2 Esdras

O nome 2 Esdras é atribuído a dois livros distintos. Um deles corresponde ao que hoje se conhece como Neemias. O outro é um texto denominado 2 Esdras que não integra o cânon judaico, protestante, católico ou ortodoxo. Este livro foi escrito tardiamente para ser incluído na Septuaginta, mas foi incorporado como apêndice da Vulgata e também está presente entre os Apócrifos da versão King James e da Revised Standard Version.

O livro de 2 Esdras é uma antologia, dividida em três partes. A mais antiga, 2 Esdras 3–14, é um apocalipse judaico geralmente conhecido como “4 Esdras” ou “Apocalipse de Esdras”, datado entre 95 e 100 d.C. As partes denominadas “5 Esdras” e “6 Esdras”, correspondentes a 2 Esdras 1–2 e 15–16, respectivamente, são textos apocalípticos cristãos do segundo ou terceiro século d.C.

A primeira seção, conhecida como 5 Esdras (2 Esdras 1-2), é um texto cristão do século II d.C., escrito em grego, que aborda o tema da rejeição de Israel como povo escolhido e sua substituição pela Igreja. A linguagem e o conteúdo desta seção ecoam temas do Novo Testamento, incluindo a figura do “Filho de Deus” e promessas de descanso eterno para os fiéis (2:34-35). A seção reflete o contexto de disputas entre cristãos e judeus, apresentando uma visão triunfalista do cristianismo emergente.

A segunda e mais significativa seção, chamada de 4 Esdras (2 Esdras 3-14), é um texto judaico datado de cerca de 100 d.C. Este livro foi composto em resposta à destruição de Jerusalém e do Templo pelo exército romano em 70 d.C., oferecendo uma reflexão teológica sobre o sofrimento de Israel e a justiça divina. É notável o desenvolvimento do personagem de Esdras, que, ao longo das visões, cresce de um questionador aflito a um profeta plenamente consolado. O livro culmina em uma visão do Messias pré-existente e na promessa da Nova Jerusalém, reforçando a esperança escatológica judaica.

O cerne teológico de 4 Esdras reside em suas sete visões, que exploram temas como o problema do mal, a soberania divina, e a esperança messiânica. Um destaque é a visão do “homem maravilhoso” que surge do mar (capítulo 13), uma figura messiânica que derrota os gentios e estabelece o reino de Deus. Este Messias pré-existente lembra o “Filho do Homem” descrito em 1 Enoque, exemplificando a intertextualidade da literatura apocalíptica judaica.

A última visão de 4 Esdras (capítulo 14) apresenta Esdras como um novo Moisés, recebendo a inspiração divina para restaurar as escrituras sagradas perdidas. Ele dita 94 livros, dos quais 24 são os textos canônicos da Bíblia Hebraica, enquanto os outros 70 são “apócrifos”, destinados apenas aos sábios. Esta divisão reflete uma visão de que a revelação divina possui diferentes níveis de acessibilidade, distinguindo entre o público em geral e uma elite espiritual.

A escolha de ambientar 4 Esdras durante o exílio babilônico, apesar de sua composição posterior ao ano 70 d.C., é uma estratégia literária que conecta a crise contemporânea à experiência histórica de Israel. As referências aos imperadores romanos Vespasiano, Tito e Domiciano nas visões do “eagle vision” (capítulos 11-12) deixam claro que o autor escreve em resposta direta à opressão romana, utilizando simbolismos apocalípticos para criticar o poder imperial.

Finalmente, a seção conhecida como 6 Esdras (2 Esdras 15-16) é uma obra cristã do final do século III d.C., também escrita em grego. Este texto apresenta oráculos de destruição contra os inimigos do povo de Deus e exortações aos cristãos para perseverarem em meio à perseguição. A linguagem apocalíptica e as imagens utilizadas, como o uso de “Babilônia” como codinome para Roma, mostram a influência do livro do Apocalipse e a continuidade das tradições apocalípticas judaicas adaptadas para o cristianismo. 6 Esdras, com suas exortações a perseverar e sua expectativa de intervenção divina, retrata a vida cristã sob o domínio romano, ecoando as tensões do período.

