Crítica das fontes

A crítica das fontes é um método de exegese diacrônico que visa determinar as fontes e secundariamente, a autoria, a autenticidade e o contexto de composição dos textos bíblicos.

Na crítica das fontes os exegetam examinam pistas no texto (mudanças de estilo, vocabulário, repetições e similares) para determinar quais fontes possam ter sido usadas por um autor bíblico. Algumas fontes inter-bíblicas podem ser determinadas em virtude do fato de que a fonte ainda existe, por exemplo, os livros de Crônicas citam ou recontam os relatos dos livros de Samuel e Reis.

A crítica das fontes é importante para compreender a tansmissão do texto bíblico, principalmente na manuscritologia e nas traduções.

Por vezes, esse método é referido como sinônimo de hipótese documentária, problema sinóptico, método histórico-crítico (do qual é um dos métodos que integra essa abordagem) ou Alta Crítica (conceito hoje obsoleto).

A crítica das fontes procura saber de onde veio e como um texto foi transmitido. Sua origem remonta da filologia alexandrina e foi aplicada na Antiguidade Tardia por exegetas como Jerônimo e Teodoro de Mopsuéstia. No Renascimento, Lourenço Valla aplicou esse método ao Novo Testamento e deixou suas anotações que, mais tarde, Erasmo utilizou para sua edição grega do Textus Receptus.

Crítica canônica

A crítica canônica da Bíblia é uma abordagem exegética sincrônica que estuda o texto tal como foi recepcionado por comunidades de fé, interpretando-o em seu contexto canônico e reconhecendo a Bíblia como uma coleção unificada e inspirada de escritos. Esse método se concentra em ler a Bíblia como um todo coerente, buscando captar sua mensagem teológica e literária integral e sua relevância para as comunidades que a recepcionaram.

Definição e Princípios Fundamentais

A crítica canônica, também conhecida como Abordagem Canônica, enfatiza a leitura da Bíblia como um conjunto harmonioso, a Palavra de Deus para a igreja e para a comunidade de fé. Trata-se de uma metodologia que busca entender as escrituras dentro de seu próprio contexto literário e teológico, reconhecendo a Bíblia como uma seleção cuidadosamente formada de textos sagrados. É uma abordagem frequentemente adotada por cristãos que leem a Bíblia com uma perspectiva de fé, focando-se em compreender seu significado espiritual e moral para suas vidas e suas comunidades.

Princípios-Chave

  1. Verdade: A Bíblia é lida com a expectativa de encontrar a verdade, seja ela literal, histórica, poética ou simbólica. Passagens que podem não ser historicamente precisas são ainda consideradas portadoras de verdades profundas e espirituais.
  2. Relevância: Todo o conteúdo bíblico é visto como eternamente relevante para os fiéis, mesmo quando trata de questões específicas do período da igreja primitiva. Os leitores buscam o significado contínuo desses textos para o contexto contemporâneo.
  3. Importância: Cada passagem da Bíblia é considerada significativa e portadora de sabedoria divina. Nenhuma parte das escrituras é vista como trivial ou irrelevante.
  4. Autoconsistência: A Bíblia é entendida como um documento que fala com uma voz única e unificada. Contradições aparentes entre passagens são encaradas como oportunidades para uma leitura mais aprofundada e uma interpretação harmonizadora dos diferentes pontos de vista no contexto da narrativa bíblica.
  5. Conformidade com o Ensino da Igreja: Especialmente enfatizado em contextos católicos, esse princípio sugere que a interpretação bíblica deve se alinhar com os ensinamentos e tradições centrais da igreja, assegurando que as interpretações sejam fundamentadas na fé histórica da comunidade.

Características Distintivas

A crítica canônica distingue-se de outras abordagens exegéticas por seu foco em certos aspectos centrais:

  • Ênfase na Bíblia como Unidade Completa: Diferentemente de métodos que analisam textos ou versículos isoladamente, a abordagem canônica valoriza a interconectividade das escrituras, buscando compreender a Bíblia como um todo integrado.
  • Foco na Fé e na Comunidade: Esta abordagem reconhece o papel essencial da Bíblia na formação da fé e da vida espiritual da comunidade cristã. O texto é lido em diálogo com as tradições e práticas da comunidade de fé.
  • Sensibilidade a Temas Teológicos: A crítica canônica está particularmente atenta às mensagens teológicas da Bíblia, explorando suas implicações para a crença e prática cristã.

