Eclesiologia

A eclesiologia é o ramo da teologia que estuda a natureza, a estrutura e a função da Igreja.

Os principais tópicos estudados em eclesiologia incluem:

  • O desenvolvimento bíblico e histórico da Igreja.
  • A natureza e os atributos da igreja, incluindo seu papel como corpo de Cristo e a noiva de Cristo.
  • Os sacramentos da igreja, incluindo o batismo e a santa ceia do Senhor
  • Governança e liderança da igreja, incluindo os papéis de bispos/anciãos e diáconos.
  • Unidade da Igreja e Ecumenismo.
  • Missão da Igreja e evangelismo.
  • História e tradições da igreja.
  • Igreja e sociedade, incluindo a relação entre a Igreja e o Estado.
  • Organização da Igreja e denominações.
  • Escatologia e o papel da igreja no plano de Deus para os tempos finais.

Soteriologia forense

A soteriologia forense é um conjunto de teorias teológicas a respeito da salvação. A soteriologia forense emprega a metáfora de um processo penal de justificação no qual o pecador é declarado inocente.

Por esse modelo, a justificação dos pecadores ocorre pela declaração de perdão de Deus por causa da morte e ressurreição de Jesus Cristo. Este modelo desenvolveu-se na Idade Média com base na doutrina da graça de Agostinho, mas em rejeição de seu conceito de justificação como “ficar justo”. Ganharia sua primeira formulação sistemática com a teoria de expiação por satisfação de Anselmo da Cantuária.

A consolidação de uma soteriologia distintivamente forense deve-se a Filipe Melâncton. Com base na concepção de Lutero de que a justificação seria externa (iustitia aliena), Melâncton formulou a doutrina justificação imputada para explicar a condição de justo e pecador. Nessa perspectiva, o pecador seria declarado justo na justificação enquanto a santificação seria algo distinto dentro da obra de salvação. O conceito luterano de justiça imputada bem como os sistemas teológicos calvinistas e arminianos, de uma forma ou outra, são construídos sobre essa metáfora forense. A partir de Calvino a soteriologia forense ganhou contornos de uma substituição penal.

Na esteira calvinista, Francisco Turretin argumentava esse arcabouço soteriológico com os seguintes termos:

A palavra justificação é forense porque as passagens que tratam da justificação não admitem outro sentido senão forense, Jó 9:3. Ps. 143:2, Rom. 3:28 e 4:1-3, Atos 13:39, e em outros lugares, onde um processo judicial é estabelecido, e é feita menção de uma lei acusadora, de pessoas acusadas, que são culpadas, Rom. 3:19, de uma cédula contrária a nós, Col. 2:14, da justiça divina exigindo punição, Rom. 3:24, 26, de um advogado que defende a causa, 1 João 2:1, de satisfação e justiça imputada, Rom. 4 e 5; de um trono de graça diante do qual somos absolvidos, Heb. 4:16, de um Juiz pronunciando sentença, Rom. 3:20, e absolvendo os pecadores, Rom. 4:5.

Turretin

Uma crítica a essa escola soteriologica é atribuir uma inabilidade de Deus exercer livremente sua graça exceto via pagamento dos pecados mediante o sacrifício da cruz. Em outras palavras, pela soteriologia forense a oração dominical pedindo “perdoai as nossas dívidas” estaria errada, pois Deus seria incapaz de perdoar. Portanto, na oração deveria dizer “pagai as nossas dívidas”. Outra crítica é a noção abstrata de justiça e a concepção descontextualizada de justificação. Justiça — nos sentidos bíblicos de dikaiosynē ou tzedekah– implicaria em uma justificação que produza retidão, não se limitando a ser declarado justo. Adicionalmente, nas concepções magistrais de justificação refere-se somente à justiça retributiva, a qual é um dentre vários modelos de justiça, sem contemplar outros modelos desse conceito, como a justiça restaurativa da época do Novo Testamento. Por fim, alguns teólogos consideram a punição de um justo para satisfazer as faltas de alguém injusto um ato sádico que não condiz com o Deus bíblico.

