Kenosis

Kenosis ou Kenose é um conceito bíblico e teológico que se refere ao autoesvaziamento ou auto-renúncia de Cristo. Derivado da palavra grega para “esvaziar”, kenosis significa Jesus renunciando voluntariamente a seus atributos divinos para assumir a forma humana.

Esse conceito de esvaziamento destaca a humildade, o amor sacrificial e a identificação de Jesus com a humanidade, servindo como base para a compreensão da obra redentora de Cristo e o chamado para que os crentes imitem seu exemplo altruísta.

As bases bíblicas são principalmente duas. A primeira é Filipenses 2:5-8, que relata o auto-esvaziamento voluntário de Cristo e assumindo a forma de servo, enfatizando sua humildade e obediência até a morte na cruz. A segunda é 2 Coríntios 8:9, onde fala da pobreza de Cristo, destacando sua disposição de desistir de suas riquezas divinas e tornar-se pobre para que outros possam ser enriquecidos.

Gottfried Thomasius e Christoph Hofmann, teólogos alemães do século XIX, defenderam uma forma radical de kenosis. Argumentaram que Jesus renunciou voluntariamente a atributos divinos essenciais, como onisciência e onipotência, durante sua encarnação. Esta perspectiva extrema enfrentou críticas por comprometer potencialmente a compreensão tradicional da plena divindade de Jesus. Os kenoticistas radicais enfrentaram o desafio de explicar como Cristo poderia ser plenamente divino e, ainda assim, limitar voluntariamente certos atributos divinos. A tensão entre afirmar a divindade de Jesus e explicar a extensão do auto-esvaziamento criou dilemas teológicos.

Em contraste com os seus homólogos alemães, teólogos britânicos como P.T. Forsyth e HR Mackintosh adotaram uma postura mais moderada na teologia quenótica. Em vez de endossar uma renúncia completa aos atributos divinos, concentraram-se na autolimitação de Jesus ao expressar o seu poder e conhecimento divinos no contexto da existência humana. Forsyth, em particular, reinterpretou a kenosis, afirmando que os atributos divinos não eram renunciados, mas exercidos num novo modo de ser. De acordo com Forsyth, a auto-redução de Cristo foi uma expressão genuína e não uma retratação do Deus infinito, levando a uma realização ou plerose.

A teologia kenótica ganhou força como resposta aos teólogos liberais que procuravam minimizar a divindade de Cristo. Ao enfatizar o auto-esvaziamento de Cristo, os proponentes da teologia kenótica pretendiam defender a compreensão tradicional de Jesus como totalmente divino e totalmente humano. A abordagem britânica, em particular, proporcionou um quadro teológico matizado que abordava as preocupações da teologia liberal, mantendo ao mesmo tempo a integridade da divindade de Cristo.

Apesar das suas tentativas de reconciliar os aspectos divinos e humanos na pessoa de Cristo, a teologia kenótica enfrentou críticas significativas. A teoria revisada de Forsyth, embora menos radical, ainda encontrou desafios. Os críticos argumentaram que as teorias kenóticas, nas suas diversas formas, muitas vezes assumiam um caráter mitológico e pareciam sugerir que Cristo só poderia encarnar se fosse de alguma forma menos que totalmente divino. O discurso teológico no século XX viu um declínio na proeminência das teorias quenóticas, à medida que os estudiosos lutavam com as dificuldades conceituais e potenciais armadilhas teológicas associadas a esta estrutura.

Inscrições de Kuntillet ʿAjrud

Inscrições epigráficas encontradas em um caravançarai no deserto árido do Sinai central a cerca de 50 km ao sul de Cades-Barneia , datadas ente 801-770 a.C. Atestam ligações comerciais entre o Reino do Norte (Israel) e regiões do sul do Levante e do Egito, na rota do Mar Vermelho ao Mediterrâneo, conhecida hoje como Darb el-Ghazza.

