Poliglota de Antuérpia

A Poliglota de Antuérpia, obra monumental publicada entre 1568 e 1572, representa um marco na história dos estudos bíblicos. Encomendada pelo rei Filipe II da Espanha e editada por Benito Arias Montano, esta Bíblia poliglota reuniu textos em hebraico, aramaico, grego, latim e siríaco, além de incluir traduções em aramaico para o Novo Testamento e em grego para o Antigo Testamento. Idealizada pelo impressor Plantin, a Poliglota foi impressa em oito volumes no formato fólio, sendo por isso conhecida também como “Bíblia Real” e “Bíblia Plantiniana”.

A Poliglota de Antuérpia utilizou tipos especialmente criados para as línguas orientais e incorporou uma correção da tradução latina da Bíblia feita por Sanctes Pagninus. Anos mais tarde, entre 1599 e 1613, edições do texto latino de Pagninus foram publicadas, com uma tradução interlinear palavra por palavra do hebraico, incluindo as vogais, o que a tornou uma ferramenta valiosa para o aprendizado do idioma. Essa edição, publicada em onze volumes, trazia o título “Bíblia Hebraica com Interpretação Latina Interlinear de Sanctes Pagninus de Lucca” no primeiro volume, que continha Gênesis e Êxodo.

O décimo volume da Poliglota, que começa com o Evangelho de Mateus, apresentava o título “Novo Testamento Grego com a Interpretação Latina Comum Inserida nas Linhas do Contexto Grego”. Nele, a tradução latina, de autoria de Arias Montano, aparece acima do texto grego, palavra por palavra.

Esta obra teve um impacto significativo nos estudos bíblicos, fornecendo aos estudiosos uma ferramenta poderosa para o estudo comparativo de diferentes versões e traduções das Escrituras. A inclusão de textos em línguas originais e antigas permitiu uma análise mais precisa e aprofundada dos textos bíblicos, contribuindo para uma melhor compreensão do seu significado e contexto.

Além disso, a Poliglota de Antuérpia influenciou a produção de outras Bíblias poliglotas, como a Poliglota de Paris (1645) e a Poliglota de Londres (1657). Ela também inspirou e facilitou a tradução da Bíblia para diversas línguas vernáculas.

Versões gregas impressas

As Bíblias impressas em grego para uso de falantes nativos ou para a Igreja Ortodoxa coincide com o desenvolvimento dos estudos bíblicos e helênicos do mundo Ocidental. Por vezes, a relação entre os publicadores com a erudição bíblica ocidental foi conflituosa.

Primeiras Tentativas (Séculos XVI a XVIII)

  • Enquanto prisioneiro dos venezianos, em 1536, Ioannikios Kartanos compilou uma obra didática com traduções de passagens bíblicas no grego moderno.
  • Agápio de Creta publicou em 1543 com uma tradução dos Salmos.
  • Uma edição poliglota única do Pentateuco, publicada em Constantinopla em 1547, apresentava hebraico, aramaico e grego ao lado de uma tradução em espanhol.
  • Maximos de Gallipoli produziu um Novo Testamento vernáculo em 1629, impresso em Genebra em 1638. Esta iniciativa do Patriarca Cirilo Lucaris refletia uma tendência pró-Reforma dentro da Igreja Ortodoxa.

Controvérsia e Inovação (Séculos XVIII a XIX)

  • O Novo Testamento em grego moderno de Serafim de Mitilene, publicado em Londres em 1703, enfrentou rápida condenação pela Igreja Ortodoxa pelo uso da linguagem vernacular. Este episódio destaca a tensão entre tradição e acessibilidade, resultando no exílio de Serafim na Sibéria.
  • O Novo Testamento de Vamvas (1833-1850) aderiu ao Textus Receptus ocidental, mas usou uma forma de grego katharevousa (um registro literário arcaico). Não foi adotado pela Igreja Ortodoxa, mas se tornou a versão oficial de muitas igrejas evangélicas gregas.

O tumultuado século XX

  • O início do século XX teve um período de intensa atividade e controvérsia. Três novas traduções em grego moderno – a Paráfrase de Anaplasis, a Tradução da Rainha Olga e a Evangélica de Pallis (a primeira tradução demótica) – apareceram quase simultaneamente.
  • O trabalho de Pallis, baseado no emergente Texto Crítico, provocou os “motins do evangelho” devido à suspeita pública de sua conexão com o projeto da Rainha Olga. Este evento resultou tragicamente em mortes e, por fim, levou à proibição de traduções da Bíblia em grego moderno.
  • A edição do Texto Patriarcal em 1904 tornou-se padrão para a Igreja Ortodoxa.
  • A proibição foi finalmente suspensa no final do século XX. A Versão Grega de Hoje (1985), baseada no Texto Antoniadis e aprovada pela Igreja Ortodoxa, marcou uma virada e maior aceitação das ciências bíblicas.
  • Desde então, várias traduções demóticas, incluindo as de Spyros Filos e Antonis Malliaris, aumentaram a disponibilidade das Bíblias impressas em grego. A versão de Malliaris, no entanto, gerou debate devido à sua interpretação livre do texto fonte.

