Matias Flácio

Matias Flácio ou Matthias Flacius Illyricus (1520-1575) foi um teólogo, reformador e biblista nascido em Albona, Croácia.

Flácio estudou na Universidade de Wittenberg, onde se tornou um colaborador próximo de Martin Luther e Philipp Melanchthon. Mais tarde, ele se tornou professor de teologia na Universidade de Jena.

Publicou a Centúrias de Magdeburg, uma obra monumental da história da igreja que cobre os primeiros treze séculos do cristianismo. Nesta obra, Flacius e seus colegas procuraram contrariar a visão católica romana da história e defender a Reforma Protestante.

Flácio desenvolveu a doutrina luterana do pecado original. Para ele, o pecado original não é apenas uma tendência ao pecado, mas uma completa corrupção da natureza humana que torna todas as ações humanas pecaminosas. Essa visão foi controversa até mesmo entre outros teólogos protestantes, mas teve um impacto profundo no desenvolvimento da teologia calvinista da depravação total. Entre os luteranos, seus adeptos ficaram conhecidos como flacianos. Centrados em Magdeburg e Jena, moveram uma controvérsia contra os filipistas, os seguidores de Melanchton. Eventualmente, foi um partido perdedor, visto que a Fórmula de Concórdia rejeitou sua visão de depravação total.

Além de suas contribuições teológicas, Flácio também foi um estudioso das línguas clássicas e publicou vários trabalhos sobre gramática e filologia. Lançou bases para a hermenêutica como disciplina acadêmica com princípios fundamentados.

Martin Chemnitz

Martin Chemnitz ou Kemnitz, (1522- 1586) teólogo luterano alemão. Apelidado de “o segundo Martinho” [Lutero], efetivamente foi quem as igrejas luteranas em uma tradição teológica comum.

Estudou na Universidade de Wittenberg, protegido por Philipp Melanchthon. Em 1550 mudou-se para Königsberg, para ser bibliotecário do duque Alberto da Prússia. De volta à Wittenberg em 1553, foi pastor e começou a dar palestras sobre os Loci communes rerum theologicarum de Melanchthon, além de ser coadjutor e depois superintendente das igrejas luteranas de Braunschweig.

Em 1568 iniciou uma década de trabalho com o teólogo Jakob Andreä para unificar o luteranismo alemão. O resultado foi a Fórmula de Concórdia (1577), marco da ortodoxia luterana.

Chemnitz question a canonicidade da antilegômena e sua autoridade para avaliação doutrinária, mas consideram esses livros úteis à fé. Articulou a doutrina luterana da presença real do corpo e sangue de Cristo na Eucaristia. Acentua a relação entre as naturezas divina e humana de Cristo. Fez uma análise crítica do Concílio de Trento, além de um comentário sobre Loci communes, de Melanchthon.

Laestadianismo

Laestadianismo é um movimento avivalista nas igrejas luteranas da Noruega, Suécia e Finlândia, nascido de influências pietistas e morávias no século XIX, principalmente entre comunidades sami. Parte do movimento constitui denominações independentes nos EUA e Canadá.

História

O movimento deve o nome e foi iniciado pelo pastor e botânico luterano sueco Lars Levi Laestadius ou Læstadius (1800-1861). Educado na Universidade de Uppsala, Læstadius foi ordenado ministro em 1825. Foi enviado como missionário entre os sami (povo antigamente conhecidos como “lapões”) no norte da Suécia, onde entre 1826 e 1849 foi pastor na paróquia de Karesuando. Laestadius era filho de mãe sami, a qual também era devota participante de conventículos de oração e leitura bíblica.

Quando Laestadius chegou a Karesuando encontrou pobreza e abuso de álcool era generalizado entre os sami. Começou a pregar sobre moralidade e arrependimento. A vida de Laestadius mudou quando encontrou com Milla Clemensdotter ou Maria da Lapônia (1812–1892) em 1844. Essa jovem mulher sami, também membro de um conventículo de “leitores”, testemunhou sua experiência de paz encontrada quando ela compreendeu a graça de Deus.

A partir do encontro com Maria, Laestadius experimentou uma transformação espiritual. Seguiu-se um grande avivamento entre os sami de todos os países do círculo polar ártico. Em 1853, um bispo da Igreja da Suécia (luterana) decidiu que deveria ter dois serviços de culto a cada paróquia onde tivesse laestadianos: um para os paroquianos regulares e outros para os avivados.

