Prostrar em adoração, respeito e submissão e servir como resultado de um compromisso.
O culto, na perspectiva cristã, é um ato de adoração comunitária e individual que permeia a história e a teologia da fé. Sua essência reside na resposta humana à revelação divina, manifestando-se em rituais, orações e práticas que se transformaram ao longo dos séculos.
Desde suas raízes nas sinagogas e no Templo, onde os primeiros cristãos se reuniam, o culto se adaptou e se formalizou. O desenvolvimento de ritos como a Eucaristia e o Batismo marcou o período patrístico, seguido pela elaboração de um complexo sistema litúrgico na Idade Média, caracterizado por uma crescente clericalização e a ascensão de simbolismos.
As Reformas Protestantes no século XVI questionaram essa estrutura, buscando simplificar o culto e centralizá-lo na Palavra de Deus. Figuras como Lutero e Calvino reimaginaram a adoração, enfatizando a participação congregacional, o canto de hinos e a pregação. Paralelamente, a Contrarreforma católica reafirmou seus próprios rituais, como no Concílio de Trento.
No período moderno, o culto protestante evoluiu em diversas vertentes, influenciado por movimentos como o Pietismo e o avivamento, que valorizavam a experiência pessoal e a espontaneidade.
Já no século XX, o Movimento Litúrgico buscou resgatar as raízes históricas do culto, promovendo uma renovação que impactou tanto católicos quanto protestantes, fomentando uma convergência ecumênica na recuperação de práticas antigas, como a celebração mais frequente da comunhão e o uso do lecionário. Inovações trazidas pelas espiritualidades carismáticas resultaram em diversidades de formas de adoração. Dessa forma, o culto cristão não é uma prática estática, mas um fenômeno dinâmico em constante transição, cujas tradições seculares refletem uma rica tapeçaria de crenças e expressões de fé.
Na teologia pentecostal, o culto transcende a mera prática ritualística para se configurar como um encontro pneumatológico e transformador com o Deus trino. Longe de ser uma performance humana, ele é a resposta à iniciativa divina, mediada pelo Espírito Santo. Esse entendimento central posiciona a adoração pentecostal não apenas como um conjunto de rituais, mas como um evento dinâmico e vivo, onde a presença de Deus se manifesta e molda a identidade e a fé da comunidade.
O culto, sob essa perspectiva, é um encontro transformador. Autores como Frank Macchia argumentam que os elementos da adoração — louvor, oração e proclamação — atuam como “sinais de graça”, tornando a presença de Deus tangível. Essa visão se alinha à teologia carismática, que vê o culto como um meio de participação na vida divina. De forma similar, Steven Gause propõe um padrão de “revelação e resposta”, onde Deus primeiro se revela e a humanidade responde em adoração, estabelecendo um relacionamento fundamental. Para Jonathan Alvarado, o culto é um evento que cria significado e molda a identidade coletiva, onde práticas como testemunhos e orações espontâneas reforçam a narrativa e a experiência compartilhada da ação de Deus na vida dos fiéis.
A dimensão pneumatológica e escatológica é crucial. O culto pentecostal é inerentemente conduzido pelo Espírito e orientado para o futuro reino de Deus. Melissa Archer, por exemplo, sugere que o livro do Apocalipse serve como um modelo supremo para o culto pentecostal. Nele, a adoração é cósmica e impulsionada pelo Espírito, funcionando como uma participação na liturgia celestial que antecipa a vitória final de Deus. Essa perspectiva confere ao culto terreno um caráter triunfante e esperançoso. Amos Yong aprofunda essa ideia, descrevendo o culto como uma “liturgia do evangelho”, uma encenação do plano de redenção, na qual o Espírito torna a história de Jesus uma realidade presente e transformadora.
A centralidade das Escrituras e da narrativa bíblica é outro pilar. A Bíblia não é apenas fonte de sermões, mas a estrutura e o conteúdo que dão forma à adoração. Lee Roy Martin defende que os Salmos, com sua amplitude emocional, servem como um modelo para o diálogo honesto com Deus. Da mesma forma, David Boone conecta o culto à Torá, enfatizando que a verdadeira adoração é uma resposta aos atos salvíficos de Deus e é guiada por suas instruções. No contexto pentecostal, essa interpretação da Escritura é pneumatológica: a pregação e a proclamação são eventos capacitados pelo Espírito, nos quais a Palavra se torna viva e relevante, transformando a comunidade.
A doutrina pentecostal, portanto, é moldada pelo culto, seguindo o antigo princípio de lex orandi, lex credendi (a lei da oração é a lei da crença). A teologia emerge da experiência vivida de adoração. O clamor de “Aleluia!” (doxologia) informa e dá origem a afirmações de “Nós cremos” (dogma). Nesse sentido, a teologia não é um exercício acadêmico isolado, mas uma reflexão sobre a experiência comunitária com Deus. Em suma, a teologia pentecostal do culto é orientada pelo encontro, guiada pelo Espírito, biblicamente fundamentada e formadora de comunidade, validando a experiência como um meio legítimo de conhecer a Deus e construir a fé.
BIBLIOGRAFIA
Alvarado, Johnathan E. “Pentecostal Worship and the Creation of Meaning.” In Toward a Pentecostal Theology of Worship, edited by Lee R. Martin, 223–24. Cleveland, TN: CPT Press, 2016.
Archer, Melissa. “Worship in the Book of Revelation.” In Toward a Pentecostal Theology of Worship, edited by Lee R. Martin, 115, 121, 135. Cleveland, TN: CPT Press, 2016.
Boone, Jerome. “Worship and the Torah.” In Toward a Pentecostal Theology of Worship, edited by Lee R. Martin, 23–24. Cleveland, TN: CPT Press, 2016.
Gause, R. Hollis. “The Nature and Pattern of Biblical Worship.” In Toward a Pentecostal Theology of Worship, edited by Lee R. Martin, 148–49. Cleveland, TN: CPT Press, 2016.
Macchia, Frank D. “Signs of Grace: Towards a Charismatic Theology of Worship.” In Toward a Pentecostal Theology of Worship, edited by Lee R. Martin, 157–58. Cleveland, TN: CPT Press, 2016.
Martin, Lee R., ed. Toward a Pentecostal Theology of Worship. Cleveland, TN: CPT Press, 2016.
Martin, Lee R. “The Book of Psalms and Pentecostal Worship.” In Toward a Pentecostal Theology of Worship, edited by Lee R. Martin, 77–80, 86–88. Cleveland, TN: CPT Press, 2016.
Martin, Lee R., and Daniel Castelo. “From ‘Hallelujah!’ To ‘We Believe’ and Back: Interrelating Pentecostal Worship and Doctrine.” In Toward a Pentecostal Theology of Worship, 288. Cleveland, TN: CPT Press, 2016.
Vondey, Wolfgang. The Liturgy of the Gospel: Theological Hermeneutics in Pentecostal Perspective. Cascade Books, 2025.
White, James F. A Brief History of Christian Worship. Nashville: Abingdon Press, 1993.
White, James F. Introduction to Christian Worship. 3rd ed. Nashville: Abingdon Press, 2000.
White, James F. Protestant Worship: Traditions in Transition. Louisville: Westminster John Knox Press, 1989.
Yong, Amos. The Hermeneutical Spirit: Theological Interpretation and Scriptural Imagination for the 21st Century. Wipf and Stock Publishers, 2017.
Yong, Amos. “The Spirit and Proclamation: A Pneumatological Theology of Preaching.” Pulpit.org. Accessed October 11, 2023. https://www.pulpit.org/the-spirit-and-proclamation-a-pneumatological-theology-of-preaching-part-i.