Heptágono Teológico Pentecostal

O Routledge Handbook of Pentecostal Theology editado por Wolfgang Vondey lista sete fontes para a reflexão teológica pentecostal. Similar ao trilátero de Lutero e ao Quadrilátero Wesleyano, a “teologização” pentecostal combina várias fontes para expressar seu entendimento. Contudo, como fonte normativa e de autoridade, as Escrituras permanecem com primazia.

  • Revelação: A teologia pentcostal centra-se na compreensão da revelação como narrativa bíblica e experiência existencial pessoal.
  • Escrituras: a interpretação e aplicação da Bíblia pelos pentecostais, segue um caráter narrativo e com o papel do Espírito Santo na orientação da interpretação.
  • Razão e racionalidade na teologia pentecostal, apesar de às vezes serem retratados como anti-intelectuais, é expressa em modos complexos de raciocínio e persuasão.
  • Experiência: pessoal na teologia pentecostal, particularmente a experiência do Espírito Santo, é vital. Todo o entendimento é subjetivamente processado. As corretas afeições e práticas (ortopatia e ortopraxia) são aliadas da ortodoxia.
  • Tradição: A tradição na teologia pentecostal caracteriza-se por continuidade quanto da adaptação.
  • Cultura: Há uma complexa relação entre pentecostalismo e cultura, entre eles aspectos disruptivos e acomodativos da teologia pentecostal em diferentes contextos culturais.
  • Culto (liturgia): A centralidade da adoração na teologia pentecostal reflete uma natureza corporificada e participativa da adoração pentecostal.

BIBLIOGRAFIA

Vondey, Wolfgang. The Routledge handbook of Pentecostal theology. Routledge, 2020.

Myer Pearlman

Myer Pearlman (1898-1943) foi um educador e pioneiro na reflexão teológica do início do movimento pentecostal.

Nascido em uma família judia em Edimburgo, Escócia, cresceu em Birmingham, Inglaterra. Imigrou para os Estados Unidos (Nova York) em 1915.

Autodidata, atuou como intérprete para as forças dos Estados Unidos durante a Primeira Guerra Mundial.

Conheceu o evangelho ao escutar hinos em uma igreja pentecostal em São Francisco. Foi um dos primeiros alunos a se formar no Central Bible Institute (CBI) em Springfield, Missouri, em 1925. Ingressou no corpo docente do CBI e dois anos depois casou-se com Irene Graves.

Pearlman escreveu notas de aula sobre Antigo Testamento e o Novo Testamento. Preparou materiais para escola dominical, organizou vários livros e escrevia artigos para diversas revistas. Era fluente em hebraico, grego, francês, espanhol e italiano. Faleceu aos 44 anos.

Escreveu uma das primeiras teologias sistematizadas dentro da tradição pentecostal, o Knowing the Doctrines of the Bible, depois traduzido para diversas línguas, incluse ao português (Conhecendo as Doutrinas da Bíblia) e italiano (Le dottrine della Bibbia). A obra foi organizada com os capítulos “Escrituras”, “Deus”, “anjos”, “homem”, “pecado”, “Senhor Jesus Cristo”, “Expiação”, “salvação”, “Santo Espírito”, “Igreja” e “Últimas coisas”. Propondo uma teologia bíblica para as doutrinas pentecostais, não possui prefácio, nem dá referência à maioria das citações extrabíblicas. Era, sobretudo, uma obra didática. A edição italiana apareceu a primeira vez em 1954, publicada por Roberto Bracco com tradução de Eliana Rustici, influenciando a geração de pentecostais italianos da metade do século XX.

BIBLIOGRAFIA

Gohr, G. W. “Pearlman, Myer.” In The New International Dictionary of Pentecostal and Charismatic Movements, revised and expanded edition. Edited by Stanley M. Burgess and Eduard M. van der Maas. Grand Rapids, MI: Zondervan, 2003, 959.

Pearlman, Myer. Knowing the Doctrines of the Bible. Springfield, MO: Gospel Publishing House, 1937.

Culto

Prostrar em adoração, respeito e submissão e servir como resultado de um compromisso.