Após a morte de Læstadius, o movimento foi liderado por Juhani Raattamaa (1811-1899). Após a morte de Raattamaa, o renascimento se dividiu em várias vertentes: velhos laestadianos, primogênitos, laestadianos ocidentais,

Os laestadianos sempre permaneceram membros das igrejas estatais na Noruega, Suécia e Finlândia, mas realizam suas próprias reuniões e muitos grupos possuem suas próprias casas de oração. Na América do Norte constituem denominações separadas, sendo a principal a Igreja Apostólica Luterana do Primogênito.

Doutrina e práxis

A Bíblia é a fonte primária de fé. Outras fontes materiais incluem as obras de Martinho Lutero, os sermões e escritos de Laestadius, bem como seus hinários, principalmente o Sions sånger.

Suas reuniões são solenes. Ocorrem êxtases e lamentos (frequementemente associados com a glossolalia) especialmente no momento da Ceia do Senhor. Há uma grande ênfase no arrependimento do pecado. Membros confessam seus pecados, normalmente em lágimas e emoções, então um dos anciãos pronuncia o perdão dos pecados pela imposição de mãos. A pregação pode ser extemporânea, com grande ênfase no pecado e perdão, bem como na leituras de sermões de Lutero e Laestadius. Tradicionalmente se cumprimentam com a frase ” a paz de Deus “. Realizam, quando possível suas próprias Ceias. Em alguns grupos tradicionais as mulheres cobrem a cabeça com um véu. Tradicionalmente, membros mais idosos das famílias ou seus anciãos batizam as crianças nas casas. Como outros movimentos avivalistas nórdicos, os maiores eventos são as reuniões campais de verão.

Buscam viver uma vida de santificação em separado da sociedade secular. Assim, muitos grupos rejeitam música mundana, dança, cinema. televisão, diversões públicas e contraceptivos. O isolamento (e o exclusivismo de alguns grupos) levam a serem vistos com suspeição pela ampla sociedade.

São liderados por anciãos leigos, mas há laestadianos ordenados ministros pelas igrejas estatais luteranas dos países nórdicos. São estimados em cerca de 500 mil membros, a maior parte deles na Finlândia. Suportam missões em diversas nações do globo, como Equador, Estônia, Alemanha, Grã-Bretanha, Hungria, Islândia, Quênia, Letônia, Rússia, Espanha, Suíça, Áustria e Togo.

BIBLIOGRAFIA

Alves, Lenardo. Notas de pesquisa de campo. Laestadianska församlingen i Uppsala (Knivsta). 2018.

Kristiansen, Roald. Samisk religion og læstadianisme: kristen tro og livstolkning. Fagbokforlag, 2005.

Heith, Anne. Laestadius and Laestadianism in the contested field of cultural heritage: a study of contemporary Sámi and Tornedalian texts. Umeå University & The Royal Skyttean Society, 2018.

Lie, Geir. História do Cristianismo. Santorini, 2020.

http://www.bibliotecalaestadiana.se

Argula von Grumbach

Argula von Grumbach (1490-1564) foi uma nobre alemã, autora e reformadora da Bavária.

Recebeu a típica educação das mulheres nobres da época, a qual não incluia latim — a língua da erudição — mas era leitora ávida da Bíblia em alemão.

Por volta de 1520 começou a ler e a corresponder com os reformadores, especialmente Lutero.

Em 1523, um jovem professor da Universidade de Ingolstadt, Arsacius Seehofer, foi perseguido por adotar as ideias luteranas. Argula escreveu cartas e poemas, recheados de citações bíblicas. O debate a fez conhecida na Alemanha e propagou a reforma na Bavária, onde os escritos de Lutero eram banidos.

Casada (e viúva) duas vezes. Depois dos incidentes de 1523 retirou-se para os cuidados de sua propriedade e família, mas mesmo antes de sua morte teve uma agitação a respeito de seus escritos.

Was Christum Treibet

Lucas Chranach, o velho. Pintura do altar de Wittenberg

A frase alemã was Christum treibet, “o que promove Cristo”, indica um princípio hermenêutico de Lutero.

A frase vem do prólogo de Lutero às Epístolas de Tiago e Judas, na sua edição alemã do Novo Testamento (1522):

E nisto todos os livros sagrados justos concordam, que todos pregam e praticam Cristo, e esse é o verdadeiro teste de censurar todos os livros, quer praticam Cristo ou não, pois toda a Escritura mostra Cristo, Romanos 3 e Paulo não quer saber nada mas Cristo 1 Cor. 2. O que Cristo não ensina não é apostólico, ainda que Pedro ou Paulo o ensinem. Novamente, o que Cristo prega é apostólico, mesmo que Judas, Anás, Pilatos e Herodes o tenham feito”.

