Ironia

Ironia é uma figura de linguagem que conota o oposto do que significam as próprias palavras ou que contradiz a mensagem percebida à primeira vista.

O termo ironia vem do teatro da Grécia antiga, no qual o Eirôn era um dos três personagens estoques da comédia. O Eirôn subestimava a si mesmo para vencer seu oponente o alazão, o qual pela sua arrogante autoconfiança não percebia suas próprias limitações.

A Bíblia é abundante de ironias tanto em falas dos personagens, nos desfechos narrativos e como recurso argumentativo.

Em João 9, a conversa entre o cego de nascença e os líderes religiosos é um exemplo clássico de um eirôn que dissimula as pretensões orgulhosas de um alazão. Embora as autoridades religiosas insultem o cego de nascença e o chamem de “nascido em pecado” (João 9:34), o homem curado se opõe a tais acusações, pois agora ele vê. Ele, fingindo ignorância, perguntou ironicamente “Vocês também querem se tornar seu discípulo?” (João 9:27)

Como desfecho narrativo, a grande ironia foi a encarnação divina: Cristo tornando-se servo e humilhado até a morte para no final vencer os alazões — os que pediram sua morte, seus executores, o pecado e a morte.

De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus. Mas aniquilou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; e, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte e morte de cruz. Pelo que também Deus o exaltou soberanamente e lhe deu um nome que é sobre todo o nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai. Fp 2:5-11

1 Reis 18:27: E sucedeu que, ao meio-dia, Elias zombava deles e dizia: Clamai em altas vozes, porque ele é um deus; pode ser que esteja falando, ou que tenha alguma coisa que fazer, ou que intente alguma viagem; porventura, dorme e despertará.

Jó 12:2: Na verdade, que só vós sois o povo, e convosco morrerá a sabedoria.

Juízes 10:14: Andai e clamai aos deuses que escolhestes; que vos livrem eles no tempo do vosso aperto.

Amós 4:4-5: Vinde a Betel e transgredi; a Gilgal, e multiplicai as transgressões; e, cada manhã, trazei os vossos sacrifícios e, de três em três dias, os vossos dízimos. E oferecei sacrifício de louvores do que é levedado, e apregoai sacrifícios voluntários, e publicai-os; porque disso gostais, ó filhos de Israel, disse o Senhor Jeová.

Zacarias 11:13: O Senhor, pois, me disse: Arroja isso ao oleiro, esse belo preço em que fui avaliado por eles. E tomei as trinta moedas de prata e as arrojei ao oleiro, na Casa do Senhor.

2 Coríntios 11:19: Porque, sendo vós sensatos, de boa mente tolerais os insensatos.

Deuteronômio 32:37: Então, dirá: Onde estão os seus deuses, a rocha em quem confiavam,

Jó 38:4-5: Onde estavas tu quando eu fundava a terra? Faze-mo saber, se tens inteligência. 5 Quem lhe pôs as medidas, se tu o sabes? Ou quem estendeu sobre ela o cordel?

Isaías 57:13: Quando clamares, livrem-te os teus congregados; mas o vento a todos levará, e a vaidade os arrebatará; mas o que confia em mim possuirá a terra e herdará o meu santo monte.

Isaías 57:13: E era a preparação da Páscoa e quase à hora sexta; e disse aos judeus: Eis aqui o vosso rei.

João 19:14: E era a preparação da Páscoa e quase à hora sexta; e disse aos judeus: Eis aqui o vosso rei.

2 Coríntios 11:19: Porque, sendo vós sensatos, de boa mente tolerais os insensatos.

2 Coríntios 12:13 Porque, em que tendes vós sido inferiores às outras igrejas, a não ser que eu mesmo vos não fui pesado? Perdoai-me este agravo.

Epístola a Filémon

Um apelo a um senhor convertido para tratar com bondade seu escravo crente.

