Teoria da satisfação

A doutrina da satisfação ou teoria da compensação para a obra reconciliatória de Jesus Cristo postula que por sua a vinda e morte os pecados foram expiados porque, mesmo que a honra de Deus tenha sido ofendida pelo pecado, Cristo pagou pelos pecadores uma satisfação ao Pai.

Proposta originalmente pelo teólogo medieval Anselmo em reação à doutrina do resgate da expiação. Anselmo considerava ímpia a noção de resgate como uma transação comercial paga a Satanás. Assim, a teoria da satisfação explicava porque era necessário que Deus se tornasse humano para satisfazer a justiça divina, maculada pelo pecado original.

A base bíblica mais importante para essa perspectiva encontra-se em João 10:18.

Pode-se resumir o pensamento da teologia de Anselmo que Deus é o ser com os máximos atributos possíveis. Sendo o mais justo, deveria ter sua justiça divina satisfeita. Essa seria a razão pela qual Deus se tornou humano e morreu pelos pecados dos seres humanos. Pelo pecado, a humanidade ofendeu a honra de Deus. Por isso, a justiça de Deus exige satisfação por essa ofensa. Porém, somente alguém totalmente santo e puro poderia realizar essa satisfação. Por isso, Jesus Cristo como Deus encarnado foi o único capaz. Sua morte fiel permitiu satisfazer a necessidade divina por justiça, apaziguar sua ira e reconstituir sua honra.

Portanto, se não é apropriado que Deus faça algo injusto ou fora do curso, então não pertence à sua liberdade, compaixão ou vontade deixar impune o pecador que não retorna a Deus daquilo que o pecador defraudou-o.
Cur Deus Homo 1.12

Nas sociedades urbanas e no direito civil contemporâneo ocidental não é algo corrente pensar em honra e satisfação. A soteriologia forense e a noção de justiça de Anselmo foram concebidas em uma matriz cultural do direito franco-germânico medieval. Por esse motivo, Hasting Rashdall (1919) vê a soteriologia de Anselmo como a atuação de um advogado lombardo em uma corte feudal.

Na sociedade feudal, um ofensor era obrigado compensar ou dar uma satisfação ao ofendido de acordo com o status dessa pessoa. Assim, um crime contra um rei exigiria mais satisfação do que um crime contra um barão ou um servo. Por analogia, a humanidade finita e falha jamais poderia satisfazer a Deus Todo-poderoso. Ela somente poderia esperar apenas a morte eterna. O único meio de reconciliar a humanidade com Deus, portanto, só poderia ser via alguém que fosse tanto Deus – porque Deus poderia vencer o pecado pela impecabilidade – quanto humano – porque os humanos eram culpados de pecado.

Nesse ambiente cutural, Anselmo concebia a justiça de Deus de forma múltipla. A justiça divina, em um aspecto, seria distinguir o bem e o mal. Em outro aspecto, ontológico, a própria justiça de Deus seria o caráter próprio da divindade.

Embora Anselmo tenha sido o primeiro teólogo a expor esta doutrina, vestígios da doutrina da satisfação já podem ser encontrados em autores patrísticos latinos como Tertuliano, Cipriano de Cartago, Agostinho de Hipona e Gregório Magno.

A teoria da satisfação ganhou força entre os escolásticos e depois entre os reformadores, principalmente com a doutrina da imputação da justiça em Lutero e na teoria da substituição penal de Calvino. Variantes da teoria da satisfação constituem uma das principais doutrinas entre católicos romanos e anabatistas sobre a reconciliação.

É digno de nota que Anselmo distingue entre satisfação e punição, enquanto na recepção posterior (como na Summa Theologica de Tomás de Aquino ou no Catecismo de Heidelberg) estas coincidem. Revendo esta doutrina, Thomas Merton diz que a doutrina da expiação por satisfação de acordo com Anselmo foi mal interpretada. Para Anselmo, satisfazer a honra divina seria principalmente buscar a restauração da comunhão entre Deus e o homem, de modo que a honra de Deus é satisfeita quando a paz é restaurada.

