Teoria da substituição penal

A teoria da substituição penal é uma perspectiva soteriológica forense de como a morte de Cristo proporciona a reconciliação da humanidade com Deus.

Nessa perspectiva da expiação pela aubstituição penal, os pecados original e atuais são ofensas à santidade e à justiça de Deus. A satisfação a essa ofensa seria paga pela morte de Cristo (razão para essa teoria ser chamada por vezes de expiação transacional ou comercial). Cristo foi o único capaz de suportar a penalidade total do pecado do homem em sua morte vicária. Toda a culpa e o castigo que os pecadores merecem foram transferidos para Cristo. A obediência de Cristo em vida e sofrimentos em sua pena total foram de tal modo que o pecado não seja mais imputado ou a pena exigida daqueles por quem Ele morreu. Assim, a penalidade dos pecados foi transferida para Cristo por imputação.

As bases bíblicas geralmente apontadas são Jo 11:50-52; Rm 5:8-9; Tt 2:14; 1 Pe 3:18.

Inicialmente a teoria da substituição penal foi elaborada por Calvino com base na teoria de satisfação de Anselmo e da imputação da justificação de Lutero. Vale atentar que tanto Calvino quanto Lutero tratavam da doutrina de modo complexo, sem exclusivamente reduzi-la ao modelo de substituição penal. Calvino refinou essa doutrina em seu debate com Andreas Osiander. Foi contestada por Hugo Grócio e alguns arminianos mediante a teoria governamental de expiação. Entretanto, a teoria da substituição penal ganhou uma versão em John Wesley que se tornou corrente entre arminianos de língua inglesa.

Variantes ocorreram nas confissões calvinistas do século XVII e a teoria do representante federal. Essa variante foi desenvolvida por Cocceius, Turretin e John Gill. Nela, por uma aliança das obras Adão foi o representante federal de toda a humanidade. Portanto, seu pecado e suas consequências seriam legalmente imputados a todos. Cristo seria a contrapartida e representante, mas sendo divino e humano, não pecou. Estaria, assim, representando a humanidade diante do Pai.

A ênfase no vicário (substituição) leva a uma reafirmação pleonástica de “substituição vicária” para distinguir essa doutrina de outras variantes substitutivas de expiação, mas não penais. Um exemplo de substituição não penal é a teoria do prêmio. No final do século XIX, o teólogo sueco P. P. Waldenström chegou à conclusão de que Cristo morreu não para mudar a atitude de Deus Pai para com os pecadores, mas para mudar o coração dos pecadores. Essa variante é chamada de teoria do prêmio (premial theory) da expiação, pois considera o prêmio do lado vitorioso em um caso forense.

A doutrina da substituição penal distingue-se também das teorias sacrificiais de Zinzerford e Girard. A soteriologia do teólogo morávio é sacrificial, mas não substitutiva. Zinzendorf centrava-se na metáfora de Cristo como o Cordeiro imolado, cujo sangue e feridas resgataram o mundo, proporcionavam a união mística e exemplo para humanidade. Influenciado por Dippel, não aceitava que o Deus de amor se satisfaria com a morte de um substituto para a humanidade. Já na teoria do bode expiatório René Girard e James Alison propõem uma substituição vicária, mas não penal. A humanidade odiou os ensinos e vida de Cristo porque não o podia imitar. Foi sacrificado como uma vítima do ódio humano. A morte gera um arrependimento e possibilidade de restaurar a ordem originalmente proposta.

As doutrinas da substituição penal ou expiação sacrificial e mesmo todo o sistema de soteriologia forense recebe diversas críticas teológicas. Um problema o qual essa teoria não responde é a do papel do Espírito Santo bem como não liga ou explica a expiação às transformações proporcionada pela graça desde salvação até cura divina. Há ainda críticas à moralidade dessa teoria. Por exemplo, Rita Nakashima Brock compara expiação sacrificial a ‘abuso infantil divino’. Hydinger e seus colaboradores encontraram uma correlação entre a propagação dessa doutrina com sofrimentos psicológicos. Ainda esse modelo contradiz as evidências bíblicas e históricas sobre a função do sacrifício na antiga religião israelita, o qual não tinha caráter forense. Outra crítica é que na ideia de que na cruz Cristo recebeu a punição exata e literal da humanidade não corresponde exatamente a um inferno de sofrimento eterno em penalidade ao pecado. Todavia, na Declaração de Cambridge (cidade de Massachussetts), elaborada em 1996 pela Alliance of Confessing Evangelicals, um grupo de pastores novo calvinistas e de alguns luteranos consideraram a doutrina da substituição como o próprio evangelho:

Segunda tese: Solus Christus

Reafirmamos que nossa salvação é realizada somente pela obra mediadora do Cristo histórico. Sua vida sem pecado e expiação substitutiva por si só são suficientes para nossa justificação e reconciliação com o Pai.