A Epístola de Filemom é uma pequena carta do Novo Testamento, escrita por Paulo a um cristão chamado Filemom (também grafado em português Filemon). A carta é única porque trata de uma situação específica, em vez de abordar uma questão teológica ou doutrinária mais ampla. A situação envolve um escravo chamado Onésimo que fugiu da casa de Filemom e acabou em Roma, onde conheceu Paulo e se tornou cristão.

Paulo escreve a Filemom para pedir que perdoe Onésimo e o aceite de volta como irmão em Cristo, em vez de puni-lo como a lei permitia. O argumento de Paulo é baseado no fato de que tanto Filemom quanto Onésimo são agora cristãos e, portanto, parte da mesma família em Cristo.

Apesar de curta, falta contexto para situá-la. Os pontos de vista concorrentes sobre o contexto da carta incluem:

A visão majoritária vê Filemon como um cristão rico que tinha uma família que incluía escravos e pessoas livres. Onésimo foi um de seus escravos que fugiu e foi parar em Roma, onde conheceu Paulo e se tornou cristão. Paulo escreveu a carta para persuadir Filemom a perdoar Onésimo e aceitá-lo de volta como irmão em Cristo. Seu principal proponente patrístico foi Crisóstomos e chamada de teoria fugitivus.

Uma visão minoritária argumenta que a situação descrita na carta não é uma relação escravo-mestre, mas sim uma relação patrão-cliente. Filemom era um patrono que dera apoio econômico e proteção a Onésimo, e Onésimo traiu esse relacionamento ao fugir. De acordo com essa visão, Paulo não estava defendendo a abolição da escravidão, mas sim a preservação da relação patrono-cliente entre Filemom e Onésimo. É chamada teoria da mediação.

Próxima a essa visão, outra perspectiva, proposta por Peter Lampe (1985), apresenta Onésimo não como um fugitivo tentando escapar da escravidão para sempre, mas como alguém que caiu em desgraça com seu mestre e buscava a ajuda de terceiros para facilitar a reconciliação. Isso é muitas vezes referido como a teoria do amicus domini (amigo do mestre).

Independentemente da interpretação, a carta de Filemom continua sendo um texto importante para a compreensão dos pontos de vista da comunidade cristã primitiva sobre o perdão, a reconciliação e a relação entre escravos e senhores.

BIBLIOGRAFIA

Alencar, Gedeon Freire. Filemom: Esta Carta Deveria Ter Sido Escrita? Recriar, 2022.

Fitzmyer, J. A. The Letter to Philemon: A New Translation with Introduction and Commentary. New Haven: Yale University Press, 2000.

Harrill, J. Albert. Slaves in the New Testament: Literary, Social, and Moral Dimensions. Minneapolis: Fortress, 2006.

Young, Stephen E. Our Brother Beloved: Purpose and Community in Paul’s Letter to Philemon. Baylor University Press, 2021.

Epístola aos Filipenses

Uma apresentação da beleza da vida no evangelho, nessa epístola paulina destinada aos cristãos de Filipos, na Macedônia, possui um notório tom de alegria e regozijo, apesar de ter sido escrito por Paulo da prisão.

A epístola contém fragmentos de antigos hinos cristãos antigo. O mais reconhecido é o sobre a Kenosis, (Fp 2:6-11), a humildade de Cristo em tornar-se servo.

Em termos gerais, é um estado psicológico e relação com algo. Em sentido bíblico corresponde à fidelidade, confiança, comunhão relacional, convicção e depósito de crença.

A fé na Bíblia

No Antigo Testamento vários termos, normalmente não traduzidos, referem-se à fé. O mais comum deles é o ‘emunah,  אמונה, cujos sentidos originários eram do campo semântico de firmeza e estabilidade, do qual emerge o sentido de confiança e constância. Um de seus derivados é a palavra “Amém”. O emprego desse termo é diverso e tem conotações ativas. São geralmente traduzidas na Septuaginta por pisteoo, acreditar, e pistos, fiel.

