Ressurreição na Morte

A teoria da ressurreição na morte é uma hipótese teológica que busca conciliar a escatologia individual com a escatologia geral, rejeitando tanto o dualismo tradicional de corpo e alma separados após a morte quanto a teoria da morte total. Essa perspectiva propõe que a ressurreição, que a Bíblia associa ao retorno de Cristo, não é um evento histórico e futuro, mas um evento atemporal que ocorre para cada indivíduo no exato momento de sua morte.

A base filosófica da teoria reside na distinção entre o tempo terreno e a eternidade. Segundo essa visão, embora da perspectiva terrena possa haver um intervalo de milhares de anos entre a morte de uma pessoa e o retorno de Cristo, da perspectiva do falecido, que já está fora do tempo, ambos os eventos coincidem. A pessoa é imediatamente introduzida na eternidade com corpo e alma.

Proponentes dessa teoria incluem teólogos como Karl Barth no protestantismo e Karl Rahner, Gisbert Greshake e Gerhard Lohfink no catolicismo. No entanto, teólogos como Michael Schmaus e Joseph Ratzinger (mais tarde Papa Bento XVI) consideraram a hipótese, mas a rejeitaram por considerá-la incompatível com a doutrina católica. O pensamento evangélico, especialmente o fundamentalismo americano, também tende a rejeitar essa teoria, pois a considera incompatível com a crença no retorno físico e literal de Cristo como um evento histórico.

Críticas e dificuldades teológicas

A hipótese da ressurreição na morte enfrenta várias críticas. Uma das principais objeções, levantada por Ratzinger, é a acusação de que a teoria “desmaterializa” a ressurreição. Se o corpo terreno decai após a morte, a teoria teria de explicar a natureza do corpo ressurreto. Em resposta, Greshake, por exemplo, recorre a uma visão complexa influenciada por Teilhard de Chardin, sugerindo que o corpo da ressurreição é um “corpo espiritual”, onde o corpo e a história são “espiritualizados e levados à perfeição absoluta”.

Outras críticas se concentram nas implicações teológicas e doutrinárias.

A teoria sugere que o ser humano se torna atemporal como Deus, o que contradiz a crença de que os seres humanos são seres finitos, criados e com um início. A vida eterna, portanto, é entendida não como uma vida atemporal, mas como uma “vida sem fim na presença de Deus” em um “tempo transfigurado”.

A ressurreição de Cristo, enquanto um evento histórico com o túmulo vazio como testemunho, é central para a fé cristã. A hipótese da ressurreição na morte, se aplicada a todos, poderia sugerir que o túmulo de Jesus não precisaria estar vazio, pois a ressurreição é um evento atemporal.

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Pseudo-Ezequiel

Pseudo-Ezequiel, também chamado 4QSecond Ezekiel ou fragmentos 4Q385, 4Q385b, 4Q385c, 4Q386, 4Q388 e 4Q391, é um texto hebraico pseudoepigráfico fragmentário encontrado entre os Manuscritos do Mar Morto na Caverna 4 em Qumran.

O texto é uma discussão entre Ezequiel e YHWH, tomando o relato bíblico de Ezequiel 37 como fonte, mas expandindo-o. Sua datação é estimada ser do século II a.C. A sequência exata dos fragmentos é incerta, embora a ordem dos acontecimentos no livro canônico de Ezequiel forneça uma base para o arranjo atual. O texto é controverso quanto sua leitura e identificação.

O texto começa com YHWH prometendo a Ezequiel que os ossos secos serão ressuscitados e o reino de Israel restaurado. No entanto, ao contrário da restauração nacional metafórica em Ezequiel 37, Pseudo-Ezequiel descreve a ressurreição real dos justos mortos de Israel. Isto o torna um dos únicos dois textos de Qumran que se referem claramente à ressurreição, sendo o outro 4Q521.

Segue, então, uma profecia que um “filho de belial” virá para oprimir os israelitas, mas será derrotado e seu domínio não durará. Em fragmentos posteriores, Ezequiel pergunta a YHWH se o próprio tempo poderia ser acelerado para que Israel pudesse recuperar a terra prometida mais cedo. Há também uma passagem que revisita o tema da ressurreição, seguida de uma evocação final da Merkabah, a carruagem de YHWH mencionada em Ezequiel 1.

Teoria da Morte Total

A Teoria da Morte Total, também conhecida como Ganztodtheorie em alemão, é uma teoria mortalista que aborda o estado da pessoa após a morte e sua relação com a ressurreição. Essa perspectiva rejeita o dualismo tradicional de corpo e alma e, consequentemente, a ideia da imortalidade da alma. Em vez disso, postula que na morte, o ser humano como um todo — corpo, alma e espírito — deixa de existir. Segundo essa visão, a ressurreição não é a reunião de uma alma sobrevivente com um corpo recriado, mas sim uma reconstituição completa da pessoa a partir do aniquilamento total.