João Ferreira de Almeida

João Ferreira Annes d’Almeida ou João Ferreira de Almeida (1628 -1691) foi um ministro pregador da Igreja Reformada nas Índias Orientais Holandesas e tradutor da Bíblia ao português.

VIDA

Originário de Torre de Tavares, Várzea de Tavares, concelho de Mangualde, Portugal, não sabe muitos detalhes sobre o início de sua vida. Ao longo da vida ganhou diversos graus de proficiência do latim, grego, italiano, espanhol, francês e holandês.

Em 1642, aos quatorze anos de idade, João Ferreira de Almeida estava na Ásia e converteu-se ao protestantismo ao ler um panfleto em espanhol. No ano anterior, forças holandesas tinham conquistado várias colônias portuguesas na Ásia.

Em 1645 traduziu Novo Testamento para o português a partir do latim da versão de Teodoro de Beza, consultando versões em castelhano, francês e italiano. Essa tradução circulou manuscrita e nunca foi impressa.

Em 1654 fez uma nova tradução do Novo Testamento, solicitada pela Igreja Reformada no Ceilão. Em 1676, já em Jacarta, terminou sua terceira revisão.

É posto no ministério de consolador ou visitador (referido com o título de “padre”) da Igreja Reformada. Exerceu seu ministério em Malaca, no Sul da Índia, em Ceilão e em Batávia, atual Jacarta.

Em 1681 saiu a primeira edição impressa do Novo Testamento. Foi revisada pelo holandês-brasileiro Bartholomeus Heynen e o holandês Joannes de Vooght. É possível um terceiro revisor anônimo, um judeu convertido. No entanto, veio com vários erros editoriais. As autoridades holandesas decretaram seu recolhimento. Almeida anotou uma revisão em um exemplar, hoje guardado na Biblioteca Nacional em Lisboa. Ainda há nessa mesma biblioteca outro exemplar dessa edição. Já na Biblioteca Real de Haia e a British Library guardam outros dois exemplares sobreviventes.

A segunda edição do Novo Testamento em português, revista pouco antes da morte de Almeida, veio a ser publicada postumamente em 1693. Teria sido revista por Jacobus op den Akker e Theodorus Zas, ambos ministros formados em teologia em Utrecht.

A Society for Promoting Christian Knowledge, de Londres, financiou a terceira edição do Novo Testamento de Almeida, em 1711, publicada em Amsterdam.

Ao morrer, Almeida tinha traduzido o Antigo Testamento até o livro de Ezequiel 48:21. Em 1694, Jacobus op den Akker, que era pastor da Igreja Reformada Holandesa, retomou o trabalho e terminou o Antigo Testamento.

O Antigo Testamento foi publicado em Tranquebar de forma seriada: iniciou em 1719 (Pentateuco), 1732 (Profetas Menores), 1738 (Livros Históricos), 1740 (Salmos), 1744 (Jó a Eclesiastes), 1751 (Profeta Maiores, com tradução de Daniel pelo missionário Christóvão Theodosio Walther) e 1757 (Pentateuco). Paralelamente, foi publicada em dois volumes na Batávia, entre 1748 (Gênesis-Ester) e 1753 (Salmos-Malaquias).

Em 1712 a missão luterana de Tranquebar reimprimiu a edição de 1681. A primeira edição revista substancialmente do Novo Testamento, feita em Tranquebar, apareceu em 1760 (quatro evangelhos) e 1765 (resto do Novo Testamento). A primeira edição da Bíblia completa, apenas em 1819 pela gráfica de R.E. A. Taylor em Londres, sob encomenda da Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira.

O PROCESSO DE TRADUÇÃO

Para o Antigo Testamento Almeida não traduziu diretamente do hebraico, mas de outras versões. Teria utilizado como base principal versão espanhola de Cypriano de Valera de 1602 (a Biblia del Cántaro), a qual tinha sido a Bíblia del Oso (de Casiodoro de Reina) revisada com base na Bíblia de Ferrara e na versão de Pagnino. Outra fonte teria sido a Bíblia Diodati em italiano e a Olivetan em francês. Como controle, também empregou a versão holandesa Statenvertaling (1637), cujos autores reivindicaram ser a mais fiel tradução em línguas vernáculas da era da Reforma. Hoje é consenso que Almeida não se baseou na Vulgata (Fernandes 2021). É provável que tenha tido contato com a Bíblia Poliglota de Antuérpia (1572) de Benito Arias Montano e a versão latina de Sancte Pagnino.

A tradução do Novo Testamento começou a partir do espanhol. Consultou a versão latina de Teodoro de Beza, com auxílio de versões em espanhol, francês e italiano. Para a base grega, certamente a versão empregada foi o Textus Receptus de Jan Jansson, impresso em Amsterdam em 1639. (Cavalcante Filho, 2013). Teria também tido acesso a edições de Beza, Roberto e Henricus Stephanus, e Elzevier 1641.