Como todo modelo interpretativo, a soteriologia e justificação forenses são uma construção externa para rearranjar e configurar coerentemente as doutrinas bíblicas. Assim, há pontos fortes e fracos. No entanto, em uma confusão mapa-território, alguns teólogos igualam este modelo explicativo com o próprio evangelho, perfazendo exercícios de eisegese com as Escrituras.

Outros modelos soteriológicos bíblicos mais conhecidos — especialmente fundamentados nas doutrinas sobre expiação e justificação — são a teoria da recapitulação (Irineu, Hicks, Moltmann); a teoria do resgate; a teoria de Christus Victor de Aulén; a teoria da satisfação de Anselmo; a teoria do exemplo moral; teoria da influência moral de Abelardo; teoria do bode expiatório (Girard, Alison); teoria governamental (Grócio); novo aliancismo; nova perspectiva sobre Paulo; soteriologias terapêuticas (transformativa, restaurativa ou regenerativa); teose, dentre outras.

BIBLIOGRAFIA

Barclay, William. The plain man looks at the Apostles’ Creed. Glasgow: Fontana, 1967. pp 111-112.

Finlan, Stephen. Options on atonement in Christian thought. Collegeville, MN: Liturgical Press, 2007.

Green, Joel B.; Baker, Mark D. Recovering the scandal of the Cross: Atonement in New Testament & contemporary contexts. InterVarsity Press, 2000.

Macchia, Frank D. Justified in the Spirit: Creation, Redemption, and the Triune God. Vol. 2. Wm. B. Eerdmans Publishing, 2010.

McGrath, Alister E. Iustitia Dei: a history of the Christian doctrine of justification. Cambridge University Press, 2005.

Rashdall, Hastings. The Idea of Atonement in Christian Theology. London: Macmillan, 1925.

Streadbeck, Arval L. “Juridical Redemption and the Grazer Marienleben.” The Germanic Review: Literature, Culture, Theory 31, no. 2 (1956): 83–87. doi:10.1080/19306962.1956.11786833.

Stott, John R.W. The Cross of Christ. Downers Grove, Ill. : InterVarsity Press, 1986.

Turretin, Francis. Forensic Justification, https://www.ligonier.org/learn/articles/forensic-justification

Calvinismo

Calvinismo é uma designação para diversos sistemas teológicos com alguma conexão com o pensamento do reformador do século XVIII João Calvino.

Frequentemente o termo é utilizado de modo intercambiável com teologia reformada. Entretanto, o termo calvinismo quando empregado sem qualificações tende a se referir (1) à teologia de João Calvino, o que seria em sentido estrito calvinismo; (2) à teologia que reclama o legado de João Calvino conforme formulada pelo Sínodo de Dort ou Calvinismo de Cinco Pontos; (3) ao tipo sociológico proposto por Max Weber para o protestantismo de valores individuais e predestinacionista com base na tradição reformada; (4) ao novo movimento religioso com origem em países de língua inglesa a partir dos anos 1960 que reformula a tradição teológica reformada sob aspectos de subordinacionismo e salvação pelo Senhorio, além de ativa participação sociocultural e política também chamado de Novo Calvinismo.

Construída em uma teologia dos atributos divinos, o calvinismo enfatiza a soberania divina. Suas influências e matrizes são a filosofia estóica, o neoagostinianismo renascentista e a soteriologia forense (principalmente a reelaboração da teoria de satisfação de Anselmo como substituição penal por Calvino). Em seus desdobramentos internos levaram à formação do supra e infralapsarianismo, do amiraldismo, do arminianismo, a “New School Presbyterianism”, o fullerismo batista, Cocceianismo ou aliancismo, Neocalvinismo Kuyperiano e seu desdobramento na teologia reformacional, a teologia de Keswick, a Neo-Ortodoxia Barthiana, dentre outros. Além dessas variantes, diversas tradições nacionais (suíça, alemã, francesa, holandesa, húngara, escocesa, inglesa, galesa, americana, indonésia, coreana e sulafricana são as principais) apresentam ênfases e conceptualizações distintas.

