Asperção

Aspergir, ato de borrifar ou salpicar um líquido, usualmente água ou sangue, possui significado ritual e simbólico profundo na Bíblia. A asperção, nome dado a esse ato, representa purificação, consagração e aliança com Deus. Presente em ritos de purificação até sacrifícios e celebrações, a asperção materializa a ação divina na vida do povo e no culto.

No Antigo Testamento, a asperção de sangue era parte essencial dos sacrifícios, simbolizando a expiação dos pecados e a reconciliação com Deus. O sangue, considerado fonte de vida, era aspergido sobre o altar, os objetos do santuário e o próprio povo, significando a purificação e a consagração. A asperção com água também era utilizada em ritos de purificação, como no caso da lepra e da imundícia ritual.

A asperção também marca a celebração da Páscoa, quando o sangue do cordeiro pascal era aspergido nos umbrais das portas como sinal de proteção contra o anjo da morte. Essa ação evoca a aliança entre Deus e o povo de Israel, selada pelo sangue e pela promessa de libertação.

No Novo Testamento, a asperção assume novo significado à luz do sacrifício de Cristo. Hebreus 9:13-14 afirma que o sangue de Cristo purifica a consciência de obras mortas, proporcionando acesso a Deus. A asperção do sangue de Jesus, representada pelo seu sacrifício na cruz, sela a nova aliança e oferece redenção e vida eterna.

Ephapax

O termo grego ephapax (ἐφάπαξ) significa “de uma vez por todas” ou “de uma só vez”. Aparece cinco vezes no Novo Testamento, sendo utilizado em diferentes contextos teológicos e narrativos. As ocorrências encontram-se em Romanos 6:10; 1 Coríntios 15:6; Hebreus 7:27; Hebreus 9:12; e Hebreus 10:10. Sua análise permite identificar significados específicos de acordo com o contexto literário e teológico.

Romanos 6:10

Em Romanos 6:10, ephapax é usado para descrever a morte de Cristo como um evento único e definitivo em relação ao pecado: “Pois, quanto a ter morrido, de uma vez morreu para o pecado; mas, quanto a viver, vive para Deus”. O termo ressalta a singularidade do ato redentor de Cristo e sua eficácia no rompimento com o poder do pecado.

1 Coríntios 15:6

Em 1 Coríntios 15:6, o termo é empregado para indicar a manifestação de Cristo ressuscitado a mais de quinhentas pessoas “ao mesmo tempo”. Nesse contexto, ephapax enfatiza a simultaneidade do evento, reforçando a autenticidade e o impacto coletivo da experiência da ressurreição.

Hebreus 7:27

Hebreus 7:27 utiliza ephapax para descrever o sacrifício de Cristo como um ato único em contraste com os sacrifícios repetidos realizados pelos sacerdotes da antiga aliança: “Ele ofereceu sacrifício uma vez por todas, quando a si mesmo se entregou”. O termo sublinha a suficiência e a singularidade do sacrifício de Cristo.

Hebreus 9:12

Em Hebreus 9:12, ephapax refere-se à entrada de Cristo no Santo dos Santos “de uma vez por todas”, não por meio do sangue de animais, mas por meio de seu próprio sangue, obtendo uma redenção eterna. A palavra aqui reforça o caráter definitivo e irrepetível da obra salvífica de Cristo.

Hebreus 10:10

Hebreus 10:10 emprega ephapax para destacar a santificação dos crentes por meio da oferta do corpo de Cristo “de uma vez por todas”. O termo sublinha a abrangência e a permanência da obra de Cristo em relação à santificação.

Considerações Teológicas

O uso de ephapax no Novo Testamento aponta para a singularidade, suficiência e irrepetibilidade dos atos redentores de Cristo. Nos textos de Hebreus, especialmente, o termo serve para contrastar a nova aliança com os rituais repetitivos da antiga aliança, enfatizando a superioridade do sacrifício de Cristo. Em Romanos e 1 Coríntios, o termo reforça a eficácia histórica e escatológica dos eventos da morte e ressurreição de Cristo.