Este texto não faz parte da Bíblia Hebraica nem da Septuaginta, mas está incluído na Vulgata latina sob o título “IV Esdras”. No entanto, a nomenclatura gera confusão: na Septuaginta, o livro chamado “2 Esdras” é uma tradução grega do livro de Esdras na Bíblia Hebraica, enquanto a Vulgata apresenta um livro chamado “II Esdras”, que é a tradução latina da segunda metade do mesmo livro, correspondente a Neemias nas Bíblias em inglês. Bíblias protestantes incluem “2 Esdras” nos Apócrifos, enquanto as católicas o excluem dos livros deuterocanônicos, embora esteja presente na Bíblia Douay-Rheims. “4 Esdras” é considerado canônico nas tradições etíope e ortodoxa russa, enquanto em Bíblias eslavas é conhecido como “3 Esdras” e possui status semicânonico na tradição armênia.

Os aspectos linguísticos de “4 Esdras” sugerem que foi originalmente composto em hebraico, ou talvez aramaico, e posteriormente traduzido para o grego. Nem o original semítico nem a tradução grega sobreviveram, exceto por alguns trechos citados por autores cristãos antigos, como Clemente de Alexandria. Além da forma latina da Vulgata como 2 Esdras 3–14, “4 Esdras” é preservado em versões siríaca, etíope, árabe, eslava, armênia e georgiana, além de um fragmento copta.

Embora “4 Esdras” alegue ter sido escrito na Babilônia por Esdras, trinta anos após a queda de Jerusalém no século VI a.C., tal afirmação é fictícia e típica da literatura apocalíptica, que atribui textos a figuras sábias do passado para conferir autoridade às revelações. Na verdade, foi escrito no final do primeiro século d.C., e “Babilônia” é uma metáfora para Roma. A destruição de Jerusalém se refere à captura da cidade pelos romanos em 70 d.C. O número trinta, suficientemente preciso, situa a composição por volta do ano 100. Evidências corroborativas incluem as alusões históricas na Visão da Águia, que indicam uma composição logo após o assassinato do imperador Domiciano, em 96 d.C., com atualizações posteriores por volta de 218 d.C.

A estrutura de “4 Esdras” consiste em sete visões, sendo as três primeiras diálogos entre Esdras e o anjo Uriel, as três seguintes visões simbólicas e a última uma teofania que introduz uma narrativa sobre Esdras e os livros sagrados. Apesar do uso de materiais pré-existentes, o autor demonstra criatividade ao integrar as tradições apocalípticas judaicas, especialmente o livro de Daniel, em uma narrativa unificada. O objetivo principal de “4 Esdras” é oferecer uma defesa do pensamento apocalíptico como sistema de conhecimento e teoria de justiça, ao mesmo tempo em que responde à situação histórica de seu público.

A progressão narrativa harmoniza gradualmente a perspectiva transcendente de Uriel com a de Esdras, refletindo a jornada do leitor em direção à compreensão e aceitação da visão apocalíptica. Este processo é um elemento-chave para consolar os leitores diante de sua perda catastrófica, assegurando-lhes que há justiça e propósito na existência, mesmo que esses sejam difíceis de compreender. Assim, “4 Esdras” representa uma das expressões mais sofisticadas do pensamento apocalíptico, combinando profundidade teológica com uma estrutura narrativa engenhosa.

Além disso, “5 Esdras” e “6 Esdras”, apesar de menos elaborados e teologicamente complexos, complementam o corpus com perspectivas cristãs apocalípticas, refletindo o esforço das comunidades cristãs em se distinguir do judaísmo e abordar temas de perseguição e julgamento iminente. Esses textos, embora secundários, ampliam a influência literária e teológica de “4 Esdras” ao longo da história cristã.

A canonicidade deste livro tem uma história complexa. Aparece em edições protestantes na Bíblia de Zurique com o nome “4 Ezra,” assim como nas traduções de Coverdale, a Bíblia de Matthew, a Bíblia de Cranmer e a Bíblia dos Bispos. Em contraste, a King James Version e a Bíblia de Genebra referem-se a ele como “2 Esdras.” Na Vulgata, aparece no final das edições Sixtina e Clementina, mas foi excluído do cânone oficial pelo Concílio de Trento, que decidiu por sua rejeição como escritura canônica.

