Linguagem religiosa

A linguagem religiosa abrange desde afirmações sobre eventos históricos e normas éticas até descrições metafísicas da natureza de Deus. Essa diversidade de funções levanta questões complexas sobre significado e referência, especialmente em relação ao discurso de fé.

Uma das principais questões é a ancoragem da linguagem religiosa na realidade empírica. O positivismo lógico argumentou que as afirmações religiosas, sendo inverificáveis, são desprovidas de significado. No entanto, essa visão se mostra limitada, pois ignora outras formas de significado além da verificação empírica. Alternativamente, podemos buscar ancorar a linguagem religiosa na experiência, seja através de argumentos cosmológicos ou teleológicos que apontam para a existência de Deus, seja através da possibilidade de experiências religiosas que, mesmo que não empíricas no sentido tradicional, podem ser consideradas como evidência.

Outra questão central é a predicação, ou seja, como os termos que usamos para descrever Deus, como “bom” e “onipotente”, mantêm seu significado quando aplicados ao divino. A teoria da analogia, proposta por Tomás de Aquino, busca solucionar esse problema, argumentando que esses termos são usados em um sentido análogo, preservando semelhanças e diferenças entre o uso divino e o humano. No entanto, a analogia também enfrenta desafios, levando alguns a defenderem a univocidade, argumentando que certos termos podem ser aplicados a Deus e às criaturas no mesmo sentido. A linguagem metafórica também desempenha um papel importante na linguagem religiosa, permitindo que pensemos em Deus através de modelos e analogias, embora a natureza e o alcance da metáfora em teologia sejam debatidos.

Finalmente, a questão da referência se concentra em como o termo “Deus” se refere ao seu objeto. “Deus” parece funcionar como um nome próprio, mas também possui conteúdo descritivo. As teorias contemporâneas de referência, como a teoria descritivista e a teoria causal-histórica, oferecem diferentes perspectivas sobre como os nomes próprios se referem, levantando questões sobre se diferentes religiões se referem à mesma realidade divina.

Em suma, a compreensão da linguagem religiosa está entrelaçada com questões mais amplas na filosofia da religião, como a epistemologia da crença religiosa e a própria concepção de Deus. Diferentes perspectivas sobre a natureza de Deus e a relação entre fé e razão levam a diferentes interpretações da linguagem religiosa. Por esses motivos, o estudo da linguagem religiosa exige uma análise cuidadosa de suas diversas funções, bem como uma consideração de seu contexto mais amplo na filosofia e na teologia.

Enrique Dussel

Enrique Dussel (1934-2023) foi um filósofo argentino-mexicano em diálogo com a teologia da libertação.

Nascido em Mendoza, Argentina, Dussel refugiou-se no México em 1975, onde receberia cidadania mexicana. Dussel alcançou reconhecimento internacional por suas contribuições à Ética, à Filosofia Política e ao Pensamento Latino-Americano, particularmente como um dos fundadores da Filosofia da Libertação.

Graduou-se com um diploma de filosofia em 1957, estudos religiosos em 1965 e doutorado em filosofia e história em 1959 e 1967, respectivamente. Ocupou cargos acadêmicos no México, incluindo lecionar ética e filosofia política na UNAM e ser professor pesquisador na UAM Iztapalapa. Foi reitor interino da Universidade Autônoma da Cidade do México (UACM).

A filosofia de libertação de Dussel emergiu das periferias geopolíticas, culturais e económicas do Sul Global, com o objectivo de desafiar os sistemas fechados e o eurocentrismo, dando voz aos marginalizados.

Epicurismo

O epicurismo foi a doutrina filosófica elaborada por Epicuro (341-270 a.C.) que prezava por maximizar a felicidade e minizar a dor como grande Bem a ser buscado.

Epicuro acreditava que o prazer é a soma total da felicidade, mas o prazer não se limitava a uma indulgência sensual, como acusavam seus oponentes, mas como uma tranquilidade.

Os epicuristas alegavam que os deuses não exerciam supervisão providencial nos assuntos humanos. As pessoas, portanto, não precisam temer os deuses, nem precisam temer a morte, pois ela simplesmente marca o fim da existência humana.

Os epicuristas buscavam segurança em comunidades onde, na companhia de amigos, incluindo mulheres e escravos, procuravam “viver despercebidos” retirando-se da sociedade, que desprezavam.

Por não acreditarem nos deuses populares, eram chamados de ateus ou crentes em deuses ociosos ou adormecidos. Eram tidos como antissociais, misantrópicos e irresponsáveis.

Os epicuristas estavam associados a Gadara, Gaza e Cesareia. Há elementos epicuristas em textos bíblicos e outros escritos judaicos que datam do século III aC. Entretanto, o epicurismo não foi uma ponte entre a filosofia grega e o cristianismo e o judaísmo rabínico.

A visão pessimista da morte em Eclesiastes e o conselho de comer, beber e encontrar prazer nesta vida refletem a influência epicurista, apesar da convicção expressa de que é Deus quem torna o prazer possível e similaridade com o corpus de textos bíblico tidos como “pessimistas” como Jó.