Comparação com Outras Abordagens

Ao contrário de abordagens críticas tradicionais que utilizam fontes extrabíblicas para esclarecer aspectos históricos e culturais, a crítica canônica considera a Bíblia em seus próprios termos. Embora reconheça a importância dos contextos históricos e culturais, esta abordagem não depende deles; em vez disso, prioriza referências e alusões internas para elucidar passagens desafiadoras.

Não é parte do escopo da crítica canônica examinar tradições ou partes menores internas a um livro, como faz, por exemplo, a crítica das fontes. Dessa forma, esse método coloca a Bíblia como um documento completo e divinamente inspirado, direcionando sua interpretação de modo a buscar sentido e unidade teológica.

Forças

  • Promove uma Leitura Holística e Unificada da Bíblia: Estimula os leitores a considerarem a Bíblia em sua totalidade, o que favorece uma visão abrangente de sua mensagem.
  • Encoraja o Envolvimento com a Mensagem Teológica da Bíblia: Convida os intérpretes a explorar as profundezas espirituais e doutrinárias das Escrituras.
  • Fomenta um Sentimento de Continuidade com a Tradição Cristã: Ao alinhar-se com os ensinamentos históricos da igreja, preserva a conexão com as interpretações tradicionais da fé.

Limitações

  • Tendência a Negligenciar Particularidades Históricas e Literárias: Pode deixar de lado as nuances e o contexto de textos específicos, focando mais na unidade global.
  • Risco de Impor Interpretações Teológicas Pré-Concebidas: Ao partir de uma visão de unidade e harmonia, corre-se o risco de encaixar interpretações em uma moldura predefinida, em vez de permitir conclusões mais abertas.

Conclusão

A crítica canônica, desenvolvida por Brevard Childs (1923-2007), oferece uma estrutura rica e unificadora para a leitura da Bíblia dentro de um contexto de fé e comunidade. Ao enfatizar a unidade, relevância e profundidade teológica das escrituras, essa abordagem convida os leitores a se engajarem com a Bíblia como a Palavra viva de Deus. Mesmo com suas limitações, a crítica canônica continua a ser uma ferramenta importante para aqueles que buscam uma interpretação da Bíblia enraizada na tradição e na continuidade da fé cristã.

Bibliografia

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Crítica confessional

O termo crítica confessional aplica-se a duas abordagens de exegese homônimas, porém não relacionadas, além de o termo servir para leituras teológicas sem critérios exegéticos.

A primeira abordagem refere-se à Interpretação Teológica das Escrituras. Desde a distinção proposta por Johann Philipp Gabler entre teologia e estudos bíblicos, a primeira disciplina ficou relegada em fases posteriores da exegese, notoriamente na atualização ou aplicação das Escrituras ou totalmente não considerada. Por outro lado, a reflexão teológica passou a considerar as ciências bíblicas como anciliar da teologia. No entanto, um movimento heterogêneo de exegetas desde dos anos 1950 discutem como conciliar ambas disciplinas.

O segundo significado reflete a utilização de análises literárias voltadas para autobiografias, confissões pessoais, autoetnografia, testimonios para compreender os textos bíblicos.

Ambas abordagens são importantes por transparecer o quanto as interpretações são carregadas de perspectivas pessoais ou pressupostos teológicos. Adicionalmente, legitimam leituras que sirvam para professar experiências de fé, tanto pessoais quanto alinhadas às tradições das confissões históricas.

Vale ressaltar que, por vezes, o termo de interpretação confessional implica em um criticismo às práticas eisegéticas de muitos teólogos que imprimem no textos bíblicos significados alinhados às suas ideologias e tradições teológicas. Nessa linhagem, o termo leitura confessional ou leitura teológica pressupõe uma interpretação sem consciência de critérios exegéticos.

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