Estado intermediário

O estado intermediário refere-se ao estado do ser humano entre a morte e a ressurreição.

Seria uma fase de transição, nem a bem-aventurança final dos salvos, nem a condenação final dos perdidos. As referências bíblicas mais utilizadas para tal estado são Lucas 16:24; 2 Coríntios 5:8; Apocalipse 6:11; Hebreus 11:39, 40, além da passagem da transfiguração. Termos como seol ou hades aparecem associados com esse estado intermediário.

No geral, as teorias sobre o estado intermediário postulam continuidade da consciência após a morte, com os crentes experimentando um estado de descanso tranquilo enquanto aguardam a ressurreição. Adicionalmente, o entendimento ocidental majoritário é que esse estado é estático, sem possibilidades de redenção nele.

Alternativas incluem noções de sono da alma, o mortalismo (não confudir com o aniquilacionismo), o purgatório e o limbo, a transcendência do tempo, a telonia, a imortalidade objetiva. No geral, a adoção de uma ou outra teoria dependente dos pressupostos de antropologia teológica.

No estado intermediário haveira um profundo contraste entre o conforto dos redimidos e o tormento dos ímpios. A Cristandade Oriental mantém cautela acerca desse estado, enquanto a Cristandade Ocidental oferece interpretações definidas através do discurso teológico e de referências históricas, com alusões mais antigas na Paixão de Perpétua e Felicidade. Teólogos ocidentais como Agostinho, Boécio, Anselmo e Aquino discutiram extensivamente acerca desse estado.

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Inferno

O Inferno é a tradução em português e outras línguas latinas para diversas palavras nos textos bíblicos:

  1. O seol em hebraico, termo para designar o lugar dos mortos. O termo pode indicar tanto o local de disposição do corpo (uma sepultura) ou o estado/local pós-vida.
  2. O quase equivalente grego ao seol é o hades (Mt 11:23 e Lc 10:15).
  3. Na visão de mundo dos gregos, o tartaros é um local de sofrimento dos mortos. (2 Pedro 2:4).
  4. Em Grego Gehenna e hebraico ge-hinnom (vale de Hinom), um vale perto de Jerusalém. Apesar da escassa evidência, este lugar tem sido associado ao sacrifício de crianças (moloque) (2 Crônicas 28:3; 33:6) ou a um lixão e um lugar de queima. No Novo Testamento usa-o como uma metáfora ou símbolo para o lugar onde os pecadores serão enviados para o seu justo castigo.
  5. Além desses termos é chamado de lugar de escuridão (Mt 25:30; 2 Pe 2:17), bem como de lugar de fogo (Mt 5:22; 13:30-50).

PERSPECTIVAS TEOLÓGICAS

A partir desses termos, diversas posições teológicas são aplicadas ao inferno. Tanto nos judaísmos do Segundo Templo quanto nas suas formas contemporâneas, não há consenso sobre o inferno ou o mundo vindouro. De mesmo modo, na teologia ortodoxa grega e oriental o tópico não é considerado relevante e as interpretações acerca dele variam. No Ocidente, desde Tertuliano, Agostinho e Proba, a posição infernalista progressivamente passou a ser dominante para interpretar a teologia e as Escrituras. Os principais entendimentos sobre o inferno nas vertentes cristãs são:

  1. Limbo: estado ou local não punitivo. Conceito medieval católico romano que recapitula as ideias de sheol e hades da Antiguidade como estado intermediário sem punição ou gozo. Por vezes, visto como uma antessala de espera até o juízo. Modernamente, é uma doutrina em esquecimento.
  2. Aduanas celestes ou teolonia: uma jornada com vários graus, da punição até a glorificação. É uma posição existente entre ortodoxos gregos e orientais.
  3. Rio de fogo: A visão da Igreja Ortodoxa Grega sobre o inferno é complexa e distinta de algumas perspectivas cristãs ocidentais. Além da concepção das aduanas celestes (a qual não é aceita por muitos teólogos ortodoxos), outra visão é o chamado “rio de fogo”. O inferno seria um estado de separação de Deus, em vez de um lugar de punição eterna. O inferno não seria um estado permanente, e aqueles que estão nele podem ser salvos através do arrependimento e afastando-se do pecado. Não é um local de tormento físico, mas um estado de sofrimento espiritual decorrente da separação de Deus. Na teologia ortodoxa, as pessoas não nascem separadas de Deus, mas se tornam separadas por meio de suas próprias ações, não como punição pelo pecado original. Embora a ortodoxia grega rejeite uma ideia de purgatório, entende Ap 20:14 como um processo, um rio de fogo, para simbolizar o juízo divino. O sofrimento causado nesse estado não é oriundo de Deus, mas da própria consciência de afastamento com Deus. Assim, há a esperança de que a misericórdia de Deus, em última instância, reúna os crentes com Ele, a partir do Céu ou do Inferno, com base em suas escolhas.
  4. Inferno punitivo e eterno: a punição é física, emocional e mental, com tortura por fogo real, separação irremediável, sofrimento eterno e justa retribuição. Alguns interpretam como um lugar, outros como um estado existencial de espírito. Também chamado de infernalismo, aparece na era patrística em fontes como o Apocalipse de Pedro e em Tertuliano. Passou a ser a leitura dominante na teologia ocidental desde Agostinho para passagens como Is 66:22-24; Dn 12: 2-3; Mt 18: 6-9; 25: 31-46; Mc 9: 42-48; 2 Ts 1: 6-10; Jd 7, 13; Ap 14: 9-11; 20:10, 14-15. É criticada em termos de moralidade (Deus criar pessoas para a condenação eterna) e pelas leituras de passagens aniquilacionistas (2 Sm 14:14; Sl 37:10; 92:7; Ml 4:1-3).
  5. Inferno simbólico: interpretação que as referências bíblicas a fogo, dor, sede, escuridão, escravidão não devem ser interpretadas literalmente. O fogo e as trevas são antíteses; por isso, as alternativas lógicas são que ao menos um deles deveria ser interpretado simbolicamente ou ambos seriam simbólicos. Isso não quer dizer que não exista um inferno. O inferno é real, mas passagens bíblicas referentes ao inferno são expressas em linguagens simbólicas; portanto, inferno não é definível em nosso atual estado de conhecimento. Proponentes dessa posição incluem João de Damasco, Billy Graham e Francesco Toppi.
  6. Inferno temporário ou purgatório. Aqui há duas subperspectivas. Uma é o purgatório, que para o catolicismo romano, quando as pessoas que morrem com ‘pecado mortal’ não perdoado (pecado grave que rompe um relacionamento com Deus) vão para o inferno, mas os crentes com ‘pecado venial’ (menos grave) vão para o purgatório para punição e limpeza pelo fogo. Depois de completamente purificados do pecado, as pessoas são liberta do purgatório e entram no céu em perfeição e assim evitam o inferno. A ênfase sobre essa doutrina diminuiu desde o Concílio Vaticano II e, em 1999, o Papa João Paulo II declarou que ‘o purgatório não indica um lugar, mas uma condição de existência’. Outra posição, defendidas por Geymonat, C.S. Lewis e George MacDonald, concebe alguma forma limitada de inferno. Por exemplo, Lewis dizia que o inferno tem as portas lacradas, mas do lado de dentro. Enquanto as pessoas não estiverem em comunhão com Deus, viverão em um estado de separação e todo seu consequente sofrimento. Esse inferno temporário não seria local de purificação, mas um estado intermediário onde a punição seria o afastamento da presença de Deus. Considera termos gregos como aion, como período temporal, não como eternidade, como tradicionalmente vertido nas línguas latinas. Assim, esse período não seria purificador, pois somente a expiação de Cristo purifica, mas a recepção da justa punição. Depois, tendo Cristo conquistado reino do inferno e a morte, seriam os condenados admitidos no reino de Deus. No entanto, alguns teólogos como Edward Fudge e tradições denominacionais como milleritas/adventistas pensam que depois de uma estada purgatório as pessoas seriam aniquiladas, o qual seria a próxima perspectiva.
  7. Aniquilacionismo e mortalismo condicional. A posição da maioria dentro desta visão é que os não salvos são punidos no inferno por um período de tempo – pode ser um período muito longo – dependendo do grau de seu pecado, mas eventualmente perecem (morrem) no inferno. O fogo é eterno (queima para sempre) e o castigo do pecador é eterno (final). Uma posição minoritária é que os não salvos deixam de existir no momento da morte terrena e que o inferno é apenas para Satanás e seus demônios (Mt 25:41). Essas posições aparecem na era patrística de forma incipiente em Inácio, Justino Mártir, Teófilo de Antioquia e Irineu, e de forma articulada em Arnóbio. Em tempos modernos, é a posição de Emmanuel Pétavel-Olliff, Charles Fox Parham, John Stott, Edward Fudge, muitas denominações milleritas ou adventistas, Joel B. Green, Clark Pinnock, dentre outros.
  8. Agnosticismo quanto ao estado final dos condenados: rejeição do tormento eterno, do universalimo e do aniquilacionismo; mas sem afirmar sobre o destino final. Proponentes incluem F.F. Bruce e N. T. Wright.

BIBLIOGRAFIA

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Fudge, Edward. The Fire That Consumes: A Biblical and Historical Study of the Doctrine of Final Punishment, Third Edition. Eugene, OR: Cascade, 2011.

Jacobs, Hendrick. Sete Céus, Terras e Infernos: a cosmovisão judaico-cristã esquecida. Vida Y Verdad, 2025.

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