Além da Bíblia também escreveu alguns panfletos: Diferença da Cristandade (1668); Duas Epístolas e Vinte Propostas (1672); um Apêndice à Diferença da Cristandade (1673); Diálogo Rústico e Pastoril (1680).

O biblista Herculano Alves chama Almeida de o autor de língua portuguesa que mais vendeu. No esteio de sua versão, várias revisões levam seu nome.

BIBLIOGRAFIA

Alves, Herculano. A Bíblia de João Ferreira Annes d’Almeida. Coimbra: Sociedade Bíblica de Portugal, Sociedade Bíblica do Brasil, Difusora Bíblica, 2006.

Cavalcante Filho, Jairo Paes. “O método de tradução de João Ferreira de Almeida: O caso do Evangelho de Mateus.” Mestrado em Ciências da Religião. Universidade Metodista de São Paulo, 2013.

Fernandes, Luis Henrique M. “Diferença da Cristandade: a controvérsia religiosa nas Índias Orientais holandesas e o significado histórico da primeira tradução da Bíblia em português (1642-1694)”. Tese de Doutorado em História Social, USP, 2016.

Fernandes, Luis Henrique Menezes. “As fontes textuais da Bíblia Almeida: Sistematização e esquadrinhamento do status quaestionis.” REVER: Revista de Estudos da Religião 21.2 (2021): 45-61.

Versões coptas

As versões coptas da Bíblia feitas no conjunto de dialetos egípcios pós-helenistas figuram, talvez, entre as primeiras a serem traduzidas.

A língua copta é derivada do egípcio antigo. Durante o período helenístico começou-se a utilizar o alfabeto unical grego, mais sete caracteres retirados do demótico egípcio. Como língua corrente, foi a língua majoritária do Egito até o final do primeiro milênio d.C., quando gradativamente foi suplantada pelo árabe. No século XVII deixou de ser falada no cotidiano, mas permaneceu como língua litúrgica dos cristãos coptas.

Tanto o Antigo e o Novo Testamento foram traduzidos para cinco dos dialetos do copta: boárico (norte), faiúmico, saídico (sul), acmímico e mesoquêmico (meio do Egito). Quase em sua totalidade foram utilizados papiros.

São testemunhas importantes para a história textual. O cânon é semelhante às outras grandes versões, mas a ordem dos livros diferem em alguns casos.

A ordem dos livros no cânon boárico são evangelhos (João, Mateus, Marcos, Lucas), epístolas paulinas (Hebreus entre 2 Tessalonicenses e 1 Timóteo), epístolas católicas, Atos e Apocalipse (embora o Apocalipse conste em relativamente poucos manuscritos).

As versões em saídico são evangelhos (João, Mateus, Marcos, Lucas), epístolas paulinas (Hebreus entre 2 Coríntios e Gálatas), epístolas católicas, Atos e Apocalipse.

Versões hebraicas do Novo Testamento

Apesar de raras, traduções do Novo Testamento para o hebraico surgiram por vários motivos. Originalmente feitas para fins privados, polêmicos ou servindo conversos, o Novo Testamento foi traduzido do grego, latim ou outras línguas para o hebraico.

Traduções de Mateus. Há pelo menos 50 versões do Evangelho de Mateus para o hebraico. A maioria datam do Renascimento em diante.

Mateus de Du Tillet. Heb.MSS.132 da Biblioteca Nacional, em Paris. Contém reminiscências de uma antiga versão hebraica, talvez remontando da Antiguidade Tardia. O manuscrito foi obtido pelo bispo Jean du Tillet dos judeus italianos em uma visita a Roma em 1553, e publicado em 1555.

Sefer Nestor ha-Komer . “O Livro de Nestor, o Sacerdote”, século VII. Contém citações significativas de Mateus, aparentemente de um texto latino.

Toledot Yeshu. “Vida de Jesus”, século VII. Uma paráfrase polêmica.

Mateus de Shem Tov ben Isaac ben Shaprut. Feita em Aragão em 1385.

Mateus de Sebastian Münster, 1537, versão impressa do Evangelho de Mateus, dedicado ao rei Henrique VIII da Inglaterra.

Mateus de Ezekiel Rahabi, Friedrich Albert Christian e Leopold Immanuel Jacob van Dort , 1741-1756. Edição hoje perdida.

Travancore Hebrew New Testament of Rabbi Ezekiel. Um exemplar comprado por Claudius Buchanan em Cochim, Índia.

Mateus de Elias Soloweyczyk, 1869.

Epístolas aos Hebreus de Alfonso de Zamora (1526).

Bíblia dodecaglota de Hütter. O Novo Testamento completo publicado por Elias Hütter, em sua edição poliglota em doze idiomas. Feita em Nuremberg, em 1599, 1600, em dois volumes.

A partir do século XIX surgiram várias edições completas do Novo Testamento em hebraico, boa parte publicadas pelas sociedades bíblicas e traduzidas diretamente do grego.