Negamos que o evangelho seja pregado se a obra substitutiva de Cristo não for declarada e a fé em Cristo e em sua obra não for solicitada.

Diante desse ataque à fé cristã tradicional, reacendeu-se a discussão sobre a doutrina da expiação. Teólogos evangélicos e de diversas vertentes denominacionais responderam com novas articulações das doutrinas históricas do cristianismo sobre a expiação tanto em termos de soteriologia forense quanto de soteriologia transformativa.

BIBLIOGRAFIA

Belousek, Darrin W. Snyder. Atonement, justice, and peace: The message of the cross and the mission of the church. Grand Rapids: Eerdmans, 2011.

Brock, Rita Nakashima; Parker, Rebecca Ann Parker. Saving paradise: How Christianity traded love of this world for crucifixion and empire. Beacon Press, 2008.

Hydinger, Kristen, et al. “Penal substitutionary atonement and concern for suffering: An empirical study.” Journal of Psychology and Theology 45.1 (2017): 33-45.

McGrath, Alister E. Iustitia Dei: a history of the Christian doctrine of justification. Cambridge University Press, 2005.

Stott, John R.W. The Cross of Christ. Downers Grove, Ill. : InterVarsity Press, 1986.

Stump, Eleonore. Atonement, Oxford University Press, 2019.

Teoria da influência moral

A teoria da influência moral é uma doutrina subjetiva da reconciliação para explicar o motivo da obra redentora de Cristo e por quais meios altera a humanidade.

Por essa doutrina, a justiça de Deus é igual a seu amor. Como o pecado é uma ofensa produzida contra essa justiça e amor, Deus dispensou sua graça para reparar o pecador. Por Deus possuir um infinito amor pela humanidade, perdoa os pecados sem exigir punição ou penitência. Deus desperta o amor da humanidade ao enviar Jesus como seu exemplo obediente desse amor. Como deixaria de ser amor se fosse forçado, a obra de ensinos e obediência até a morte de Cristo incutiram o amor a Deus na humanidade.

Os textos bases para essa teoria são Jo 15:13; Rm 5:8; 2 Co 5:17-19; Fp 2:5-11; Cl 3:24. 1 Pe 2:21 e 1 Jo 2:6.

Originalmente traços da teoria da influência moral apareceram com Agostinho, mista com alguns elementos da teoria da satisfação. Como doutrina distinta foi proposta pelo teólogo medieval francês Pedro Abelardo. Ele rejeitou a ideia da morte de Jesus como um resgate pago ao Diabo, pois atribuía poderes divinos a um oponente maligno. Ele também se opôs à teoria da satisfação de Anselmo de que a morte de Jesus seria uma dívida paga à honra de Deus.

“A nossa redenção está, portanto, naquele amor supremo despertado em nós pela paixão de Cristo, amor que não só nos liberta da escravidão do pecado, mas também nos torna participantes da verdadeira liberdade dos filhos de Deus, para que façamos todas as coisas não por medo mas por amor Àquele que nos concedeu tão grande graça”.

Abelardo. Ad Romanos 2:22

Uma perspectiva relacionada, mas que não deve ser confundida, é a “teoria do exemplo moral”, desenvolvida por Faustus Socinus. Enquanto a teoria do exemplo moral a salvação resulta da imitação das obras e seguir os exemplos de Cristo, a teoria da influência moral postula que a obra reconciliatória de Cristo compele o ser humano pecador, pelo Espírito Santo, a amar a Deus e a fazer obras de justiça.

Variantes da teoria da influência moral podem ser encontradas em Friedrich Schleiermacher (1768-1834), Hosea Ballou (1771 – 1852), Horace Bushnell (1802-1876) e entre os reformados holandeses em Herman Wiersinga (1927 –2020).

Ballou exemplifica a posição do início do século XIX sobre essa teoria. Sustentava que a vida e os ensinamentos de Jesus são o que traz a reconciliação entre Deus e a humanidade. O amor e compaixão de Jesus nos inspira a abandonar o pecado e seguir o caminho da retidão. Essa teoria enfatiza o poder transformador do amor e a importância de viver uma vida virtuosa.

