Catálogo de Peristasis

O Catálogo de Peristasis ou de Peristase nas cartas paulinas é uma lista ou sumário das adversidades e sofrimentos enfrentados por Paulo e seus colaboradores. A palavra grega “peristasis” (περίστασις) refere-se a “circunstâncias,” particularmente as difíceis ou desafiadoras.

Esses catálogos cumprem algumas funções nas cartas de Paulo:

  1. Autenticação do seu ministério: Ao listar suas lutas, Paulo demonstra ser um apóstolo genuíno que sofreu pelo Evangelho, assim como Jesus. Isso era importante devido às dúvidas levantadas sobre sua autoridade.
  2. Elicitação de simpatia e apoio: Os catálogos podiam evocar empatia de seus leitores e incentivá-los a apoiar sua missão.
  3. Demonstração do poder de Deus: Paulo enfatiza que suportou essas provações pela força de Deus, destacando o poder divino em sua fraqueza.
  4. Encorajamento à perseverança: Ao compartilhar suas experiências, Paulo encoraja seus leitores a permanecerem firmes na fé, mesmo diante de adversidades.

Um exemplo conhecido de Catálogo de Peristasis encontra-se em 2 Coríntios 11:21b-33, onde Paulo descreve diversas dificuldades enfrentadas, incluindo:

  • Prisões
  • Açotes
  • Apedrejamento
  • Naufrágios
  • Noites sem sono
  • Fome e sede
  • Exposição aos elementos
  • Perigos dentro e fora da igreja

Outros catálogos são

  • 2 Coríntios 6:4-10: uma lista várias provações que Paulo suportou, incluindo dificuldades, prisões, espancamentos, trabalhos, insônia e fome, ao mesmo tempo em que destaca virtudes como pureza, conhecimento, paciência, gentileza e o Espírito Santo.
  • 2 Coríntios 4:8-12: Paulo descreve ser afligido, perplexo, perseguido e abatido, mas não esmagado, desesperado, abandonado ou destruído. Este catálogo enfatiza sua perseverança através do sofrimento pelo poder de Deus.
  • 1 Coríntios 4:9-13: Esta passagem retrata os apóstolos como “loucos por Cristo”, enfrentando insultos, perseguição e dificuldades, enquanto suportam e abençoam aqueles que os perseguem.
  • Filipenses 3:4b-11: Embora não seja um “catálogo de dificuldades” típico, Paulo relata seus antigos privilégios e realizações no judaísmo, que ele agora considera perda por causa de Cristo. Ele descreve enfrentar perseguição e sofrimento para ganhar Cristo e ser encontrado nele.

Possíveis elementos de catálogos de peristasia ocorrem em passagens como Romanos 8:35-39 e Colossenses 1:24, onde Paulo fala sobre enfrentar vários desafios e aflições por causa do Evangelho.

Esses catálogos retratam as dificuldades enfrentadas pelos primeiros cristãos e a resiliência demonstrada na propagação do Evangelho. Também lembram que o sofrimento pode fazer parte da vida cristã, mas a graça de Deus é suficiente para sustentar os fiéis em qualquer prova.

Abnegação

Abnegação pode ser hoje entendida como desprendimento e altruísmo. Abnegar implica na superação das tendências egoísticas da personalidade, sendo conquistada em benefício de uma pessoa, causa ou princípio. Biblicamente, é o imperativo de negar a si mesmo na busca de uma vida dedicada a Cristo.

É um ensino que aparece nos evangelhos sinóticos. Em Mateus 16:24-25, Jesus instrui seus seguidores, afirmando: “Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. a vida por minha causa o encontrará.” Passagens paralelas em Marcos 8:34-37 e Lucas 9:23-24 ecoam esse chamado à abnegação no discipulado de Jesus.

O termo grego aparneomai (ἀπαρνέομαι) usado em Marcos 8:34 enfatiza o ato de renunciar ou renegar a si mesmo em prol de uma vocação superior. Remete a Isaías 30:7, quando os israelitas infiéis que, após a derrota pelos assírios, deixaram de lado os ídolos de ouro e prata que haviam criado.

Gálatas 2:19-20 ilustra a abnegação de Paulo: “Já estou crucificado com Cristo. Já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. E a vida que agora vivo no carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim”. Isto resume a essência da abnegação com uma identificação completa com a morte sacrificial de Cristo e uma vida transformadora vivida em devoção a Ele.