Dois substantivos derivados são ‘emeth אֱמֶת, e ‘emunah אֱמוּנָה. Possuem um sentido passivo de fidelidade mais que algum sentido ativo de acreditar ou crer. Existem várias outras palavras que estão intimamente associadas à ideia de fé e fidelidade no Antigo Testamento, particularmente aquelas que denotam esperança. Outra raíz, h-s-d, denota a relação de Deus e o homem e do homem e o homem sob a aliança.

História da recepção e conceito teológico

Os tradutores da Septuaginta preferiram o termo alētheia para ‘emeth e ‘emūnāh, o que quase sempre aparecem no Novo Testamento como verdade, realidade e autenticidade. Autores tardios do período do Segundo Templo refinaram o conceito, empregando também o termo grego antigo pístis (πίστις) com conotações distintas (Lindsay, 1993).

É bem notório que pístis aparece nesses textos de forma polissêmica. De uma lado do campo semântico pístis versa sobre o estado de espírito ou uma emoção de confiança a algo ou alguém. De outro lado do campo semântico, pístis é sobre o relacionamento e práxis feitos com segurança, lealdade, aliança e comunhão. (Morgan, 2015; Bates, 2017; Diggle, 2021).

Nas traduções latinas, consequentemente para o mundo ocidental, ‘emunah e pístis ganharam a conotação de fides, termo que já era utilizado para se referir à Pístis filosófica grega. A teologia latina, sobretudo a escolástica e mesmo a protestante transformou a semântica de fides para limitar-se à atividade cognitiva. 

A fé passou ser central na soteriologia protestante, visto a doutrina da justtificação pela fé. Conforme formulado por Melâncton, a fides passou a compreender três coisas: notitia (entendimento), assensus, (reconhecimento) e fiducia (confiança). Entretanto, desde o século XVIII, tanto pelos avanços da epistemologia quanto pela ciências linguísticas e filológicas, os sentidos grego e hebraico de fé conforme a Bíblia foram redescobertos no mundo ocidental.

Trementozzi (2018) aponta os problemas da adoção acrítica de uma visão intelectualista da fé dentro do evangelicalismo anglo-americano, particularmente em sua compreensão e prática da salvação. Ao priorizar a racionalidade sobre outros aspectos comportamentais e afetivos da fé leva a uma compreensão incompleta da salvação, uma vez que a experiência humana não é abstrata ou gnóstica, mas incorporada e experiencialmente relevante. Essas informações demandam uma soteriologia holística que incorpore as neurociências cognitivas e a psicologia para enfatizar a natureza incorporada da fé. Baseando-se na teologia das afeições religiosas, nas práticas da igreja primitiva e na espiritualidade pentecostal de Jonathan Edwards, Trementozzi destaca a importância da ortodoxia, da ortopraxia e da ortopatia para uma soteriologia renovada da corporificação. Assim, salvação pela fé compreende as maneiras multifacetadas pelas quais a graça salvadora de Deus interage com a carne e o sangue humanos, desafiando a tendência de intelectualizar a fé e marginalizar as dimensões afetivas e comportamentais dentro da teologia evangélica e pentecostal.

Vale atendar-se para outra distinção. A locução fides qua creditur indica o ato subjetivo de crer. Enquanto fides quae creditur indica o objeto da fé, ou seja, o conteúdo da revelação. A partir dessa distinção, há o debate se a fé é instrumental para a salvação ou sua consequência.

SAIBA MAIS

Bates, Matthew W. Salvation by Allegiance Alone: Rethinking Faith, Works, and the Gospel of Jesus the King. Baker Academic, 2017.

Diggle, James. The Cambridge Greek Lexicon. Cambridge University Press, 2021.

Lindsay, Dennis R. Josephus and Faith:” pístis” and” pisteúein” as Faith Terminology in the Writings of Flavius Josephus and in the New Testament. Vol. 19. Brill, 1993.

Morgan, Teresa. Roman faith and Christian faith: Pistis and fides in the early Roman Empire and early Churches. OUP Oxford, 2015.

Trementozzi, David. Salvation in the Flesh: Understanding How Embodiment Shapes Christian Faith. McMaster Theological Studies Series, volume 7. Eugene, Oregon: Pickwick Publications, 2018.

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