O culto, na perspectiva cristã, é um ato de adoração comunitária e individual que permeia a história e a teologia da fé. Sua essência reside na resposta humana à revelação divina, manifestando-se em rituais, orações e práticas que se transformaram ao longo dos séculos.

Desde suas raízes nas sinagogas e no Templo, onde os primeiros cristãos se reuniam, o culto se adaptou e se formalizou. O desenvolvimento de ritos como a Eucaristia e o Batismo marcou o período patrístico, seguido pela elaboração de um complexo sistema litúrgico na Idade Média, caracterizado por uma crescente clericalização e a ascensão de simbolismos.

As Reformas Protestantes no século XVI questionaram essa estrutura, buscando simplificar o culto e centralizá-lo na Palavra de Deus. Figuras como Lutero e Calvino reimaginaram a adoração, enfatizando a participação congregacional, o canto de hinos e a pregação. Paralelamente, a Contrarreforma católica reafirmou seus próprios rituais, como no Concílio de Trento.

No período moderno, o culto protestante evoluiu em diversas vertentes, influenciado por movimentos como o Pietismo e o avivamento, que valorizavam a experiência pessoal e a espontaneidade.

Já no século XX, o Movimento Litúrgico buscou resgatar as raízes históricas do culto, promovendo uma renovação que impactou tanto católicos quanto protestantes, fomentando uma convergência ecumênica na recuperação de práticas antigas, como a celebração mais frequente da comunhão e o uso do lecionário. Inovações trazidas pelas espiritualidades carismáticas resultaram em diversidades de formas de adoração. Dessa forma, o culto cristão não é uma prática estática, mas um fenômeno dinâmico em constante transição, cujas tradições seculares refletem uma rica tapeçaria de crenças e expressões de fé.

Na teologia pentecostal, o culto transcende a mera prática ritualística para se configurar como um encontro pneumatológico e transformador com o Deus trino. Longe de ser uma performance humana, ele é a resposta à iniciativa divina, mediada pelo Espírito Santo. Esse entendimento central posiciona a adoração pentecostal não apenas como um conjunto de rituais, mas como um evento dinâmico e vivo, onde a presença de Deus se manifesta e molda a identidade e a fé da comunidade.

O culto, sob essa perspectiva, é um encontro transformador. Autores como Frank Macchia argumentam que os elementos da adoração — louvor, oração e proclamação — atuam como “sinais de graça”, tornando a presença de Deus tangível. Essa visão se alinha à teologia carismática, que vê o culto como um meio de participação na vida divina. De forma similar, Steven Gause propõe um padrão de “revelação e resposta”, onde Deus primeiro se revela e a humanidade responde em adoração, estabelecendo um relacionamento fundamental. Para Jonathan Alvarado, o culto é um evento que cria significado e molda a identidade coletiva, onde práticas como testemunhos e orações espontâneas reforçam a narrativa e a experiência compartilhada da ação de Deus na vida dos fiéis.

A dimensão pneumatológica e escatológica é crucial. O culto pentecostal é inerentemente conduzido pelo Espírito e orientado para o futuro reino de Deus. Melissa Archer, por exemplo, sugere que o livro do Apocalipse serve como um modelo supremo para o culto pentecostal. Nele, a adoração é cósmica e impulsionada pelo Espírito, funcionando como uma participação na liturgia celestial que antecipa a vitória final de Deus. Essa perspectiva confere ao culto terreno um caráter triunfante e esperançoso. Amos Yong aprofunda essa ideia, descrevendo o culto como uma “liturgia do evangelho”, uma encenação do plano de redenção, na qual o Espírito torna a história de Jesus uma realidade presente e transformadora.

A centralidade das Escrituras e da narrativa bíblica é outro pilar. A Bíblia não é apenas fonte de sermões, mas a estrutura e o conteúdo que dão forma à adoração. Lee Roy Martin defende que os Salmos, com sua amplitude emocional, servem como um modelo para o diálogo honesto com Deus. Da mesma forma, David Boone conecta o culto à Torá, enfatizando que a verdadeira adoração é uma resposta aos atos salvíficos de Deus e é guiada por suas instruções. No contexto pentecostal, essa interpretação da Escritura é pneumatológica: a pregação e a proclamação são eventos capacitados pelo Espírito, nos quais a Palavra se torna viva e relevante, transformando a comunidade.