BIBLIOGRAFIA

Allen, Michael; Swain, Scott R. eds. The Oxford Handbook of Reformed Theology. Oxford University Press, 2020.

Balserak, Jon. Calvinism: a very short introduction. Oxford University Press, 2016.

Crisp, Oliver D. Deviant Calvinism: Broadening Reformed Theology. Minneapolis: 1517 Media, 2014. Accessed August 11, 2021. doi:10.2307/j.ctt9m0szp.

Kendall, R. T. João Calvino e o Calvinismo Inglês até 1649. Carisma, 2019.

Helm, Paul. Calvin and the Calvinists. Banner of Truth, 1982.

Holt, Mack P., ed. Adaptations of calvinism in Reformation Europe: essays in honour of Brian G. Armstrong. Routledge, 2016.

Maxwell, Paul. The Trauma of Doctrine: New Calvinism, Religious Abuse, and the Experience of God. Minneapolis, Fortress Academic, 2021.

Olson, Roger E. Against Calvinism: Rescuing God’s Reputation from Radical Reformed Theology. Zondervan Academic, 2011.

Sinnema, Donald; Moser, Christian; Selderhuis, Herman. Acta et Documenta Synodi Nationalis Dordrechtanae. Série em dez volumes. Gottingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 2015-.

Vermurlen, Brad. Reformed Resurgence: The New Calvinist Movement and the Battle Over American Evangelicalism. Oxford University Press, 2020.

Paolo Geymonat

Paolo Geymonat (1827 – 1907) foi pastor valdense e professor da Faculdade de Teologia valdense. Como evangelista e teólogo do movimento de risveglio, influenciou a formação espiritual de uma geração de evangélicos italianos

.

Geymonat estudou na Genebra na École de Théologie de l’Oratoire, ligada ao réveil, o movimento de avivamento entre os suíços. Esteve por um breve período em Württemberg para aperfeiçoar sua educação.

Em 1849, foi enviado a Florença e Roma para apoiar a missão de evangelismo iniciada na esteira do movimento do Risorgimento. Em Florença colaborou com o pastor Bartolomeo Malan na obra de evangelização. Descoberto pela polícia durante uma reunião de oração, Geymonat foi preso e expulso do Grão-Ducado da Toscana.

Posteriormente trabalhou em Turim e a partir de 1851 em Gênova, onde teve Bonaventura Mazzarella como colaborador. Nessa época atendeu os novos convertidos da cidadezinha de Favale di Malvaro, maior parte da família de menestreis, os Cereghino.

Com a fundação da Escola de Teologia de Torre Pellice foi chamado para lecionar. A transferência da Escola de Teologia para Florença resultou na organização da Igreja Valdense naquela cidade.

Junto com Alessandro Gavazzi, Geymonat buscava a unificação das Igrejas Evangélicas Italianas e foi incumbido de fazer um estudo doutrinal sobre a possibilidade de alcançar esta união.

Depois de sua emeritação em setembro de 1902 faleceria em Florença.

Sua teologia é tipicamente do réveil genebrino. Para Geymonat a fé se expressa como uma experiência íntima de comunhão com Cristo, por meio da qual Deus revelou a verdade. Defendia a doutrina da inspiração plenária da Bíblia e do alcance universal do sacrifício de Jesus Cristo.

Foi professor de Filippo Grilli, ao qual transmitiu sua teologia à Primeira Igreja Presbiteriana Italiana de Chicago, formada por muitos convertidos ou de seus descendentes do trabalho evangelístico de Geymonat.