O termo também ilustra o caráter transformador e definitivo da ação divina em Cristo, representando uma ruptura com sistemas anteriores e a inauguração de uma nova era redentora. O estudo de ephapax destaca sua relevância na construção da teologia do Novo Testamento e na compreensão da obra de Cristo.

Trono da Misericórdia

O Trono da Misericórdia (em hebraico כַּפֹּרֶת kaporet e em grego ἱλαστήριον hilastērion) ou propiciatório era a tampa de ouro colocada na Arca da Aliança, com dois querubins batidos nas pontas. Ali nesse espaço de propiciação, Deus se manifestava e as petições e purificações realizadas.

De acordo com Êxodo 25:19; 37:6, a tampa era feita de ouro puro. Ela se ajustava à arca abaixo dela, combinando a mesma largura e largura com 2,5 côvados de comprimento e 1,5 côvados de largura. Dois querubins de ouro foram colocados em cada extremidade da tampa, um de frente para o outro e para o propiciatório, com as asas abertas para envolver o propiciatório (Êxodo 25:18–21). Os querubins formaram um assento para Deus (1 Samuel 4:4). A arca e o propiciatório foram guardados dentro do Santo dos Santos, o santuário mais interno do templo.

O termo grego hilasterion pode significar tanto “propiciação” (agradar ou apaziguar) ou “expiação” (purificação) ou algo “expiatório”. Seria uma oferta votiva dada para obter favor de um deus. Contudo, nunca se refere a uma vítima animal sacrificada. Mas no grego bíblico da Seputaginta e do Novo Testamento hilasterion tinha o significado especial da tampa do propiciatório cobrindo a Arca da Aliança.

Notoriamente, Paulo invoca essa figura do Trono da Misericórdia em Rm 3:25, o qual em uma tradução informada pela semântica seria: “Deus o expôs publicamente [Jesus] em sua morte como o Trono da Misericórdia [hilastērion] acessível por meio da fé. Isso foi para demonstrar sua justiça, porque Deus em sua tolerância havia desconsiderados os pecados passados”.

Com esse sentido de propiciatório, o termo aparece também em Hebreus 9:5: “E sobre a [arca], os querubins da glória, que faziam sombra no Trono da Misericórdia [hilastērion]; das quais coisas não falaremos agora particularmente.”‘

BIBLIOGRAFIA

Bailey, D. P.“Jesus As the Mercy Seat: The Semantics and Theology of Paul’s Use of Hilasterion in Romans 3:25”. Dissertação doutoral na University of Cambridge, 1999.

Wallner, Karl Josef. Sühne: Suche nach dem Sinn des Kreuzes, Media Maria Verlag, 2015.

Munus Triplex

Munus Triplex ou os três ofícios de Cristo é um conceito teológico que ensina que Cristo cumpre três ofícios como Salvador: Profeta, Sacerdote e Rei.

Cristo é o Profeta que ensina e revela a verdade de Deus; o Sacerdote que se oferece em sacrifício pela remissão dos pecados; e o Rei que reina sobre toda a criação.

A doutrina tem raízes na Idade Média e tornou-se padrão na Reforma Protestante. Foi abraçado por várias tradições teológicas, incluindo reformada, luterana e anglicana. Foi um conceito estruturante na teologia de Karl Barth.

As referências bíblicas para a doutrina Munus Triplex podem ser encontradas em todo o Antigo e Novo Testamento, como:

  • Profeta: Deuteronômio 18:15; Mateus 13:57; João 6:14; Hebreus 1:1-2.
  • Sacerdote: Salmo 110:4; Hebreus 4:14-16; 9:11-14.
  • Rei: Salmo 2:6; Mateus 28:18; Colossenses 1:15-20.

Em Zacarias 6:12-13 há a expectativa de um rei justo que fundiria seu papel com o sacerdócio do templo.