A teoria da substituição penal é uma perspectiva soteriológica forense de como a morte de Cristo proporciona a reconciliação da humanidade com Deus.
Nessa perspectiva da expiação pela aubstituição penal, os pecados original e atuais são ofensas à santidade e à justiça de Deus. A satisfação a essa ofensa seria paga pela morte de Cristo (razão para essa teoria ser chamada por vezes de expiação transacional ou comercial). Cristo foi o único capaz de suportar a penalidade total do pecado do homem em sua morte vicária. Toda a culpa e o castigo que os pecadores merecem foram transferidos para Cristo. A obediência de Cristo em vida e sofrimentos em sua pena total foram de tal modo que o pecado não seja mais imputado ou a pena exigida daqueles por quem Ele morreu. Assim, a penalidade dos pecados foi transferida para Cristo por imputação.
As bases bíblicas geralmente apontadas são Jo 11:50-52; Rm 5:8-9; Tt 2:14; 1 Pe 3:18.
Inicialmente a teoria da substituição penal foi elaborada por Calvino com base na teoria de satisfação de Anselmo e da imputação da justificação de Lutero. Vale atentar que tanto Calvino quanto Lutero tratavam da doutrina de modo complexo, sem exclusivamente reduzi-la ao modelo de substituição penal. Calvino refinou essa doutrina em seu debate com Andreas Osiander. Foi contestada por Hugo Grócio e alguns arminianos mediante a teoria governamental de expiação. Entretanto, a teoria da substituição penal ganhou uma versão em John Wesley que se tornou corrente entre arminianos de língua inglesa.
Variantes ocorreram nas confissões calvinistas do século XVII e a teoria do representante federal. Essa variante foi desenvolvida por Cocceius, Turretin e John Gill. Nela, por uma aliança das obras Adão foi o representante federal de toda a humanidade. Portanto, seu pecado e suas consequências seriam legalmente imputados a todos. Cristo seria a contrapartida e representante, mas sendo divino e humano, não pecou. Estaria, assim, representando a humanidade diante do Pai.
A ênfase no vicário (substituição) leva a uma reafirmação pleonástica de “substituição vicária” para distinguir essa doutrina de outras variantes substitutivas de expiação, mas não penais. Um exemplo de substituição não penal é a teoria do prêmio. No final do século XIX, o teólogo sueco P. P. Waldenström chegou à conclusão de que Cristo morreu não para mudar a atitude de Deus Pai para com os pecadores, mas para mudar o coração dos pecadores. Essa variante é chamada de teoria do prêmio (premial theory) da expiação, pois considera o prêmio do lado vitorioso em um caso forense.
A doutrina da substituição penal distingue-se também das teorias sacrificiais de Zinzerford e Girard. A soteriologia do teólogo morávio é sacrificial, mas não substitutiva. Zinzendorf centrava-se na metáfora de Cristo como o Cordeiro imolado, cujo sangue e feridas resgataram o mundo, proporcionavam a união mística e exemplo para humanidade. Influenciado por Dippel, não aceitava que o Deus de amor se satisfaria com a morte de um substituto para a humanidade. Já na teoria do bode expiatório René Girard e James Alison propõem uma substituição vicária, mas não penal. A humanidade odiou os ensinos e vida de Cristo porque não o podia imitar. Foi sacrificado como uma vítima do ódio humano. A morte gera um arrependimento e possibilidade de restaurar a ordem originalmente proposta.
As doutrinas da substituição penal ou expiação sacrificial e mesmo todo o sistema de soteriologia forense recebe diversas críticas teológicas. Um problema o qual essa teoria não responde é a do papel do Espírito Santo bem como não liga ou explica a expiação às transformações proporcionada pela graça desde salvação até cura divina. Há ainda críticas à moralidade dessa teoria. Por exemplo, Rita Nakashima Brock compara expiação sacrificial a ‘abuso infantil divino’. Hydinger e seus colaboradores encontraram uma correlação entre a propagação dessa doutrina com sofrimentos psicológicos. Ainda esse modelo contradiz as evidências bíblicas e históricas sobre a função do sacrifício na antiga religião israelita, o qual não tinha caráter forense. Outra crítica é que na ideia de que na cruz Cristo recebeu a punição exata e literal da humanidade não corresponde exatamente a um inferno de sofrimento eterno em penalidade ao pecado. Todavia, na Declaração de Cambridge (cidade de Massachussetts), elaborada em 1996 pela Alliance of Confessing Evangelicals, um grupo de pastores novo calvinistas e de alguns luteranos consideraram a doutrina da substituição como o próprio evangelho:
Segunda tese: Solus Christus
Reafirmamos que nossa salvação é realizada somente pela obra mediadora do Cristo histórico. Sua vida sem pecado e expiação substitutiva por si só são suficientes para nossa justificação e reconciliação com o Pai.
Negamos que o evangelho seja pregado se a obra substitutiva de Cristo não for declarada e a fé em Cristo e em sua obra não for solicitada.
Diante desse ataque à fé cristã tradicional, reacendeu-se a discussão sobre a doutrina da expiação. Teólogos evangélicos e de diversas vertentes denominacionais responderam com novas articulações das doutrinas históricas do cristianismo sobre a expiação tanto em termos de soteriologia forense quanto de soteriologia transformativa.
BIBLIOGRAFIA
Belousek, Darrin W. Snyder. Atonement, justice, and peace: The message of the cross and the mission of the church. Grand Rapids: Eerdmans, 2011.
Brock, Rita Nakashima; Parker, Rebecca Ann Parker. Saving paradise: How Christianity traded love of this world for crucifixion and empire. Beacon Press, 2008.
Hydinger, Kristen, et al. “Penal substitutionary atonement and concern for suffering: An empirical study.” Journal of Psychology and Theology 45.1 (2017): 33-45.
McGrath, Alister E. Iustitia Dei: a history of the Christian doctrine of justification. Cambridge University Press, 2005.
Stott, John R.W. The Cross of Christ. Downers Grove, Ill. : InterVarsity Press, 1986.
Stump, Eleonore. Atonement, Oxford University Press, 2019.