As implicações desse princípio afetam no conceito de canonicidade, na interpretação bíblica e na homilética luteranas.

A tradição evangélica luterana nunca oficialmente fez um cânone das Escrituras. Nem seria necessário. Por esse princípio, tudo o que aponta para Cristo nas Escrituras hebraicas seriam canônicos e tudo que testificam o ministério de Cristo dentre os escritos apostólicos seria canônico. Em razão disso, Lutero questionou a canonicidade de Hebreus, Tiago, Judas e Apocalipse — os Antilegômenos de Lutero– ainda que os traduzisse e inserisse em seu Novo Testamento.

Quanto à interpretação, essa chave hermenêutica cristocêntrica poupou o luteranismo de muitas controvérsias teológicas. Isso porque passou ser uma hermenêutica centrada na totalidade da mensagem, não em detalhes. Consequentemente, o luteranismo mantém os mesmos documentos confessionais desde o século XVI: o livro de Concórdia.

Lutero entendia que a pregação deveria ser fundamentada nas Escrituras, apontando para Cristo e voltada para o povo. Pregar seria colocar as pessoas em contato com a mensagem de salvação em Jesus Cristo testemunhada pelas Escrituras.

BIBLIOGRAFIA

Jacobson, Diane. “What Lutherans Think About the Bible. Here We Stand — Between Fundamentalism and Secularism”. Book of Faith.

Lutero, Martinho. WA, DB VII 38.

Meurer, Siegfried. “Was Christum Treibet” : Martin Luther Und Seine Bibelübersetzung. Bibel Im Gespräch, 4. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1996.

Luteranismo

Movimento, sistema teológico e denominações cristãs com raízes na Reforma nos países germânicos no século XVI.

O movimento ganhou uma identidade com o ato de Martinho Lutero (1483-1546) disseminar suas 95 teses em 1517 na Alemanha. Contudo, muitos luteranos preferem a designação evangélico, como por exemplo na Igreja Evangélica Alemã, a maior denominação luterana da Alemanha.

TEOLOGIA

As raízes da teologia luterana vêm da Devotio Moderna, da Theologia Germanica, do humanismo renascentista e do neo-agostianianismo. Tematicamente, é uma teologia centrada na justificação pela fé mediante a graça.

Iniciada com os escritos de Martinho Lutero, o luteranismo ganhou corpo doutrinário sistemático com a obra Loci Communes de Filipe Melâncton. Outros documentos fundantes foram o Catecismo menor (1529) e a Confissão de Augsburgo (1530). Depois de várias disputas teológicas, o luteranismo encerrou sua fase de produção teológica distintiva com o Livro de Concórdia (1580). Nesse compêndio aparecem credos históricos (Apostólico, Niceno e Atanasiano), a Confissão de Augsburgo, a Apologia da Confissão de Augsburgo, os Artigos de Esmalcalde, o Tratado sobre o Poder e o Primado do Papa, o Catecismo Menor e o Catecismo Maior de Lutero e a Fórmula de Concórdia (Declaração Sólida e Epítome).

Desdobramentos posteriores (a escolástica luterana, o pietismo, o racionalismo, a teologia liberal, o confessionalismo, os avivamentos) resultaram em várias obras teológicas. Contudo, a fase de produção de teologia com caráter confessional no luteranismo encerrou-se com o Livro de Concórdia.

A teologia luterana caracteriza-se por uma série de relações dialéticas:

  • Lei e Evangelho.
  • Dois reinos e dois regimes: Deus trabalha no mundo de duas maneiras diferentes de governar (regimes), mediante duas esferas diferentes, igualmente originais e interligadas (reinos) em que os cristãos se encontram.
  • Confessionalismo: quia x quatenus. A adesão ao Livro de Concórdia ser “quia” (porque) ou “quatenus” (na medida em que) expressa as verdades evangélicas oriundas do trilátero luterano: Escrituras, tradição e razão.
  • Simul iustus et peccator. O ser humano como simultaneamente justificados e pecadores.
  • Opus alienum e opus proprium: obra alheia de Deus e a própria obra de Deus.
  • Deus absconditus e Deus revelatus: Deus oculto ao mesmo tempo que é Deus revelado.
  • Coram deo e coram hominibus: o ser humano diante de Deus e diante da sociedade.
  • Theologia gloriae e theologia crucis: teologia da glória e a teologia da cruz.
  • Liberdade e serviço.

LITURGIA, ECLESIOLOGIA E PRÁXIS

A Reforma luterana teve como pináculo uma renovação no culto. Foi adotado o uso da língua vernácula, priozirou o canto congregacional e enfatizou
pregação.