Raramente lido em seus próprios termos e em seu método dialético, a teoria de influência moral de Abelardo tende a ser representada de forma caricata. Uma das representações distorcidas ocorre principalmente tornar a morte de Cristo sendo um mero exemplo. No entanto, Abelardo enfatiza que Cristo morreu por causa de nossos pecados porque realmente cometemos essas transgressões. Como um dos primeiro proponentes do intencionalismo da vontade, Abelardo dizia que a fé (a confiança) nesse amor de Deus mediante a influência moral de Cristo possibilitaria alinhar o arbítrio da pessoa com a intenção amorosa de Deus. Assim, o ser humano redimido desviaria-se da intenção de pecar e seria conduzido pelo amor a Deus.

Uma crítica à teoria da influência moral é que não explica o motivo da necessidade para a vinda e morte de Cristo, pois qualquer mártir poderia impactar a humanidade de modo despertar tal amor a Deus.

BIBLIOGRAFIA

Barclay, William. The Plain Man Looks at the Apostles’ Creed. Glasgow: William Collins Sons & Co., 1979.

Ballou, Hosea. A Treatise on Atonement. 1805.

Bushnell, Horace. The Vicarious Sacrifice: Grounded in Principles of Universal Obligation. RD Dickinson, 1892.

Crisp, Oliver D. “Moral Exemplarism and Atonement.” Scottish Journal of Theology, vol. 73, no. 2, 2020, pp. 137–149., doi:10.1017/S0036930620000265.

Finlan, Stephen. Salvation Not Purchased: Overcoming the Ransom Idea to Rediscover the Original Gospel Teaching. Eugene: Cascade Books, 2020.

Pedro Abelardo. Expositio in Epistolam ad Romanos.

Quinn, Philip L., 1993 [2009], “Abelard on the Atonement: Nothing Unintelligible, Arbitrary, Illogical, or Immoral About It”, in Rea, Michael C., Oxford Readings in Philosophical Theology, Vol. 1: Trinity, Incarnation, Atonement, New York: Oxford University Press,  2009, pp. 348–365.

Rashdall, Hasting. The Idea of Atonement in Christian Theology. Londres: Macmillan, 1919.

Teoria do Representante Federal

A teoria do representante federal, doutrina que integra a teologia do pacto ou a teologia da aliança, para explicar o significado da morte de Cristo na expiação e reconciliação em termos de aliança ou pacto (foedus) com Deus.

Foi desenvolvida por teólogos reformados continentais como Johannes Cocceius e Francis Turretin, além de, batistas britânicos de tendências calvinistas como John Gill.

As bases bíblicas geralmente apontadas são Rm 5:12-19; 8:29; 1 C 15:22.

De acordo com essa teoria, Deus fez uma aliança com Adão como representante de toda a humanidade, na qual a desobediência de Adão resultou na Queda da humanidade e na introdução do pecado e da morte no mundo. Deus então estabeleceu uma nova aliança com a humanidade por meio de Jesus Cristo. Quando Adão pecou, todos os humanos herdaram sua culpa e natureza corrupta, levando-os à separação de Deus. Para restaurar esse relacionamento, Jesus Cristo, como o novo representante federal, cumpriu as obrigações da aliança que Adão falhou em cumprir. Por meio de Sua obediência, Cristo forneceu um meio para a humanidade se reconciliar com Deus.

Em contraste com a teoria da substituição penal, no qual Cristo foi o substituto na pena merecida pelo pecado, a teoria do representante federal é vicária, mas não substitutiva. Cristo morreu pela humanidade, mas para ser representante e mediador dea humanidade em um momento crucial da história de salvação.

Como na também vicária mas não substitutiva teoria governamental da expiação, a teoria do representante federal considera Cristo como cumpridor do ato da justiça que Deus deseja para o universo. Em ambas Cristo é o representante legal da humanidade. Em contraste, enquanto a teoria governamental busca restaurar a ordem de justiça, a teoria do representante federal busca restaurar a aliança corrompida pelo homem.

Cocceius enfatizou a continuidade das alianças de Deus ao longo da história e o papel de Cristo como mediador da nova aliança. Turretin expandiu isso destacando os aspectos legais das alianças e a importância da obediência de Cristo para cumprir os termos da aliança em nome da humanidade.