Os defensores da teoria baseiam seus argumentos em razões teológicas e em passagens bíblicas. Eles contestam a ideia de que a separação entre corpo e alma, frequentemente associada a ideias filosóficas gregas, seja algo solidamente respaldado pela Bíblia. Argumentam que a Bíblia não ensina a imortalidade da alma, mas sim enfatiza a esperança da ressurreição como um aspecto crucial da fé cristã, tornando a existência contínua da alma após a morte desnecessária. Nessa visão, a ressurreição é vista como uma reconstituição da pessoa completa, um ato de restauração divina.

A teoria propõe diferentes visões sobre como a ressurreição ocorre. Alguns defendem uma recriação idêntica à pessoa que morreu, enquanto outros propõem uma continuidade baseada na identidade pessoal, mas não necessariamente na mesma forma física. A ausência de um inferno de tormento eterno e de um purgatório é vista como uma das vantagens da teoria, já que o conceito de um Deus amoroso e misericordioso seria inconsistente com o tormento eterno. Além disso, elimina o problema teológico de um estado intermediário entre a morte e a ressurreição, pois esse estado simplesmente não existe.

Críticas e debates

A Teoria da Morte Total gerou debates consideráveis na teologia cristã. Teólogos como Paul Althaus, Karl Barth, Oscar Cullmann, Carl Stange e Werner Elert, bem como o filósofo da teologia do processo Charles Hartshorne, defenderam ou exploraram a teoria.

Contudo, a principal crítica se concentra na questão da individualidade e da continuidade do ser humano. Se a pessoa perece completamente na morte e é recriada no último dia, como poderia ser a mesma pessoa? A nova pessoa teria alguma relação com a anterior, e como a sua individualidade seria preservada? Os defensores da teoria respondem que Deus, em Sua onipotência, poderia recriar a pessoa a partir de Sua memória, mantendo suas lembranças e características. Entretanto, os críticos argumentam que isso seria uma nova criação, e não a continuidade da mesma pessoa.

A teoria da morte total também se choca com passagens bíblicas que sugerem um estado pós-morte consciente, como a parábola de Lázaro e o rico (Lucas 16:19-31) e as palavras de Jesus ao ladrão na cruz: “Em verdade te digo, hoje estarás comigo no paraíso”. Para contornar essa última passagem, há leituras que propõem uma pontuação diferente: “Em verdade te digo hoje, estarás comigo no paraíso”. No entanto, essa interpretação não encontra apoio na maioria das análises textuais.

Por fim, a teoria tem implicações significativas para a prática religiosa. Ela anula o consolo de que o falecido está em paz e elimina o sentido das orações pelos mortos e da comunhão com eles. Para a visão católica e de outras tradições, a comunhão com Cristo garante que a pessoa continue a viver após a morte, e o termo “alma” é usado para descrever essa existência contínua.

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Ressurreição

Ressurreição é voltar a viver corporalmente após a morte. Na Bíblia, o termo refere-se a três situações distintas.

  1. Ressurreição miraculosa de mortos, também chamada de ressuscitamento. Entre eles estão
    • O filho da Viúva de Sarepta – 1 Rs 17:17-24
    • O filho da mulher sunamita – 2 Rs 4:8-37
    • O homem reviveu ao tocar nos ossos de Eliseu – 2 Rs 13:20-21
    • A filha de Jairo – Mc 5:35-43; Mt 9:18-26; Lucas 8:49-56
    • O filho da Viúva de Naim – Lc 7:11-17
    • Lázaro – Jo 11:1-44
    • Tabita (Dorcas) – Atos 9:36-43
    • Êutico – Atos 20:7-12
  2. Ressurreição de Cristo. (Mt 28:1-10; Mc 16:1-8; Lc 24:1-12; Jo 20-21; At 1:22; 2:24, 32-33; Gl 1:4; 2:20, etc.)
  3. Ressurreição quando da volta de Cristo. A crença na ressurreição dos mortos era uma entre as várias perspectivas sobre o mundo vindouro no judaísmo do Segundo Templo. Notavelmente rejeitada pelos saduceus, mas aceita pelos fariseus (cf. Atos 23:6-8). É uma crença e esperança crucial para a fé cristã a ressurreição final (Atos 24:15; 1 Ts 4:16; 1 Cor 15; Jo 5:28-29; Ap 20:4-6).

Quanto à ressurreição, é proveitoso alguns esclarecimentos. Alguns teólogos e algumas vertentes teológicas postulam a existência de duas ressurreições finais. Alguns intérpretes das vertentes condicionalistas e aniquilacionistas postulam a ressurreição somente dos justos. Para alguns teólogos o termo ressuscitar aplica-se somente às pessoas que foram trazidas à vida miraculosamente e depois, supostamente, voltaram a morrer, reservando o termo ressurreição para Cristo e para a restauração final. Outros teólogos invertem os termos de forma exclusiva. Por fim, o conceito de ressurreição não é a mesma coisa que transmigração das almas, reencarnação ou uma existência espiritual incorpórea.

BIBLIOGRAFIA

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