Michael Heiser

Michael S. Heiser (1963-2023) foi um biblista evangélico norteamericano especializado no Antigo Testamento, com foco nas antigas concepções semíticas acerca da realidade espiritual.

Heiser combinava divulgação científica, educação superior e pesquisa histórico-crítica, sendo um especialista acerca do Concílio Divino no Salmo 82. Era também um especialista sobre o Livro de Enoque.

Propunha o conceito de Cosmovisão de Deuteronômio 32. Considerava Deuteronômio 32:8-9 à luz da literatura ugarítica e do Salmo 82, porém sem pressupor uma univocidade das cosmovisões bíblicas. Argumenta que os antigos israeltas criam na existência de uma Assembleia Divina, Conselho ou Concílio Divino, composto por seres espirituais que auxiliam Deus na administração do mundo. De acordo com essa visão, Deus não governa diretamente todas as nações, mas delega autoridade a esses “filhos de Deus”, conforme mencionado no texto bíblico. No entanto, esses seres não são iguais a Deus e podem se corromper e se rebelar, como sugerido por diversos relatos bíblicos, incluindo a queda dos benē ʾĕlōhîm e a menção aos Nephilim em Gênesis 6. Essa interpretação propõe que eventos sobrenaturais na Bíblia sejam analisados sob a ótica da estrutura do Conselho Divino, o que impacta a leitura de passagens sobre poderes espirituais e conflitos cósmicos. Embora essa abordagem tenha gerado debates acadêmicos, soluciona várias questões interpretativas de modo coerente para a interação entre o mundo espiritual e a história humana na narrativa bíblica.

BIBLIOGRAFIA

Heiser, Michael S. The Facade: Book 1 of the Facade Saga. Kirkdale Press, 2012.
Heiser, Michael S. The Portent: Book 2 of the Facade Saga. Kirkdale Press, 2014.
Heiser, Michael S. I Dare You Not to Bore Me with The Bible. Lexham Press, 2015.
Heiser, Michael S. The Unseen Realm: Recovering the Supernatural Worldview of the Bible. Lexham Press, 2015.
Heiser, Michael S. Supernatural: What the Bible Teaches About the Unseen World—and Why It Matters. Lexham Press, 2015.
Heiser, Michael S. Reversing Hermon: Enoch, the Watchers, and the Forgotten Mission of Jesus Christ. Defender Publishing, 2017.
Heiser, Michael S. The Bible Unfiltered: Approaching Scripture on Its Own Terms. Lexham Press, 2017.
Heiser, Michael S. Angels: What the Bible Really Says About God’s Heavenly Host. Lexham Press, 2018.
Heiser, Michael S. A Companion to the Book of Enoch: A Reader’s Commentary, Vol. I: The Book of the Watchers (1 Enoch 1-36). Defender Publishing, 2019.
Heiser, Michael S. The World Turned Upside Down: Finding the Gospel in Stranger Things. Lexham Press, 2019.
Heiser, Michael S. Demons: What the Bible Really Says About the Powers of Darkness. Lexham Press, 2020. I
Heiser, Michael S. A Companion to the Book of Enoch: A Reader’s Commentary, Vol. II: The Parables of Enoch (1 Enoch 37-71). Defender Publishing, 2021.

Conflito de Adão e Eva com Satanás

Conflito de Adão e Eva com Satanás (O Livro de Adão e Eva) é um obra cristã parabíblica do século VI em Ge’ez, traduzida de um original árabe O Conflito de Adão e Eva com Satanás, também conhecido como O Livro de Adão e Eva.

Esta obra é notável por seu retrato dos acontecimentos imediatamente após a expulsão de Adão e Eva do Jardim do Éden.

No Livro 1, o foco é a profunda tristeza e sensação de desamparo de Adão ao entrar no mundo além do Éden. Esta seção descreve a punição da serpente, suas tentativas fúteis de prejudicar Adão e Eva e a intervenção de Deus, que deixa a serpente muda e a bane para a Índia. Um incidente memorável envolve Satanás atirando-lhes uma pedra, apenas para que Deus intervenha, prenunciando assim a futura Ressurreição de Cristo. Além disso, as declarações proféticas de Deus neste livro predizem eventos futuros significativos, incluindo Noé e o Grande Dilúvio.