Novo Aliancismo

O Novo Aliancismo é uma arcabouço interpretativo, vertente de teologia bíblica e sistema teológico que enfatiza a continuidade entre o Antigo e o Novo Testamento, e a centralidade do conceito de pacto ou aliança na compreensão do relacionamento de Deus com a humanidade.

Difere do convencionalismo tradicional ao enfatizar a importância de Cristo como mediador da aliança, em vez da própria aliança. Também difere do dispensacionalismo ao rejeitar a ideia de um reino milenar futuro e literal de Cristo na terra.

Três teólogos associados ao Novo Pacto são Michael Horton, Meredith Kline e John Murray. Horton enfatiza a importância da aliança da graça na compreensão da salvação, enquanto Kline enfoca o conceito de “justiça pelas obras” na aliança mosaica. Murray enfatiza a continuidade entre o Antigo e o Novo Testamento e a centralidade de Cristo como mediador da aliança.

Visão Federal

A Visão Federal, também conhecida como Teologia da Auburn Avenue, é um movimento dentro da teologia reformada que enfatiza a natureza corporativa da salvação e a continuidade entre o Antigo e o Novo Testamento.

Os teólogos da Federal Vision veem a a Bíblia como um todo unificado e argumentou que o conceito de aliança é central para entender a mensagem da Bíblia. A obra de salvação é uma aliança de impacto objetivo e cósmico, redimindo toda a criação. Seu aspecto subjetivo restringe-se à incorporação do indivíduo a essa aliança ou pacto. Em consequência, o batismo como um meio de graça que traz indivíduos para a igreja visível e enfatiza a importância da fidelidade à aliança. A teologia prática da vida em aliança é que os cristãos são chamados a viver sua fé em todas as áreas da vida, incluindo política e economia.

Três teólogos associados com a Visão Federal são James Jordan, Peter Leithart e Rich Lusk. A New St. Andrews College em Idaho é um centro associado a essa perspectiva, como também é a Auburn Avenue Presbyterian Church em Monroe, Louisiana.

Yetzer ha-Ra’

Yetzer ha-Ra’, em hebraico יֵצֶר הַרַע, é o conceito judaico de inclinação ou impulso para o mal. O conceito é derivado de Gn 6:5, 8:21.

No pensamento rabínico, Deus fez as inclinações boas (Yetzer Ṭob ou Yetzer Ha-tov) e más (Yetzer ha-Ra’). No entanto, mesmo este último tem alguma bondade, porque a humanidade então ordena o amor de Deus. Ambas as inclinações são inerentes à humanidade e não interagem de forma dissociada. Juntos, eles ajudam a criar a vida humana pelos interesses da ânsia de lucrar, casar, ter filhos, comer e beber. É similar ao conceito de vícios privados, benefícios públicos da fabula abelhas de Bernard de Mandeville.

Segundo os rabinos, o Yetzer ha-Ra’ tem sete nomes diferentes na Bíblia: mal (Gn 8:21); incircunciso (Dt 10:16); impuro (Sl 51:12); inimigo (Pv 25: 21); pedra de tropeço (Is 57:14); pedra (Ez 36:26); e oculto (Jl 3:20). É popularmente identificado com as concupiscências da carne, vingança, avareza, traquinagem infantil, ira, violência, vaidade, idolatria, inveja e outros atos reprováveis.

Mais tarde, na Idade Média, o conceito foi identificado com Satanás e com o anjo da morte (B. B. 16a; comp. Maimônides, “Moreh”, 3. 12, 3. 22).

O Yetzer ha-Ra’ não é de origem humana ou demoníaca, mas tem Deus como o Criador de tudo. O ser humano é responsável por ceder à sua influência. Com as instruções de Deus (Torá), a humanidade é capaz de resistir às más inclinações e fazer o bem. O ser humano nasce com esse impulso maligno até que surge aos treze anos, o Yetzer Ha-tov, uma inclinação contrabalançada para o bem.

De acordo com Rabi Jonathan, o Yetzer, como Satanás, engana o homem neste mundo e testemunha contra ele no mundo vindouro (Suk. 52b). No entanto, distingue-se de Satanás. Em outras ocasiões é apresentado como paralelo ao pecado. (Gen. Rabbah 22; a parábola de 2 Sm 12. 4). Deus finalmente destruirá o Yetzer ha-Ra’, como prometido em Ez 36:26.