A única referência explícita aos epicuristas na Bíblia é Atos 17.18, onde Paulo é descrito como tendo encontrado epicuristas e estóicos em Atenas. Essas eram as duas principais seitas filosóficas da época e apresentavam visões radicalmente opostas.

Paulo também usa linguagem derivada da polêmica anti-epicurista em 1 Coríntios 15.32-34, onde esclarece a esperança da ressurreição e se opõe à libertinagem. O ataque em 2 Pedro aos mestres que rejeitam a providência divina reflete semelhante polêmica, particularmente na negação de que o Senhor é lento e que sua destruição por Deus está adormecida. Apesar desses pontos de vista, a ênfase dos cristãos no amor entre os membros de suas comunidades, sua oposição à religião popular e sua reputação de comportamento anti-social fizeram com que eles às vezes fossem agrupados com os epicuristas.

Na Mishná, um dos documentos do judaísmo rabínico, há uma declaração notável no tratado Sinédrio que define a religião judaica em relação ao epicurismo:

“Todo o Israel tem uma parte no mundo vindouro, como disse Isaías: E todo o teu povo que é justo merecerá a eternidade e herdará a terra. E este é o povo que não merece o mundo vindouro: Os que dizem que não há ressurreição dos mortos, e aqueles que negam a Torá é dos céus, e epicuristas (‘Apikorsim’).”

Os judeus modernos usam “apikoros” como um termo genérico para um incrédulo, mas os autores do Talmud estavam claramente destacando os seguidores de Epicuro.

Pessoa

Pessoa (do latim persona) traduz os termos gregos Hipóstase (ὑπόστασις), Prosopon (πρόσωπον; plural: πρόσωπα), os quais no sentido bíblico não tem significado ordinário de um indivíduo dotado de um corpo, mas significa um modo de existência distinta (Hb 1:3).

É o entendimento do cristianismo trintário que Deus nas Escrituras está manifesto como três pessoas distintas e unidas, com perfeita comunhão em suas ações (Mt 3:16-17; Jo14:26; At 7:55-56).

O significado de Pessoa altera-se tanto em diferentes contextos de uso quanto no tempo. Hipóstase é o estado ou substância subjacente (Ousía) e é a realidade fundamental que sustenta tudo. Prosopon indica a aparência, aspecto exterior visível, de um ser humano, animal ou coisa. Por esse motivo também é traduzido como rosto ou face externa do que seria o ser, uma pessoa ou coisa. Porém, prosopon é distinto de personalidade como caráter ou psique, o cerne da apresentação do ser.

Pessoa denota a automanifestação de algo que pode ser estendido por meio de outras coisas. Por exemplo, a hipóstese de um escritor expressa sua prosopon mediante as palavras.

Ousía

O termo grego οὐσία, ousía, é um substantivo abstrato associado ao verbo ser (εἰμί). Apesar de referir-se a diversos conceitos, é tradicionalmente traduzido para o latim como substantia ou essentia. Na filosofia, ousía ou substância geralmente denota o que é constante em contraste com a variação de suas condições e atributos, os quais são chamados de acidentes em relação à substância (ousía).

Ousía aparece três vezes na Bíblia e na Apócrifa, em Tobias 14:13 e em Lucas 15: 12-13 no sentido comum de “posse” ou “propriedade”.

O sentido de posses ou propriedades para ousía era empregado no grego cotidiano para falar das riquezas de uma pessoa. Mais tarde, ousía ganhou um significado técnico filosófico com Platão (Eutífron 1a4 – b1). A distinção Substância (Ousia) e Acidente (συμβεβηκός, symbekēkós) foi percebida por Platão (por exemplo, República 534b), mas seria Aristóteles quem explicou as diferenças conceituais (Metafísica VII 3, 1028b 36-37; VII 11, 1037a 29-30; VII 7, 1032b 14).

Nos fragmentos atribuídos à Maria Hebreia (século I a III d.C.), ousía aparece como o componente constante de um elemento que, conforme a variação de densidade e quantidade, transmutava-se em outro elemento.

Como em latim substantia traduziu inicialmente a palavra ὑπόστασις (hypóstasis), surgiu uma confusão conceitual e terminológica. Hypóstasis era usada filosoficamente apenas no grego pós-clássico, denotando existência duradoura ou simplesmente um modo de ser. Esse uso se assemelhava ao uso de ousía, mas também hypóstasis denotava um modo de existência próprio ou subjacente a algo.

A adoção do termo ousía ou substantia para dizer que Deus é um só ser (ou um em sua essência) causou várias controvérsias no século IV d.C., principalmente a questão do arianismo.

“O termo ‘substância’ deve ser entendido aqui, não num sentido metafísico, e sim num sentido legal. Dentro deste contexto, ‘substância’ é a propriedade e o direito que uma pessoa tem de fazer uso dessa propriedade. No caso da monarquia, a substância do Imperador é o Império, e é isto que torna possível para o Imperador partilhar sua substância com seu filho – como de fato era comum no Império Romano. ‘Pessoa’, por outro lado, deve ser entendida como ‘pessoa jurídica’ e não no sentido comum. ” Gonzalez, 2004, pp. 174-175.

BIBLIOGRAFIA

González, Justo L. Uma História do Pensamento Cristão. Cultura Cristã, 2004.