A noção de participar do sofrimento de Cristo por causa da Igreja é articulada em Colossenses 1:24: “Agora me alegro nos meus sofrimentos por causa de vocês e, na minha carne, preencho o que falta nas aflições de Cristo por causa de do seu corpo, isto é, a igreja”. Esta prontidão sacrificial para vários deveres cristãos e apostólicos é vista como participação na morte de Cristo, que em última análise conduz à vida (2 Coríntios 4:10-12).

A abnegação é uma norma positiva e negativa, incitando os crentes à alta perfeição. Do lado positivo, envolve separar-se do mundo (Gálatas 6:14), crucificar as próprias paixões com Cristo (Gálatas 5:24; Colossenses 3:5) e abandonar o velho eu para abraçar o novo eu na graça (Efésios 4:22-24; Colossenses 3:9).

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Filiação divina

A filiação divina é uma doutrina cristã que afirma que Jesus Cristo é o Filho unigênito de Deus por natureza e, por meio de Jesus, os crentes se tornam filhos (e filhas) de Deus por adoção (João 1:11–13; Romanos 8:14–17).

A filiação divina é a peça central do Evangelho, fornecendo a razão para a salvação da humanidade e o propósito por trás do batismo (2 Pedro 1:4). Implica divinização, permitindo que os crentes participem da natureza divina (2 Pedro 1:4). As referências bíblicas em João e Romanos destacam o poder transformador do Espírito Santo, afirmando os crentes como filhos de Deus e herdeiros com Cristo.

A noção de Imago Dei na Bíblia reivindica que toda a humanidade seja filha de Deus (Gn 1:26-27; Sl 8:4-5; Tg 3:9; Cl 3:9-10; At 17:28). Na mesma linha, diversas genealogias ligam a humanidade a Deus. O Novo Testamento retrata Jesus Cristo como cabeça da família cristã (Ef 5:23; Cl 1:18) e conectando a humanidade com o Pai.

O tema da filiação divina é apresentado com destaque no Evangelho de João. Esse evangelho enfatiza a relação transformadora entre Jesus Cristo e aqueles que nele creem. Escrito a uma audiência quando os crentes em Jesus eram minoritários entre os israelitas, argumenta que filiação ou pertencimento étnico não seria vantagem, “Mas a todos os que o receberam, aos que creram em seu nome, deu-lhes o direito de serem feitos filhos de Deus.” (João 1:12). Essa e outras passagens joaninas (João 3:3; 4:19-24; 8:39-59; 11:52; 20:17; 14:20) salientam a salvação como integração à família de Cristo, não contradizendo a doutrina da filiação divina como origem da humanidade.

Essa doutrina, defendida pela maioria dos cristãos, encontra uso particular na teologia católica. Na teologia católica, a doutrina da filição divina deriva-se da doutrinas da Criação, Trindade e da Encarnação, assim Deus Filho assumiu a natureza humana como Jesus de Nazaré (João 1:14).

Em algumas vertentes reformadas, especialmente entre adeptos da doutrina da expiação limitada, a filiação divina é entendida como restrita somente aos eleitos, citando textos-provas como João 1:12; 8:44.

O tema da filiação divina no Novo Testamento não se confunde com o conceito de filhos de Deus (bnei Elohim) presente no Antigo Testamento e na literatura sírio-cananeia.

Principados e potestades

Um conjunto de poderes humanos e espirituais chamados Tronos (θρόνοι), Dominações (κυριότης), Potências, Autoridades ou Potestades (ἐξουσίαι), Principados ou Regentes (ἀρχαί) aparece principalmente nos escritos paulinos para denotar um sistema de forças influentes. Essas passagens são interpretadas variadamente como seres demoníacos, hierarquia de anjos, poderes deste mundo ou entidades espirituais moralmente ambivalentes. Todavia, qualquer que seja o entendimento, biblicamente aparecem sujeitos a Cristo.

Em Romanos 8:37–39, Paulo diz que nada pode nos separar do amor de Deus, inclusive tais poderes. A vitória de Cristo sobre todas as forças opostas é assegurada, sendo os crentes mais que vencedores por meio de Cristo.

Colossenses 1:16 afirma que Deus é o Criador e Governante de todas as autoridades, quer se submetam a Ele ou se rebelem contra Ele. Esses poderes podem até forçar algum poder, mas ainda sob o controle de Deus, e Ele usa até mesmo os ímpios para cumprir Seu plano.