Enquanto Anselmo lançou as bases para o conceito de satisfação no discurso teológico, Lutero e Calvino expandiram este tema, particularmente no contexto de apaziguar a ira ou justiça de Deus. Lutero, ao enfatizar a noção da ira de Deus como uma força imparável que deve ser satisfeita, propôs um conflito dramático dentro da pessoa de Deus entre a ira e a misericórdia. Segundo Lutero, na cruz, Jesus atua como uma esponja absorvendo a ira de Deus, extinguindo-a eventualmente através de sua morte sacrificial. Este retrato convida os crentes a se alinharem com a misericórdia de Deus sobre a ira, enquadrando a ira como indesejável e a misericórdia como virtuosa. Por outro lado, Calvino traduziu a teoria da satisfação em termos jurídicos, concentrando-se na justiça de Deus que requer satisfação. Para Calvino, o perdão sem justiça seria injusto, necessitando de uma forma de reconciliar misericórdia e justiça. Neste quadro jurídico, Jesus torna-se um substituto que suporta o castigo exigido pela justiça, conforme delineado na lei de Deus. A cruz é vista como um ato de punição, com o Pai infligindo e o Filho suportando, enfatizando a quantidade crucial de sofrimento necessária para cumprir a justiça.

A maioria dos anabatistas concordou com alguns aspectos da teoria da satisfação sustentada pelos reformadores magisteriais, especialmente que a obra de Cristo foi suficiente para a salvação de toda a humanidade e que a salvação é somente pela graça. Contudo, as teorias da satisfação de Lutero ou Calvino eram inadequadas ou insuficientes. A razão foi porque os reformadores magisteriais concentraram-se principalmente na morte de Cristo. Além disso, a satisfação foi reduzida a uma doutrina passiva ou forense que dizia respeito apenas a uma mudança no estatuto jurídico da humanidade perante Deus, sem produzir mudança interior e ativa no crente. Finalmente, os anabatistas apontaram a negligência do papel do Espírito Santo na salvação da soteriologia magisterial e rejeitaram a distinção melanctoniana entre justificação e santificação.

Uma crítica é restringir a expiação à crucificação. Por esta interpretação, em sua agonia na cruz, Cristo satisfez plenamente a honra, a ira ou a justiça do Pai de modo que nada mais seria necessário. O problema é que isso representa a imagem de um Deus vingativo e mesquinho. Adicionalmente, tal doutrina contraria a necessidade de ressurreição para a expiação, conforme enfatizado pelo Novo Testamento. Se Cristo tivesse apenas morrido, mas não tivesse ressuscitado, Sua morte por si só não seria satisfatória para a expiação dos pecados (1Co 15:17; Rm 4:25).

Outra crítica é o corolário de que nem mesmo Deus é capaz de nos perdoar até que a satisfação seja cumprida. Uma analogia frequente é que seria como um juiz cometer a “injustiça” de abrir um presídio para libertar toda sorte de criminosos que não pagaram suas penas. O problema dessa analogia é não considerar o poder transformativo do evangelho, a graça divina, o ato de resgate por Cristo, a vitória de Cristo sobre o mal que afeta os pecadores, além de limitar a soberania de Deus.

BIBLIOGRAFIA

Anselmo. Cur Deus homo? 1099.

Baur, Ferdinand Christian. Die christliche Lehre von der Versöhnung in ihrer geschichtlichen Entwicklung von der ältesten Zeit bis auf die neueste. Tübingen: C.F. Osiander, 1838.

Green, Joel B.; Baker, Mark D. Recovering the Scandal of the Cross. Downers Grove: IVP, 2000.

Hiebert, Frances F. “The atonement in Anabaptist theology.” Direction 30.2 (2001): 122-138.

Rashdall, Hasting. The Idea of Atonement in Christian Theology. Londres: Macmillan, 1919.

Sattler, Michael (?) “Concerning the Satisfaction of Christ: An Anabaptist Tract on True Christianity,” trans. and intro. by John C. Wenger, The Mennonite Quarterly Review 20 (Oct. 1946): 247.

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