BIBLIOGRAFIA

Van Den End, Thomas. Paolo Geymonat e il movimento evangelico in Italia nella seconda metà del secolo XIX. Torino: Claudiana, 1969.

Livros de Geymonat

“Paolo Geymonat” Dizionario dei protestanti in Italia

Ex opere operato

Esta frase latina significa que “da obra realizada em si” pelos sacramentos é eficaz em si mesma e não dependente da virtude do ministro ou destinatário.

A dependência da eficácia sacramental das condições do agente (ex opere operantis) gera alguns problemas teológicos. Assim, não haveria ministros ou destinatários com capacidade de administrar os sacramentos, dada a condição geral de falibilidade humana. Entretanto, atribuir um poder mágico ao sacramento, com eficácia independente da fé, contraria a obra regenerativa interior proporcionada por Cristo mediante o Espírito. Esse raciocínio levaria a condições conflitantes com a fé em Cristo. Por exemplo, uma pessoa acidentalmente batizada ou que participasse da Santa Ceia estaria automaticamente em comunhão divina, mesmo que jamais tenha sequer sabido quem foi Jesus Cristo.

Uma antiga facção cristã no norte da África no século IV, os donatistas, diziam que os atos sacramentais feitos por ministros corruptos eram inválidos. Durante a Reforma a questão reacendeu, com os protestantes enfatizando a fé do destinatário o catolicismo trentino que a eficácia dos sacramentos dependia não dos ministros, mas do ofício de Cristo realizado neles.

O Artigo 26 dos “39 Artigos de Religião Anglicana” resume a via média a respeito:

ARTIGO XXVI – DA INDIGNIDADE DOS MINISTROS, A QUAL NÃO IMPEDE O EFEITO DOS SACRAMENTOS

Ainda que na Igreja visível os maus sempre estejam misturados com os bons, e às vezes os maus tenham a principal autoridade na Administração da Palavra e dos Sacramentos; todavia, como o não fazem em seu próprio nome, mas no de Cristo, e em comissão e por autoridade dele administram, podemos usar do seu Ministério, tanto em ouvir a Palavra de Deus, como em receber os Sacramentos. Nem o efeito da ordenança de Cristo é tirado pela sua iniqüidade, nem a graça dos dons de Deus diminui para as pessoas que com fé e devidamente recebem os Sacramentos que se lhe administram; os quais são eficazes por causa da instituição e promessa de Cristo, apesar de serem administrados por homens maus.

Não obstante, à disciplina da Igreja pertence que se inquira acerca dos Ministros maus, e que sejam estes acusados por quem tenha conhecimento de seus crimes; e sendo, enfim, reconhecidos culpados, sejam depostos mediante justa sentença.

Palavra de Deus

Palavra de Deus, Logos de Deus, Memra de Deus, Verbo de Deus refere-se à presença divina autocomunicada existente com Deus. No Novo Testamento é exclusivamente manifestada como pessoa em Jesus Cristo (Jo 1:1; 1 Jo 1:1-3, 5; Ap 19:13).

Este conceito, proverbialmente difícil de se traduzir, tradicionalmente aparece como Verbo ou Palavra nas Bíblias de língua portuguesa.

DEFINIÇÕES SEMÂNTICAS E TEOLÓGICAS

O termo teológico Palavra aparece de três formas na Bíblia:

