Cerdo (em grego: Κέρδων), um gnóstico sírio considerado herege pela Igreja primitiva por volta de 138 d.C., com doutrinas similares ao marcionismo.
Segundo a tradição, iniciou sua trajetória como seguidor de Simão Mago, a exemplo de Basilides e Saturnino, ensinando aproximadamente na mesma época que Valentino e Marcião. Segundo Ireneu, Cerdo foi contemporâneo do bispo romano Higino, residindo em Roma como um membro proeminente da Igreja até ser expulso.
Sua doutrina centralizava-se na existência de dois deuses distintos: um que exigia obediência, identificado como o Deus do Antigo Testamento e criador do mundo, e outro, superior, bom e misericordioso, conhecido apenas através de seu filho, Jesus. Alinhado com gnósticos posteriores, Cerdo era docetista, negando a ressurreição corporal dos mortos.
Ireneu relata que Cerdo não pretendia fundar uma seita separada da Igreja, comparecendo repetidamente para confessar publicamente seus erros, mas persistindo em ensinar sua doutrina secretamente, sendo eventualmente condenado e afastado da comunhão dos irmãos. Alguns interpretam seu afastamento como voluntário, enquanto outros entendem que foi uma exclusão. A doutrina atribuída a Cerdo por Ireneu contrastava o Deus justo do Antigo Testamento com o Pai bom de Jesus Cristo, sendo o primeiro conhecido e o segundo desconhecido.
Pseudo-Tertuliano, possivelmente ecoando o Syntagma de Hipólito, descreve Cerdo como introdutor de dois princípios primordiais e dois deuses, um bom e outro mau, sendo o último o criador do mundo. Uma diferença notável é que, para Ireneu, ao deus bom se opunha um deus justo, enquanto para Hipólito, um deus mau. Na posterior Refutação de Hipólito, Cerdo é dito ter ensinado três princípios do universo: o bom (agathon), o justo (dikaion) e a matéria (hylen).
Pseudo-Tertuliano acrescenta que Cerdo rejeitava a lei e os profetas, renunciando ao Criador. Afirmava que Cristo era filho da divindade superior e boa, que não veio em substância carnal, mas apenas em aparência, e que não morreu nem nasceu verdadeiramente de uma virgem. Adicionalmente, reconhecia apenas a ressurreição da alma, negando a do corpo. Pseudo-Tertuliano, sem o apoio de outras autoridades, alega que Cerdo aceitava apenas o Evangelho de Lucas, em uma forma mutilada, rejeitando algumas epístolas de Paulo e partes de outras, além de descartar completamente os Atos dos Apóstolos e o Apocalipse. Há forte indicação de que Pseudo-Tertuliano atribuiu a Cerdo ideias que, em sua fonte, eram referentes a Marcião.