Centrado na doutrina da justificação pela fé mediante a graça, a vida espiritual luterana desdobra-se dessa doutrina. Assim, no luteranismo há uma crença em uma salvação objetiva: não há meios humanos para se obter a salvação. A fé, a pregação da Palavra e os sacramentos são meios que levam a relação de salvos em Cristo.

O culto seria a resposta ao batismo, pois revela a promessa incondicional de Deus de estar para sempre com aqueles que confiam em Deus em Cristo.

O batismo e ceia do Senhor são os dois únicos sacramentos. Cristo está presente no, com e sob os elementos da ceior, A Igreja é manifesta localmente onde os sacramentos sejam apropriadamente administrados e a Palavra diligentemente pregada, irrespectivo das variantes ou ordens litúrgicas.

O luteranismo retém o batismo das crianças porque demonstra que a graça de Deus não é condicionada pela resposta humana.

As denominações luteranas tendem a ser sinodal. Nesse regime, representantes leigos e ordenados discutem e deliberam a gestão da Igreja em vários níveis: paróquias, região e nacionalmente. Em países onde houve igrejas luteranas estatais há uma confluência da organização sinodal com uma estrutura episcopal. Alguns grupos menores adotam uma posição congregacionalista. Há também fortes movimentos internos leigos, organizados e geridos por membros não ordenandos.

Estima-se que haja cerca de 80 milhões de luteranos no mundo. Suas maiores denominações são as seguintes:

  • Igreja Evangélica Alemã
  • Igreja da Suécia
  • Igreja da Noruega
  • Igreja do Povo da Dinamarca
  • Igreja Evangélica da Finlândia
  • Igreja da Islândia
  • Evangelical Church of Lutheran Confession of America
  • Lutheran Church – Synod of Missouri
  • Igreja Evangélica Luterana do Brasil
  • Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil
  • Igreja Evangélica Etíope Mekane Iesus
  • Igreja Cristã Protestante Batak (Indonésia)
  • Igreja Evangélica Luterana da Tanzânia
  • Igreja Luterana Malagasy
  • Igreja Luterana Adhra (Índia)

BIBLIOGRAFIA

Courey, David J. What Has Wittenberg to Do with Azusa? : Luther’s Theology of the Cross and Pentecostal Triumphalism. New York: Bloomsbury T&T Clark, 2015.

Jackelén, Antje. “The need for a theology of resilience, coexistence, and hope.” The Ecumenical Review 71.1-2 (2019): 14-20.

Livro de concórdia: as confissões da Igreja Evangélica Luterana. São Leopolodo, Editora Sinodal, 2021.

Melanchthon, Filipe. Loci Theologici: Tópicos Teológicos, de 1521. Tradução de Eduardo Gross. Editora Sinodal; EST,2018.

Martinho Lutero

Martinho Lutero (1483- 1546) foi um reformador protestante alemão. Anteriormente um monge e sacerdote católico, iniciou a Reforma luterana em 1517 com suas Noventa e Cinco Teses .

Era professor de teologia na Universidade de Wittenberg, Saxônia. Debateu com dominicano Johann Tetzel contra sua venda de indulgências. Sua rejeição à retratação exigida pelo papa Leão X em 1520 e pelo imperador Carlos V em 1521, causou sua excomunhão e perseguição.

Amparado pela nobreza alemã, Lutero prosseguiu com a Reforma.

Lutero ensinou que a salvação não é obtida por meio de mérito das obrass, mas apenas pelo dom gratuito da graça de Deus por meio da fé em Jesus. Sua teologia contrariava a autoridade do papa da Igreja Católica, ao ensinar que a Bíblia é a fonte primária para a doutrina cristã. Argumentava o sacerdócio universal do crentes em oposição a um papel privilegiado ao clero católico.

Sua tradução da Bíblia para a língua alemã marcou a padronização da língua alemã, a popularização da escrita e leitura, a propagação das ideias reformadoras e impulso para outras traduções em diversas línguas.

Teologia da cruz

Uma tendência teológica luterana que considera que Deus foi primordialmente revelado em sua fraqueza, derrota na cruz e impotência, ao invés de se revelar em sua glória e poder.

Chamada em latim Theologia Crucis, alemão Kreuzestheologie e estaurologia, foi um aspecto da teologia de Martinho Lutero fundada no agostinianismo que ganhou um renovado interesse — não sem polêmicas — no final do século XX.

Por contrastar-se com a “teologia da glória” — aquela fundamentada em atributos divinos de poder, majestade e soberania — a teologia da cruz enfatiza as ações de humilhação divina compartilhadas pela humanidade.