Estevão Gobaro

Estevão Gobaro (c. 540-570), um autor do século VI, identificado como um “aristotélico” e “triteísta”, cujos escritos destacaram contradições aparentes nas tradições teológicas da Igreja.

Conhecido exclusivamente através de Fócio, o patriarca de Constantinopla no século IX e também bibliógrafo. Gobaro é mais notado por sua obra, cujo título é desconhecido, mas que foi amplamente criticada por Fócio por sua falta de benefício correspondente ao esforço evidente de sua composição. A obra consiste em cinquenta e dois tópicos gerais e eclesiásticos, além de algumas questões mais específicas.

O método de Gobaro consistia em listar opiniões antitéticas sobre cada tema. Organizava seu material citando tanto fontes que confirmavam a doutrina eclesiástica quanto aquelas que sustentavam posições rejeitadas. Essas últimas eram fundamentadas em citações de escritores antigos, que, segundo Fócio, não examinavam suas posições com precisão. Em contraste, as doutrinas eclesiásticas eram apoiadas por testemunhos de homens santos que articulavam a verdade de forma precisa. Entre os temas abordados, destacam-se questões como a ressurreição dos justos, o conceito de milênio, o local do paraíso e a natureza dos corpos ressuscitados.

Gobaro também discute opiniões específicas relacionadas à teologia e aos escritos de figuras influentes. Ele analisa as impressões de Severus de Antioquia sobre os “instrutores santos”, bem como suas opiniões sobre declarações feitas por Cirilo e João, em sua carta a Tomás, bispo de Germanícia. Gobaro rejeita algumas afirmações de Gregório de Nissa, Papias de Hierápolis e Irineu de Lyon, particularmente aquelas relacionadas ao reino dos céus como um estado de deleite tangível.

A relação de Gobaro com os escritos de Papias é significativa. Fócio menciona que Gobaro chamou Papias de mártir, o que, se confirmado, seria a primeira menção existente sobre o martírio de Papias. No entanto, essa informação reflete uma transmissão indireta de fontes, passando por Severus, Gobaro e, finalmente, Fócio. Gobaro, portanto, é uma figura cuja obra fornece uma visão fragmentada e indireta das tradições teológicas e debates do cristianismo primitivo, preservada unicamente pela crítica de um escritor posterior.

Gobaro, Sic et Non de Pedro Abelardo e as Sentenças de Pedro Lombardo compartilham certas semelhanças metodológicas em sua abordagem das tradições teológicas, mas também apresentam diferenças significativas em termos de objetivos, organização e contexto histórico.

O Sic et Non de Pedro Abelardo, escrito no século XII, adota uma estratégia semelhante de apresentar pares de citações aparentemente contraditórias de autoridades teológicas e patrísticas. No entanto, o objetivo de Abelardo é fomentar a análise crítica e incentivar os leitores a resolverem as contradições por meio da razão e do estudo. Ele utiliza essa abordagem dialética para avançar a compreensão teológica, insistindo na importância da lógica e do rigor intelectual como ferramentas para harmonizar os textos contraditórios.

As Sentenças de Pedro Lombardo, por outro lado, representam uma abordagem mais sistemática e conciliadora, típica da escolástica madura. Escrito também no século XII, o texto organiza e sintetiza as tradições teológicas em quatro livros temáticos (Deus, criação, Cristo e os sacramentos). Embora Lombardo reconheça a existência de opiniões divergentes entre os Padres da Igreja, seu objetivo é propor uma teologia unificada e coerente. As Sentenças evitam expor contradições sem solução, concentrando-se em harmonizar as posições teológicas com base na razão e na autoridade eclesiástica.

Teoria da influência moral

A teoria da influência moral é uma doutrina subjetiva da reconciliação para explicar o motivo da obra redentora de Cristo e por quais meios altera a humanidade.

Por essa doutrina, a justiça de Deus é igual a seu amor. Como o pecado é uma ofensa produzida contra essa justiça e amor, Deus dispensou sua graça para reparar o pecador. Por Deus possuir um infinito amor pela humanidade, perdoa os pecados sem exigir punição ou penitência. Deus desperta o amor da humanidade ao enviar Jesus como seu exemplo obediente desse amor. Como deixaria de ser amor se fosse forçado, a obra de ensinos e obediência até a morte de Cristo incutiram o amor a Deus na humanidade.

Os textos bases para essa teoria são Jo 15:13; Rm 5:8; 2 Co 5:17-19; Fp 2:5-11; Cl 3:24. 1 Pe 2:21 e 1 Jo 2:6.

Originalmente traços da teoria da influência moral apareceram com Agostinho, mista com alguns elementos da teoria da satisfação. Como doutrina distinta foi proposta pelo teólogo medieval francês Pedro Abelardo. Ele rejeitou a ideia da morte de Jesus como um resgate pago ao Diabo, pois atribuía poderes divinos a um oponente maligno. Ele também se opôs à teoria da satisfação de Anselmo de que a morte de Jesus seria uma dívida paga à honra de Deus.