A doutrina pentecostal, portanto, é moldada pelo culto, seguindo o antigo princípio de lex orandi, lex credendi (a lei da oração é a lei da crença). A teologia emerge da experiência vivida de adoração. O clamor de “Aleluia!” (doxologia) informa e dá origem a afirmações de “Nós cremos” (dogma). Nesse sentido, a teologia não é um exercício acadêmico isolado, mas uma reflexão sobre a experiência comunitária com Deus. Em suma, a teologia pentecostal do culto é orientada pelo encontro, guiada pelo Espírito, biblicamente fundamentada e formadora de comunidade, validando a experiência como um meio legítimo de conhecer a Deus e construir a fé.

BIBLIOGRAFIA

Alvarado, Johnathan E. “Pentecostal Worship and the Creation of Meaning.” In Toward a Pentecostal Theology of Worship, edited by Lee R. Martin, 223–24. Cleveland, TN: CPT Press, 2016.

Archer, Melissa. “Worship in the Book of Revelation.” In Toward a Pentecostal Theology of Worship, edited by Lee R. Martin, 115, 121, 135. Cleveland, TN: CPT Press, 2016.

Boone, Jerome. “Worship and the Torah.” In Toward a Pentecostal Theology of Worship, edited by Lee R. Martin, 23–24. Cleveland, TN: CPT Press, 2016.

Gause, R. Hollis. “The Nature and Pattern of Biblical Worship.” In Toward a Pentecostal Theology of Worship, edited by Lee R. Martin, 148–49. Cleveland, TN: CPT Press, 2016.

Macchia, Frank D. “Signs of Grace: Towards a Charismatic Theology of Worship.” In Toward a Pentecostal Theology of Worship, edited by Lee R. Martin, 157–58. Cleveland, TN: CPT Press, 2016.

Martin, Lee R., ed. Toward a Pentecostal Theology of Worship. Cleveland, TN: CPT Press, 2016.

Martin, Lee R. “The Book of Psalms and Pentecostal Worship.” In Toward a Pentecostal Theology of Worship, edited by Lee R. Martin, 77–80, 86–88. Cleveland, TN: CPT Press, 2016.

Martin, Lee R., and Daniel Castelo. “From ‘Hallelujah!’ To ‘We Believe’ and Back: Interrelating Pentecostal Worship and Doctrine.” In Toward a Pentecostal Theology of Worship, 288. Cleveland, TN: CPT Press, 2016.

Vondey, Wolfgang. The Liturgy of the Gospel: Theological Hermeneutics in Pentecostal Perspective. Cascade Books, 2025.

White, James F. A Brief History of Christian Worship. Nashville: Abingdon Press, 1993.

White, James F. Introduction to Christian Worship. 3rd ed. Nashville: Abingdon Press, 2000.

White, James F. Protestant Worship: Traditions in Transition. Louisville: Westminster John Knox Press, 1989.

Yong, Amos. The Hermeneutical Spirit: Theological Interpretation and Scriptural Imagination for the 21st Century. Wipf and Stock Publishers, 2017.

Yong, Amos. “The Spirit and Proclamation: A Pneumatological Theology of Preaching.” Pulpit.org. Accessed October 11, 2023. https://www.pulpit.org/the-spirit-and-proclamation-a-pneumatological-theology-of-preaching-part-i.

Em termos gerais, é um estado psicológico e relação com algo. Em sentido bíblico corresponde à fidelidade, confiança, comunhão relacional, convicção e depósito de crença.

A fé na Bíblia

No Antigo Testamento vários termos, normalmente não traduzidos, referem-se à fé. O mais comum deles é o ‘emunah,  אמונה, cujos sentidos originários eram do campo semântico de firmeza e estabilidade, do qual emerge o sentido de confiança e constância. Um de seus derivados é a palavra “Amém”. O emprego desse termo é diverso e tem conotações ativas. São geralmente traduzidas na Septuaginta por pisteoo, acreditar, e pistos, fiel.