O Livro 2 investiga as identidades dos “filhos de Deus” mencionados em Gênesis 6:2 como descendentes de Sete, e das “filhas dos homens” como mulheres descendentes de Caim. A narrativa descreve a sedução bem-sucedida dos descendentes de Sete para descerem de sua morada montanhosa e se juntarem aos Cainitas no vale abaixo, orquestrada por Genun, filho de Lameque. Genun é creditado por inventar instrumentos musicais e armas de guerra, atributos tipicamente associados a Jubal e Tubal-Caim, respectivamente. Os Cainitas, conhecidos por sua maldade, envolvem-se em atos hediondos como assassinato e incesto. Os descendentes dessas uniões tornam-se os Nefilim, os “homens poderosos” de Gênesis 6, que morrem no Dilúvio, um tema também explorado em outras obras antigas como 1 Enoque e Jubileus. Mas, contrárias às interpretações de que os “filhos de Deus” seriam seres angelicais, essa obra assegura uma linhagem humana.

Os livros 3 e 4 continuam a narrativa, narrando a vida de figuras bíblicas como Noé, Sem e Melquisedeque. A história prossegue através de eventos significativos, culminando na destruição de Jerusalém por Tito no ano 70 d.C. De particular interesse é a genealogia de Adão a Jesus, espelhando a estrutura encontrada nos Evangelhos. No entanto, este texto distingue-se por também nomear as esposas de cada um dos antepassados de Jesus, uma característica distintiva raramente encontrada em outros relatos.

O Conflito de Adão e Eva com Satanás é digno de nota por se afastar das versões hebraicas e siríacas conhecidas dos textos bíblicos. Apresenta aspectos únicos, como a oferta de sacrifícios de animais por Caim, em oposição às ofertas agrícolas de Abel, e variações nas idades dos patriarcas pré-diluvianos, diferenciando-o de outras versões contemporâneas.

Filhos de Deus

Filhos de Deus, em hebraico בְנֵי־הָאֱלֹהִים, Bnei ha-Elohim, cuja primeira menção de “filhos de Deus” na ordem canônica da Bíblia ocorre em Gênesis 6:1–4 é sujeita a debate.

Esta passagem distingue entre os “filhos de Deus” e as “filhas dos homens”. A identidade dos Filhos de Deus geralmente é apontada a diferentes pessoas:

  • A linhagem de Sete;
  • Anjos;
  • Seres divinos do panteão sírio-cananeu;
  • Governantes poderosos, muitas vezes vistos como pretendentes a um status deificado.

A frase “filhos dos Elohim” e suas variantes também ocorrem em:

  • Jó 1:6 os filhos de Elohim.
  • Jó 2:1 os filhos de Elohim.
  • Jó 38:7 filhos de Elohim.
  • Deuteronômio 32:8 filhos de Elohim ou filhos de El em dois Manuscritos do Mar Morto (4QDtj e 4QDtq). Contudo, “anjos de Deus” (αγγελων θεου) na LXX (às vezes “filhos de Deus” ou “filhos de Israel”); “filhos de Israel” no Texto Massorético.
  • Salmos 29:1 filhos de Elim.
  • Salmos 82:6 bilhos de Elyon.
  • Salmos 89:6 filhos dos deuses
  • Uma expressão aramaica relacionada ocorre em Daniel 3:25: bar elahin – Filho de Deus

Graça

A graça é um favor imerecido, sem expectativas de retribuição. Na Bíblia, esse conceito se manifesta de diversas formas, destacando a bondade, a misericórdia e o favor divino para com a humanidade.

Graça na Bíblia Hebraica (Antigo Testamento)

Embora o termo “graça” nem sempre seja usado explicitamente, seu conceito permeia todo o Antigo Testamento através de termos e ideias que revelam o favor imerecido de Deus.

  • ḥēn (חֵן): Frequentemente traduzido como favor ou graça, ḥēn significa a bondade imerecida de Deus para com indivíduos ou a comunidade. Um exemplo notável é Gênesis 6:8, onde Noé encontra “ḥēn” aos olhos do Senhor, indicando que Deus lhe concedeu favor e o escolheu para a salvação em meio a um mundo corrupto.
  • ḥesed (חֶסֶד): Este termo carrega o significado de amor constante, misericórdia e fidelidade. ḥesed implica tanto uma obrigação contratual quanto uma disposição favorável, descrevendo o amor e a lealdade da aliança de Deus para com o povo de Israel, mesmo diante de suas falhas e infidelidade. É frequentemente usado em contextos onde Deus demonstra misericórdia, perdoa pecados e mostra compaixão. ḥesed também pode ser traduzido como bondade ou graça, referindo-se a atos de bondade incondicional, compaixão e benevolência concedidos livremente, sem expectativa de reciprocidade.