Colossenses 2:15 declara o poder supremo de Jesus sobre todos os poderes, tendo-os desarmado por meio de Sua morte na cruz. Ao fazer isso, triunfou e libertou a humanidade de seu domínio. As acusações contra os crentes são destruídas, sendo vindicados como inocentes perante Deus.

Em Efésios 3:10–11, os principados e potestades nas regiões celestiais testemunham a sabedoria e o propósito de Deus. As hostes contemplam a glória de Deus e a preeminência de Cristo.

Efésios 6:12 infere uma guerra espiritual contra os poderes das trevas. Apesar de seu desarmamento e da vitória prometida, exorta a confiar na sabedoria e no poder de Deus.

Em Tito 3:1 refere-se às autoridades governamentais designadas por Deus para nossa proteção e bem-estar.

As autoridades terrenas ainda estão sujeitas ao domínio divino (Romanos 13:2).

No final do século XIX, a existência de seres espirituais com poder havia sido descartada por muitos trabalhos acadêmicos como superstições pré-modernas. No entanto, a teologia dos Blumhardts e de Karl Barth trouxe de volta a atenção para a relevância do mal sistêmico.. Alguns autores recentes têm discutido amplamente o tema:

Charles H. Kraft, enfatiza a realidade das forças espirituais malévolas conhecidas como principados e potestades. Kraft argumenta que essas forças buscam escravizar a humanidade e se opor ao reino de Deus, exigindo que os cristãos se envolvam em uma guerra espiritual capacitada pelo Espírito Santo.

Walter Wink, oferece uma abordagem não violenta para entender os principados e potestades. Ele sugere que, embora essas forças sejam sistêmicas e possam ser corrompidas pelo pecado e pela violência humana, elas não são inerentemente más. Wink defende a guerra espiritual por meio da resistência não violenta e do amor pelos inimigos, desafiando estruturas opressivas.

Clinton Arnold procura recuperar a crença cristã pré-moderna na existência de seres sobrenaturais malignos. Ele reconhece a existência “real” de um reino espiritual e entidades demoníacas governadas por Satanás, contrariando a tendência de desmitificar os principados e potestades na erudição ocidental.

Marva J. Dawn expande a compreensão dos principados e potestades além das entidades espirituais. Ela os vê como estruturas sociais e culturais que moldam as relações e instituições humanas. Dawn convoca os cristãos a se envolverem em uma guerra espiritual, incorporando o amor e a justiça de Deus, confrontando sistemas opressivos.

Esther Acolatse explora poderes e principados na perspectiva bíblica, comparando contextos africanos e ocidentais. Investiga diferenças culturais e teológicas, examina passagens bíblicas relevantes e explora cosmovisões africanas. Acolatse enfoca as forças espirituais e seu impacto, abordando a tensão entre as crenças tradicionais e os ensinamentos bíblicos. Seu objetivo é aprofundar a compreensão dos poderes e principados em ambos os contextos.

Apesar das diferentes interpretações sobre a ontologia (realidade) desses seria, há o consenso quando esses poderes obscuros passam a serem adorados pelas pessoas, como as forças da violência, ganância e idolatria, os governantes humanos são influenciados e se envolvem em ações anti-criação e corruptoras.

BIBLIOGRAFIA

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Munus Triplex

Munus Triplex ou os três ofícios de Cristo é um conceito teológico que ensina que Cristo cumpre três ofícios como Salvador: Profeta, Sacerdote e Rei.

Cristo é o Profeta que ensina e revela a verdade de Deus; o Sacerdote que se oferece em sacrifício pela remissão dos pecados; e o Rei que reina sobre toda a criação.

A doutrina tem raízes na Idade Média e tornou-se padrão na Reforma Protestante. Foi abraçado por várias tradições teológicas, incluindo reformada, luterana e anglicana. Foi um conceito estruturante na teologia de Karl Barth.

As referências bíblicas para a doutrina Munus Triplex podem ser encontradas em todo o Antigo e Novo Testamento, como:

  • Profeta: Deuteronômio 18:15; Mateus 13:57; João 6:14; Hebreus 1:1-2.
  • Sacerdote: Salmo 110:4; Hebreus 4:14-16; 9:11-14.
  • Rei: Salmo 2:6; Mateus 28:18; Colossenses 1:15-20.

Em Zacarias 6:12-13 há a expectativa de um rei justo que fundiria seu papel com o sacerdócio do templo.