Dois substantivos derivados são ‘emeth אֱמֶת, e ‘emunah אֱמוּנָה. Possuem um sentido passivo de fidelidade mais que algum sentido ativo de acreditar ou crer. Existem várias outras palavras que estão intimamente associadas à ideia de fé e fidelidade no Antigo Testamento, particularmente aquelas que denotam esperança. Outra raíz, h-s-d, denota a relação de Deus e o homem e do homem e o homem sob a aliança.

História da recepção e conceito teológico

Os tradutores da Septuaginta preferiram o termo alētheia para ‘emeth e ‘emūnāh, o que quase sempre aparecem no Novo Testamento como verdade, realidade e autenticidade. Autores tardios do período do Segundo Templo refinaram o conceito, empregando também o termo grego antigo pístis (πίστις) com conotações distintas (Lindsay, 1993).

É bem notório que pístis aparece nesses textos de forma polissêmica. De uma lado do campo semântico pístis versa sobre o estado de espírito ou uma emoção de confiança a algo ou alguém. De outro lado do campo semântico, pístis é sobre o relacionamento e práxis feitos com segurança, lealdade, aliança e comunhão. (Morgan, 2015; Bates, 2017; Diggle, 2021).

Nas traduções latinas, consequentemente para o mundo ocidental, ‘emunah e pístis ganharam a conotação de fides, termo que já era utilizado para se referir à Pístis filosófica grega. A teologia latina, sobretudo a escolástica e mesmo a protestante transformou a semântica de fides para limitar-se à atividade cognitiva. 

A fé passou ser central na soteriologia protestante, visto a doutrina da justtificação pela fé. Conforme formulado por Melâncton, a fides passou a compreender três coisas: notitia (entendimento), assensus, (reconhecimento) e fiducia (confiança). Entretanto, desde o século XVIII, tanto pelos avanços da epistemologia quanto pela ciências linguísticas e filológicas, os sentidos grego e hebraico de fé conforme a Bíblia foram redescobertos no mundo ocidental.

Trementozzi (2018) aponta os problemas da adoção acrítica de uma visão intelectualista da fé dentro do evangelicalismo anglo-americano, particularmente em sua compreensão e prática da salvação. Ao priorizar a racionalidade sobre outros aspectos comportamentais e afetivos da fé leva a uma compreensão incompleta da salvação, uma vez que a experiência humana não é abstrata ou gnóstica, mas incorporada e experiencialmente relevante. Essas informações demandam uma soteriologia holística que incorpore as neurociências cognitivas e a psicologia para enfatizar a natureza incorporada da fé. Baseando-se na teologia das afeições religiosas, nas práticas da igreja primitiva e na espiritualidade pentecostal de Jonathan Edwards, Trementozzi destaca a importância da ortodoxia, da ortopraxia e da ortopatia para uma soteriologia renovada da corporificação. Assim, salvação pela fé compreende as maneiras multifacetadas pelas quais a graça salvadora de Deus interage com a carne e o sangue humanos, desafiando a tendência de intelectualizar a fé e marginalizar as dimensões afetivas e comportamentais dentro da teologia evangélica e pentecostal.

Vale atendar-se para outra distinção. A locução fides qua creditur indica o ato subjetivo de crer. Enquanto fides quae creditur indica o objeto da fé, ou seja, o conteúdo da revelação. A partir dessa distinção, há o debate se a fé é instrumental para a salvação ou sua consequência.

SAIBA MAIS

Bates, Matthew W. Salvation by Allegiance Alone: Rethinking Faith, Works, and the Gospel of Jesus the King. Baker Academic, 2017.

Diggle, James. The Cambridge Greek Lexicon. Cambridge University Press, 2021.

Lindsay, Dennis R. Josephus and Faith:” pístis” and” pisteúein” as Faith Terminology in the Writings of Flavius Josephus and in the New Testament. Vol. 19. Brill, 1993.

Morgan, Teresa. Roman faith and Christian faith: Pistis and fides in the early Roman Empire and early Churches. OUP Oxford, 2015.

Trementozzi, David. Salvation in the Flesh: Understanding How Embodiment Shapes Christian Faith. McMaster Theological Studies Series, volume 7. Eugene, Oregon: Pickwick Publications, 2018.

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