Nos primeiros séculos do cristianismo, 2 Esdras foi amplamente aceito por diversos autores patrísticos. A Epístola de Barnabé o cita como palavras de um profeta, assim como Clemente de Alexandria, que refere-se a ele como “Esdras, o profeta.” Ambrósio também reconhece seu conteúdo como revelações divinas. Sua história mais conhecida, a reescrita inspirada da Lei por Esdras após sua destruição por Nabucodonosor, foi frequentemente mencionada por figuras como Irineu, Tertuliano, Clemente de Alexandria e Crisóstomo. No contexto da Igreja Etíope, 2 Esdras é considerado canônico e mencionado em textos devocionais como o Organon da Virgem Maria Bem-Aventurada, que rememora o esforço de Esdras para restaurar a Lei perdida.

Por outro lado, Jerônimo foi um dos primeiros a rejeitar a canonicidade do texto, afirmando que a Igreja não o havia recebido como escritura inspirada. Ele denunciou aqueles que o consideravam parte do cânone, como Vigilâncio, com uma crítica contundente que também revelava o consenso dos estudiosos hebreus da época. A exclusão de 2 Esdras do cânone foi formalizada pelo Concílio de Trento, enquanto Martinho Lutero chegou a descrever o livro como inferior até mesmo às Fábulas de Esopo. Apesar disso, permanece sua relevância como um testemunho do pensamento judaico pré-cristão sobre temas como a imortalidade da alma e a figura messiânica como Filho de Deus.

Uma das tradições mais influentes presentes em 2 Esdras é a narrativa da restauração das escrituras. De acordo com o texto, Esdras, após orar para recuperar os livros perdidos, recebe a inspiração divina para ditar 94 livros em 40 dias, dos quais 24 foram dados ao povo como substituição das escrituras destruídas. Essa tradição, muitas vezes associada ao papel de Esdras como representante dos “homens da Grande Sinagoga,” foi amplamente difundida e moldou a visão de Esdras como restaurador da literatura sagrada. Escritores como Irineu, Tertuliano, Clemente de Alexandria e outros perpetuaram essa visão, conectando-a às discussões sobre o papel de Esdras na formação do cânone judaico.

Embora incluído entre os livros para edificação no Artigo 6º da Igreja da Inglaterra, 2 Esdras não é lido nas liturgias anglicanas. O livro exerceu influência em movimentos marginais e grupos religiosos emergentes. Ele teve destaque entre anabatistas e primeiros adventistas, onde foi usado para fundamentar crenças apocalípticas.

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Adições a Ester

As Adições ao livro de Ester referem-se a um conjunto de passagens suplementares encontradas na versão grega desse livro bíblico. Esses acréscimos, de 107 versículos, apresentam conteúdos diversos não presentes na versão canônica hebraica. As nuances estruturais e temáticas desses acréscimos lançam luz sobre as tradições interpretativas e as preocupações teológicas dos autores da era helenística.

Estrutura e Conteúdo

As Adições Gregas, designadas como A, B, C, D, E e F, contribuem com elementos distintivos para a narrativa de Ester. Acredita-se que as adições A, C, D e F tenham se originado em hebraico ou aramaico, potencialmente formando parte do texto original a partir do qual o tradutor grego trabalhou. O estilo ornamentado de B e E sugere uma origem grega. A autoria precisa das adições semítica e grega permanece indefinida.

As paráfrases de Josefo em Antiguidades Judaicas (93 dC) auxiliam na datação das Adições B, C, D e E, fornecendo um terminus post quem para sua composição para o século I d.C.. A colocação do colofão da LXX imediatamente após a Adição F sugere que tanto A quanto F faziam parte do texto semítico quando Lisímaco empreendeu a tradução grega no final do segundo ou primeiro século dC.