O termo “yetzer” aparece tanto em Dt 31:21 e em Is 26:3 para a disposição da mente. No Judaísmo do Segundo Templo, essa inclinação tornou-se mais cristalizada em Siraque 15:14: “Deus criou o homem desde o princípio… e o entregou nas mãos de seu Yetzer.” (Cf. Siraque 6:22; Ed 4:8, Rm 7:7-24)

O conceito de pecado original não existe no judaísmo no sentido de a queda de Adão ter transmitido malícia e culpa à posterioridade humana. Adão e Eva já tinham a inclinação para o mal, mas o pecado de desobediência não foi motivado pela Yetzer ha-ra’. Antes, na escolha deles sopesou as duas Yetzer. Por vezes, as noções de depravação humana irremediável ou de concupiscência no cristianismo são comparáveis com o conceito de Yetzer ha-Ra’.

VER TAMBÉM

BIBLIOGRAFIA

Allen, Wayne. Thinking about Good and Evil. JPS Essential Judaism. Lincoln: Jewish Publication Society, 2021. 

Rosen-Zvi, Ishay. Demonic Desires. Divinations: Rereading Late Ancient Religion. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2011.

Rosen-Zvi, Ishay. “Refuting the Yetzer: The Evil Inclination and the Limits of Rabbinic Discourse.” The Journal of Jewish Thought & Philosophy 17, no. 2 (2009): 117-41.

Sol, Adam. “”Were It Not for the Yetzer Hara”: Eating, Knowledge, and the Physical in Jonathan Rosen’s “Eve’s Apple”.” Shofar (West Lafayette, Ind.) 22, no. 3 (2004): 95-103.

Towers, Susanna. “The Rabbis, Gender, and the Yetzer Hara: The Origins and Development of the Evil Inclination.” Women in Judaism 15, no. 2 (2018): 1.

“Yeẓer ha ra'”  Jewish Encyclopedia.

Revelação progressiva

Revelação progressiva é um princípio hermenêutico e uma doutrina de que as passagens das Escrituras posteriores contêm uma revelação mais completa de Deus do que as passagens anteriores. Alguns teólogos e religiões aplicam o conceito também para a história.

Relacionada com a doutrina da acomodação, a teoria da revelação progressiva argumenta que Deus não ensinou ou divulgou pleno conhecimento teológico, legal, moral ou científico à humanidade desde o início de sua revelação especial. Em vez disso, Deus gradualmente revelou verdades durante um longo período, de acordo com suas necessidades, e em um ritmo lento o suficiente dentro da medida humana para absorvê-las completamente.

A ideia de revelação progressiva é proposta por um espectro amplo de pensadores religiosos. Alguns representantes reivindicam um veículo de revelação final, quer na pessoa de um profeta, quer definitivamente em uma escritura sagrada em um estágio final.

Uma das mais antigas formulações de revelação progressiva aparece no zoroastrismo. O zoroastrismo postula a crença que de tempo em tempo haverá uma pessoa que comunicará as verdades divinas de forma mais ampla, mais profunda e mais plena que a comunicação anterior.

Nesse sentido, apareceu no maniqueísmo, no islã, na fé baha’i, na ahmadiyy, ano mormonismo, bem como suas variantes no cristianismo, principalmente liberal, reformado e dispensacionalista.

Na teologia liberal, aparece no ensaio “Sobre a interpretação das escrituras” de Benjamin Jowett. Como adepto da revelação progressiva, Jowett considerava que os livros da Bíblia escritos mais tarde estariam mais próximos da revelação final de Deus em Jesus Cristo, conforme revelado nos Evangelhos. As epístolas e outros escritos do Novo Testamento deveriam ser vistos em retrospectiva a figura do Jesus dos evangelhos. Assim, a revelação estaria em andamento e as Escrituras estariam sempre sujeitas a reinterpretação à cada geração.

Entre algumas vertentes reformadas, principalmente na Escola de Princeton e no Novo Calvinismo, a idea de revelação progressiva é vista como aplicação do conhecimento disponível em uma aliança não necessariamente seria a mesma na próxima aliança. Nesses termos, Geerhardus Vos dizia que revelação seria “a atividade divina, não um produto finalizado dessa atividade”. Em termos similares o dispensacionalismo apresenta um desabrochar progressivo da verdade. Contudo, ambas vertentes rejeitam a ideia de revelação continuada extracanônica.