“A nossa redenção está, portanto, naquele amor supremo despertado em nós pela paixão de Cristo, amor que não só nos liberta da escravidão do pecado, mas também nos torna participantes da verdadeira liberdade dos filhos de Deus, para que façamos todas as coisas não por medo mas por amor Àquele que nos concedeu tão grande graça”.

Abelardo. Ad Romanos 2:22

Uma perspectiva relacionada, mas que não deve ser confundida, é a “teoria do exemplo moral”, desenvolvida por Faustus Socinus. Enquanto a teoria do exemplo moral a salvação resulta da imitação das obras e seguir os exemplos de Cristo, a teoria da influência moral postula que a obra reconciliatória de Cristo compele o ser humano pecador, pelo Espírito Santo, a amar a Deus e a fazer obras de justiça.

Variantes da teoria da influência moral podem ser encontradas em Johann Albrecht Bengel e nos pietistas de Württemberg, Friedrich Schleiermacher (1768-1834), Hosea Ballou (1771 – 1852), Horace Bushnell (1802-1876) e entre os reformados holandeses em Herman Wiersinga (1927 –2020).

Ballou exemplifica a posição do início do século XIX sobre essa teoria. Sustentava que a vida e os ensinamentos de Jesus são o que traz a reconciliação entre Deus e a humanidade. O amor e compaixão de Jesus nos inspira a abandonar o pecado e seguir o caminho da retidão. Essa teoria enfatiza o poder transformador do amor e a importância de viver uma vida virtuosa.

Raramente lido em seus próprios termos e em seu método dialético, a teoria de influência moral de Abelardo tende a ser representada de forma caricata. Uma das representações distorcidas ocorre principalmente tornar a morte de Cristo sendo um mero exemplo. No entanto, Abelardo enfatiza que Cristo morreu por causa de nossos pecados porque realmente cometemos essas transgressões. Como um dos primeiro proponentes do intencionalismo da vontade, Abelardo dizia que a fé (a confiança) nesse amor de Deus mediante a influência moral de Cristo possibilitaria alinhar o arbítrio da pessoa com a intenção amorosa de Deus. Assim, o ser humano redimido desviaria-se da intenção de pecar e seria conduzido pelo amor a Deus.

Uma crítica à teoria da influência moral é que não explica o motivo da necessidade para a vinda e morte de Cristo, pois qualquer mártir poderia impactar a humanidade de modo despertar tal amor a Deus.

BIBLIOGRAFIA

Barclay, William. The Plain Man Looks at the Apostles’ Creed. Glasgow: William Collins Sons & Co., 1979.

Ballou, Hosea. A Treatise on Atonement. 1805.

Bushnell, Horace. The Vicarious Sacrifice: Grounded in Principles of Universal Obligation. RD Dickinson, 1892.

Crisp, Oliver D. “Moral Exemplarism and Atonement.” Scottish Journal of Theology, vol. 73, no. 2, 2020, pp. 137–149., doi:10.1017/S0036930620000265.

Finlan, Stephen. Salvation Not Purchased: Overcoming the Ransom Idea to Rediscover the Original Gospel Teaching. Eugene: Cascade Books, 2020.

Pedro Abelardo. Expositio in Epistolam ad Romanos.

Quinn, Philip L., 1993 [2009], “Abelard on the Atonement: Nothing Unintelligible, Arbitrary, Illogical, or Immoral About It”, in Rea, Michael C., Oxford Readings in Philosophical Theology, Vol. 1: Trinity, Incarnation, Atonement, New York: Oxford University Press,  2009, pp. 348–365.

Rashdall, Hasting. The Idea of Atonement in Christian Theology. Londres: Macmillan, 1919.

Pedro Abelardo

Pedro Abelardo (em francês Pierre Abélard; Latim: Petrus Abaelardus ou Abailardus) (c. 1079 – 1142) foi um filósofo escolástico francês medieval.

Nascido na Bretanha, tornou-se um professor em Paris. Suas atividades na cidade marcou a transição da teologia como uma atividade monástica para um ambiente universitário. Nesse ambiente, foi um professor popular.

Tratou os autores da antiguidade clássica com respeito em tempos que eram desconsiderados por serem “pagãos”.

Promoveu o conceitualismo como solução para o problema dos universais. Em sua ética, passou a considerar a intenção ao invés dos resultados ou dos atos em si.

Ficou conhecido por seu caso de amor trágico com sua brilhante aluna e eventual esposa, Heloísa (Héloïse d’Argenteuil). Defendia os direitos das mulheres, inclusive seu acesso à educação. Foi castrado por ordem do tio abusivo de Heloísa. Depois disso, o casal passou a viver separadamente em vida monástica.

Dentre suas doutrinas estão o conceito de limbo e a teoria da influência moral da expiação. Na ética, propôs o intencionalismo.

Sua obra mais famosa é Sic et Non, que apresenta opiniões conflitantes sobre questões teológicas e filosóficas.

SAIBA MAIS

Abelardo, Pedro. Ética de Pedro Abelardo. Traduzido, editado e anotado por Marcio Chaves-Tannús. Edufu, 2015.