Esboço das adições gregas

  1. Adição A: O sonho de Mardoqueu (11.2–12) e sua descoberta de uma conspiração contra o rei (12.1–6).
  2. Adição B: O édito real de Hamã, proclamando uma perseguição letal contra os judeus (13:1–7).
  3. Adição C: As orações de Mardoqueu (13:8–18) e Ester (14:1–19).
  4. Adição D: Ester aparece sem ser convocada perante o rei (15:4–19).
  5. Adição E: O édito real de Mardoqueu, contrariando o édito de Hamã (16:1–24).
  6. Adição F: Interpretação do sonho de Mardoqueu (10:4–13) e o colofão da versão grega (11.1).

Os autores das Adições Gregas, situadas na era helenística, refletem uma antiga tradição judaica de interpretação bíblica. Seu objetivo era abordar ambiguidades narrativas, teológicas ou morais percebidas na Bíblia Hebraica. Embora os acréscimos aumentem a vivacidade e o drama, transformam a sutil versão hebraica de Ester em uma narrativa mais convencional, com intervenção divina e piedade tradicional.

Paradoxalmente, as expansões introduzem inconsistências. A adição A, por exemplo, retrata a advertência direta de Mardoqueu ao rei sobre uma conspiração de assassinato, contrariamente à versão hebraica. As Adições oferecem uma plataforma para expressar pontos de vista teológicos distintos, reforçando a participação divina na história de Ester. Eles afirmam a eficácia da oração e introduzem elementos ausentes no hebraico, como a aversão da rainha Ester ao casamento com um gentio, seu desdém pelos assuntos mundanos e da corte e a adesão às leis dietéticas judaicas.

No clímax, a Adição D altera a transformação dinâmica da hebraica Ester em uma figura heróica, retratando-a como um indivíduo passivo que precisa de apoio quando desmaia diante do rei. Apesar das inconsistências, as Adições sublinham a riqueza interpretativa e a diversidade teológica dentro da narrativa de Ester, oferecendo uma lente intrigante sobre as perspectivas judaicas da era helenística sobre a narrativa bíblica.

Apócrifo de João

O Apócrifo de João ou Livro Secreto de João é um documento com doutrinas do gnosticismo. É conhecido desde 1896 e inclui quatro cópias coptas, uma das quais se encontra no Codex 8502 de Berlim e outras três foram encontradas em Nag Hammadi. O texto se alinha estreitamente com os mitos gnósticos.

Supostamente, apresenta uma revelação secreta de Jesus ao apóstolo João, filho de Zebedeu. Jesus ensinaria-lhe a verdadeira natureza do reino divino e sua relação com o cosmo material e a humanidade.

O diálogo explora o conceito do deus transcendente, a hierarquia de éons personificados dentro do pleroma (perfeição total) do divino e o reino material imperfeito como um reflexo do reino espiritual. O criador do reino visível e de Adão e Eva terrestres do Jardim do Éden seria uma divindade menor, um governante (arconte) chamado Ialdabaoth, que é uma caricatura sombria do Deus criador do Gênesis e o demiurgo do platonismo. O texto destaca a importância da revelação e do despertar espiritual no contexto da salvação e do destino das almas.

A obra foi citada por Irineu de Lyon, o que faz pensar sua existência desde os meados do século II.

Testamento de Levi

O Testamento de Levi são duas obra pseudepigráficas, que afirmam ser um testamento do patriarca Levi, um dos filhos de Jacó. Insere-se na obra coletivamente chamada de Testamento dos Doze Patriarcas.

O Testamento de Levi existe em duas versões: o Testamento Grego de Levi e o Testamento Aramaico de Levi. Acredita-se que a versão grega tenha sido escrita no século II aC e é considerada a mais desenvolvida das duas. Contém 18 capítulos e abrange uma variedade de tópicos, incluindo instrução religiosa, ética e escatologia. Registra duas visões: os sete céus e os sete anjos, além de previsões da era messiânica.

O Testamento Aramaico de Levi é uma obra mais curta que foi descoberta entre os Manuscritos do Mar Morto. Acredita-se que seja uma versão anterior do texto e seja datada do século I aC. A versão aramaica difere da versão grega de várias maneiras, incluindo a ordem dos capítulos, a ausência de algum material e o uso de palavras e conceitos diferentes.