Proponentes da revelação progressiva pode restringí-la às Escrituras ou à história da Igreja, utilizando essa doutrina para justificar doutrinas desenvolvidas teologicamente.

O cristianismo tradicional normalmente tende a rejeitar a teoria de revelação progressiva. Há nas diversas tradições cristãs históricas algumas doutrinas com traços semelhantes, porém distintas da revelação progressiva.

A doutrina da Heilsgeschichte (história de salvação) considera aspectos fenomenológicos ou de acomodação das pessoas que experimentaram os eventos da revelação especial de Deus registrada nas Escrituras.

O luteranismo e o pensamento de Barth enfocam na revelação plena em Jesus Cristo como um único evento, sobre o qual as Escrituras dão testemunhos.

No catolicismo romano há a noção de magistério eclesiástico e revelação privada. Na ortodoxia grega há o conceito de sobor, ou revelação situacional no corpo da Igreja em consenso. Em comum, consideram a revelação completa em Cristo, mas com estágios para se tornara explícitas para a fé cristã.

No pentecostalismo as revelações carismáticas (profecias, sonhos, visões, palavra do conhecimento, interpretação de línguas) são circunscritas às audiências específicas da comunidade ligada a Cristo, enquanto a revelação especial de Jesus Cristo nas Escrituras é recebida de forma sincrônica. Assim, no pentecostalismo clássico rejeita-se tanto a esquemas de revelação progressiva diacrônica, quanto de novidades de revelações particulares contradizentes ao que já é compreendido pelo Espírito Santo como revelado nas Escrituras canônicas. Alguns teólogos acadêmicos pentecostais (como Yong), tende a ver as Escrituras e a Criação como polifônicas. Assim, sendo a obra consumada de Cristo sua plena e final revelação até seu retorno, o que há na Igreja é um desenrolar de entendimento. Vale atentar, todavia, que em alguns meios pentecostais o termo “revelação” possui uma campo de significações amplas, por vezes igualado com “entendimento” ou “carismata”. Há também muitos pentecostais que aderem às ideias dispensacionalistas de revelação progressiva.

VEJA TAMBEM

Acomodação

Dispensacionalismo

Alicancismo

Heilsgeschichte

BIBLIOGRAFIA

Catecismo da Igreja Católica.

Boyce, Mary. A History of Zoroastrianism. Vol. I, Leiden: Brill, 1975.

Hodge, Charles. Systematic Theology, vol. 1, Peabody: Hendrickson, 2003, p. 446.

Jowett, Benjamin “On the Interpretation of Scripture” , Essays and Reviews. Londres: Longman, Green, Longman and Roberts, 1861, pp. 330-433

Kärkkäinen, Veli-Matti. Trinity and revelation: A constructive Christian theology for the pluralistic world; v. 2. Grand Rapids: Eerdmans, 2014.

Niebuhr, H. Richard; Ottati, Douglas F. The Meaning of Revelation. Library of Theological Ethics. Louisville, KY: John Knox Press, 2006.

Packer, J. I. “Evangelical view of progressive revelation”. Honouring the Written Word of God. The Collected Shorter Writings of J.i. Packer, V.3. Carlisle: Paternoster, 1999.

Sproul, R.C. “Progressive Revelation”, Ligonier, 2016. https://www.ligonier.org/learn/devotionals/progressive-revelation

Vos, Geerhardus. Biblical Theology: Old and New Testament. Grand Rapids: Eedmans, 1948, p.5.

Wright, George Ernest. “Progressive Revelation.” The Christian Scholar 39, no. 1 (1956): 61–65.

Johann Salomo Semler

Johann Salomo Semler (1725-1791) foi um teólogo luterano e biblista alemão.

Filho de pietistas, mas viria a aderir à teologia racionalista dos neólogos. Junto de J. A. Ernesti (1707–1781) e S. J. Baumgarten de Halle (1706–1757), Semler desvinculou a teologia dogmática da ortodoxia luterana — quer pietista, quer escolástica — abrindo o caminho para uma teologia racionalista. Em 1751 tornou-se professor na Universidade de Halle.

Os neólogos afirmavam estudar a Bíblia de um ponto de vista científico despido de pressupostos dogmáticos. Assim, buscavam provar que a teologia era compatível com uma fé racional.

Semler foi um dos primeiros teólogos alemães a aplicar o método histórico-crítico ao estudo da Bíblia.