Kuntillet ʿAjrud, em arábe para “Colina solitária dos poços”, floresceu no período Omríada. O sítio arqueológico foi descoberto em 1869 por Edward Palmer (1871), que acreditava ter encontrado Gypsaria, um antigo forte comercial romano na estrada entre Eilat e Gaza. Em hebraico o sítio é chamado Horvat Teman, “extremo sul”.

Escavações realizadas na década de 1970 encontraram dois grandes vasos com desenhos, grafitis e textos intrigantes. Os grafitis retratam várias divindades, humanos, animais e símbolos.

O sítio não possui menção bíblica, mas atesta a plausibilidade da fuga de Elias da perseguição no reino de Israel.

Duas inscrições notórias mencionam várias deidades semíticas, dentre elas “Yahweh e sua Asserá”.

K.P.R.

A raiz hebraica כפר K.P.R. aparece 102 vezes na Bíblia Hebraica como verbo, sendo 92 vezes na forma Piel. Com significados amplamente discutidos, a maioria das ocorrências está em Êxodo, Levíticos Números, mas também em Ezequiel e Jeremias. Suas rendições pela Septuaginta e recepção pelo Novo Testamento também adicionam debates sobre seu significado, especialmente ao que concerte às doutrinas de salvação no cristianismo.

A etimologia de כפר é objeto de debate. Enquanto alguns estudiosos a derivam do acádio kuppuru (“limpar”, “purificar ritualmente”), outros a relacionam ao árabe kafara (“cobrir”, “esconder”). Milgrom, em sua análise de Levítico 1-16, argumenta que a tradução usual (“expiar”) é inadequada em muitos casos. Ele defende que o verbo כפר, especialmente em contextos sacerdotais, frequentemente significa “purificar” ou “purgar”, associando-se à remoção de impurezas rituais.

Por outro lado, outros estudiosos, como Sklar, propõem que כפר incorpora simultaneamente os sentidos de “purificar” e “resgatar” ou “aplacar”, o que implicaria uma ligação semântica mais estreita com o substantivo כפר (koper, “resgate” ou “preço de expiação”). Essa visão aponta para a ideia de que o termo sempre carrega uma conotação de neutralizar tanto a impureza quanto o perigo.

Textos poéticos como Jeremias 18:23 e Isaías 27:9 sugerem um sentido de “purificar” ou “remover”, alinhando-se com práticas rituais de purificação descritas na literatura sacerdotal. Em Levítico 16, que descreve o ritual de Yom Kippur, כפר aparece 16 vezes, muitas delas na construção Piel com preposições como על (‘al), indicando uma conexão direta com pecados ou impurezas. A ênfase na forma Piel (כִּפֵּר) destaca a intencionalidade da ação de purificação.

Milgrom observa que nos rituais sacerdotais de Levítico, especialmente no capítulo 16, o sangue do sacrifício é aplicado em partes do santuário para “purificar” ou “purgar” essas áreas da impureza acumulada. Ele argumenta que o sentido primário do verbo nesses contextos é “limpar” ou “remover” impurezas, mais do que “expiar” no sentido moderno.

A interpretação de Milgrom tem amplo apoio acadêmico, mas não é unânime. Alguns críticos questionam se כפר em textos sacerdotais carrega também o sentido de “resgatar” ou “aplacar”. Sklar, por exemplo, sugere que a distinção rígida entre “purificação” e “resgate” pode ser artificial e que ambas as ideias estão interligadas. Ele argumenta que o sangue sacrificial tanto purifica o santuário quanto resgata os indivíduos do perigo representado pela impureza ou pelo pecado.

Outros, como Schwartz, enfatizam que em Levítico 17:11 – texto frequentemente citado para sustentar o sentido de “resgate” – o verbo כפר deve ser entendido no contexto de purificação, mantendo a ênfase no significado sacerdotal predominante. Vis propõe uma leitura que reconcilia essas abordagens, destacando que o sangue sacrificial “purga” a vida (נפש, nefesh) dos ofertantes por conter o princípio vital.

Bibliografia

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