás pelo poder de Deus (Apocalipse 12:9-10; 20:1-15).
BIBLIOGRAFIA
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Jonker, Louis C. “” Satan Made Me Do It!” The Development of a Satan Figure as Social-Theological Diagnostic Strategy from the late Persian Imperial Era to Early Christianity.” Old Testament Essays 30.2 (2017): 348-366.
Pagels, Elaine. “The Social History of Satan, the ‘Intimate Enemy’: A Preliminary Sketch”, Harvard Theological Review 84:2, 1991.
Wray, T. J. and Gregory Mobley. The Birth of Satan: Tracing the Devil’s Biblical Roots. New York: Palgrave MacMillan. 2005.

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