Distinguia entre teologia e religião bem como entre Palavra de Deus e Escrituras em sua principal obra Tratado sobre a livre investigação do cânon (1771). Baseando-se na distinção que Lutero e Melâncton faziam entre Escrituras e Palavra de Deus, Semler argumentava que a revelação residia somente na Palavra de Deus. Hesitante em definir o que seria a Palavra, no entanto, empregava essa distinção, em contraste com a tradição da Reforma de considerar a tripla manifestação da Palavra de Deus. Para Semler, a Palavra de Deus seria as verdades espirituais interiores, a qual seria universal, abstrata, transcendente e capaz de levar à instrução salvítica. A Palavra de Deus seria discernível pelo testemunho do Espírito Santo no coração do leitor. Já as Escrituras seriam a acomodação dos autores humanos à revelação divina da Palavra de Deus.

A distinção entre o texto e a Palavra de Deus permitiu-lhe trabalhar criticamente com a Bíblia enquanto mantinha sua fé na autoridade da Palavra de Deus. Assim, levou em conta os aspectos humanos da composição da Biblia. Notou sistematicamente vieses pró e antijudaico no Novo Testamento. Enquanto os textos bíblicos foram escritos para audiências específicas, a Palavra de Deus seria universal.

Questinou autoridade e autenticidade de parte do conteúdo bíblico.
Considerava que muito do texto bíblico seria local e efêmero, portanto não normativo. Desse modo, rejeitou tentativas de harmonização dos evangelhos em uma narrativa singular, salientando as perspectivas únicas de cada evangelho. Inaugurou a crítica de audiência, notando que Jesus e os discípulos acomodavam seus discursos às suas audiências.

A produção de Semler foi vasta, sendo estimada entre 171 e 250 publicações. Muitas de suas novas conclusões eram pouco ortodoxas. Apesar disso, questionava as doutrinas do racionalismo (principalmente do spinozeísmo), do naturalismo, do deísmo e dos socinianos. Sustentava, no entanto, que os ministros deveriam ser obrigados a subscrever publicamente a confissão de fé conforme a doutrina tradicional.

BIBLIOGRAFIA

Hornig, Gottfried. “Die Anfänge der historisch-kritischen Theologie: Johann Salomo Semlers Schriftverständnis und seine Stellung zu Luther.” Forschungen zur systematischen Theologie und Religionsphilosophie (1961).

Kümmel, Werner Georg. “Semler, Johann Salomo: Abhandlung von freier Untersuchung des Canon. Hrsg. von H. Scheible.” Theologische Rundschau 35.4 (1970): 366-366.

Kümmel, Werner Georg. The New Testament: The History of the Investigation of It’s Problems. Trad. MacLean Gilmour, Howard C. Kee. Nashville: Abingdon Press, 1972.

Paschke, Boris. Semler and Historical Criticism. Concordia Theological Quarterly 80 (2016), 113-132.

Schroter, Marianne. Aufklarung durch Historisierung: Johann Salomo Semlers Hermeneutik des Christentums. Berlin: Gruyter, 2012.

História da Redenção

A Escola Histórico-Redentora, História da Redenção ou Histórico-Redentiva é uma abordagem interpretativa, sistema teólogico de teoloa bíblica que busca entender toda a Bíblia como uma narrativa unificada do plano de Deus para a redenção.

Parte de um pressuposto de natureza progressiva da revelação de Deus, seu caráter objetivo e a importância de compreender o contexto histórico e cultural de cada passagem dentro desse plano.

A Escola Histórico-Redentiva vê toda a Escritura em termos do desdobramento da revelação da aliança da graça de Deus que culmina em Cristo, o Messias e Mediador dessa aliança. Assim, enfatiza a importância de ver Cristo como o centro da narrativa bíblica, com todos os planos e propósitos de Deus apontando para Ele. Essa abordagem vê as diferentes alianças na Bíblia como parte de uma aliança abrangente de redenção, com Cristo como o cumprimento final dessa aliança. No entanto, cada aliança era a expressão de uma única convenção maior e economia de salvação: a graça. O desdobramento da revelação da aliança da graça como a única narrativa das Escrituras.

Nos Estados Unidos começou na década de 1940, difundida por Geerhardus Vos, mas remonta aos teólogos reformados holandeses do século XIX.

BIBLIOGRAFIA

Gaffin, Richard B. Jr., ed., Geerhardus Vos, Redemptive History and Biblical Interpretation (Phillipsburg, New Jersey: P & R Publishing, 2001.