A graça de Deus é um aspecto integral da natureza divina, entendida como Seu amor e compaixão ilimitados estendidos à humanidade, apesar das deficiências e falhas humanas. A Bíblia Hebraica enfatiza o ḥesed de Deus como um atributo central, ressaltando Seu amor inabalável, fidelidade e misericórdia para com Israel.

O conceito de ḥesed está intimamente associado ao relacionamento de aliança entre Deus e o povo judeu. A graça de Deus é vista como uma resposta à aliança estabelecida com Abraão e continuada nas gerações subsequentes. Essa aliança serve como base para o compromisso duradouro de Deus com o povo judeu, mesmo em tempos de desobediência ou adversidade.

Em Êxodo 34:6-7, por exemplo, Deus revela Seu caráter a Moisés (os chamados atibutos bíblicos de Deus), proclamando: “O SENHOR, o SENHOR, Deus misericordioso e clemente (‘ḥanun’ em hebraico), lento para a cólera e grande em benignidade (‘ḥesed’) e fidelidade.” Essa passagem resume a natureza multifacetada da graça de Deus, combinando misericórdia, benignidade e fidelidade.

Ao longo da Bíblia Hebraica, histórias e eventos retratam exemplos da graça de Deus em ação. A narrativa do Êxodo, por exemplo, demonstra a graça de Deus ao libertar os israelitas da escravidão no Egito, apesar de sua indignidade. Os profetas também falam da graça futura de Deus, prevendo um tempo de restauração, perdão e reconciliação para o povo.

Graça no Novo Testamento

No Novo Testamento, o conceito de graça é central para a teologia cristã e é proeminentemente destacado como um aspecto chave do caráter de Deus e do plano redentor. A palavra grega para graça é charis (χαρις), que carrega um significado rico que abrange o favor imerecido, a bondade e a generosidade de Deus para com a humanidade.

No Novo Testamento, a graça é retratada como a iniciativa de Deus para alcançar a humanidade, oferecendo salvação e perdão por meio de Jesus Cristo. É pela graça divina que os humanos se reconciliam com Deus e recebem a oportunidade de experimentar a vida eterna. Paulo, em particular, expõe extensivamente o conceito de graça em seus escritos.

Paulo enfatiza que a salvação e a justificação são recebidas pela fé em Jesus Cristo e não por obras ou méritos humanos. Em Efésios 2:8-9, ele escreve: “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé. E isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie.” Essa passagem sublinha que a salvação é inteiramente resultado da graça de Deus, dada gratuitamente e não merecida pelos esforços humanos.

Além disso, Paulo contrasta a graça com relações obrigacionais, epitomizadas pela Lei ou identidade étnica. Enfatiza que a salvação não é alcançada pela estrita adesão à lei ou pertencimento a um povo (como no caso de Israel), mas pela graça de Deus. Ele argumenta que a lei revela a pecaminosidade humana e a incapacidade de atender às suas exigências, enquanto a graça oferece perdão, redenção e uma nova vida em Cristo. Romanos 6:14 resume: “Porque o pecado não terá domínio sobre vós, visto que não estais debaixo da lei, mas debaixo da graça.”

O Novo Testamento também retrata a graça como transformadora, não apenas fornecendo salvação, mas também capacitando os crentes a viver uma vida agradável a Deus. Paulo encoraja os crentes a crescer na graça de Deus e estender a graça aos outros. Em 2 Coríntios 12:9, ele escreve: “Mas ele me disse: ‘Minha graça é suficiente para você, pois o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza.'” Este versículo enfatiza que a graça de Deus não é meramente um evento único, mas uma fonte contínua de força e capacitação.

O conceito de graça está intimamente ligado à pessoa e à obra de Jesus Cristo. Por meio de Sua encarnação (na qual Deus se dispõe a compartilhar a natureza humana), ensinamentos, serviços, morte e ressurreição, Jesus exemplifica o ato supremo da graça de Deus e fornece os meios para a redenção da humanidade.

A resposta à graça

Além da graça de Deus, a Bíblia associa a resposta a essa graça com fidelidade, obediência e retidão. Embora a graça de Deus seja concedida gratuitamente, os indivíduos são chamados a viver de acordo com os mandamentos de Deus e andar em Seus caminhos como resposta a Seus atos graciosos.

Uma sinopse de toda a Bíblia com esse conceito seria que Deus interveio em Sua criação com graça e espera que os agraciados tratem-se graciosamente.