  • A raíz d-b-r, especialmente davar, דָּבָר, H1821, em seu significado originário transmite as ideias de algo pensado (noético), dinâmico e seu produto (coisas). No sentido particular como d-b-r pertinente a Deus refere-se a seu modo de existência que cria e mantém o universo, bem como comunica a vontade divina. No Antigo Testamento a Palavra de Deus é criativa (Gn 1; Is 55:10-11) e dotada de comando (Am 3:1).
  • Logos λόγος, G3364. Em seu sentido genérico significa discurso ou a razão em exercício (raciocínio). Porém, ganha uma conotação especial no conceito de logos como razão ou ordem subjacente conforme conceberam-na os filósofos gregos, servindo a calhar para traduzir o conceito de d-v-r de Deus. Complica mais seu conteúdo semântico por ser próximo de léxis, enunciados, do qual logos com plural logoi é quase sinônimo. A logia (plural de logos) de Deus como atos da razão subjacente na Criação foi particularmente empregada por autores israelitas do segundo Templo, tanto em literatura parabíblicas como Filo de Alexandria, como um modo de existência distinto do próprio Deus. E um termo semanticamente próximo é o logion (G3051) é uma declaração divina ou um oráculo, cujo plural é logia. Nesse último sentido, aparece em At 7:38; Rm 3:2; Hb 5:12; 1 Pe 4:11.
  • Rhema, ῥῆμα, G4839, expressão verbal, assunto. No que se refere à rhema divina indica à autoridade do que é dito por Deus (Rm 10:17).

Na expectativa messiânica do período do Segundo Templo esperava-se pela manifestação do D-B-R/Memra/Logos. A Septuaginta traduz davar como logos e rhema quase de modo intercambiável e com sentido virtualmente sinônimos esses termos aparecem no Novo Testamento. Nesse sentido aparecem nas versões aramaicas da Bíblia Hebraica, Targum, que utilizam o termo Memra, a Palavra personificada.

O Cristianismo reconheceu essa manifestação em Jesus Cristo (Jo 1:1; 1 Jo 1:1-3, 5; Ap 19:13). O Logos joanino é fortemente paralelo ao conceito de Sabedoria no judaísmo de expressão helenística. Nele, a Sabedoria e a Palavra já estavam associadas (Sabedoria de Salomão 9:1-2).

O evangelho de João afirma que o Logos estava plena e unicamente identificado com Jesus Cristo. Comparando com autores da época, o Logos para Filo, por exemplo, seria um modo divino, porém subordinado a Deus, mas pervasivo a todo pensamento racional. Em contraste, no evangelho de João a encarnação do Logos trouxe vida aos seres humanos, aos quais, de outra forma, ela não estaria disponível (Jo 1:1-18).

Há conotações no Novo Testamento no qual a “Palavra” frequentemente significa a mensagem cristã (2 Co 2:17; cf. 1 Co 1:18).

Durante a Reforma, consagrou-se a fórmula de a Palavra de Deus ter uma tripla manifestação: a Palavra de Deus encarnada em Jesus Cristo, a Palavra de Deus escrita testificada nas Escrituras e a Palavra de Deus proclamada na pregação do Evangelho. Nesse respeito diz o Artigo 1o da Segunda Confissão Helvética:

A Escritura é a Palavra de Deus. O mesmo apóstolo diz aos tessalonissenses: “Tendo vós recebido a palavra que de nós ouvistes, que é de Deus, acolhestes, não como palavra de homens, e, sim, como, em verdade é, a palavra de Deus”, etc. (I Tes 2.13). E o Senhor disse no Evangelho: “Não sois vós os que falais, mas o Espírito de vosso Pai é quem fala em vós” (Mat 10.20); portanto, “quem vos der ouvidos, ouve-me a mim; e, quem vos rejeitar, a mim me rejeita; quem, porém, me rejeitar, rejeita aquele que me enviou”, (Mat 10.40; Luc 10.16; João 13.20).

A pregação da Palavra de Deus é a Palavra de Deus. Portanto, quando esta Palavra de Deus é agora anunciada na Igreja por pregadores legitimamente chamados, cremos que a própria Palavra de Deus é anunciada e recebida pelos fiéis; e que nenhuma outra Palavra de Deus pode ser inventada, ou esperada do céu: e que a própria Palavra anunciada é que deve ser levada em conta e não o ministro que a anuncia, pois, mesmo que este seja mau e pecador, contudo a Palavra de Deus permanece boa e verdadeira.

Nem pensamos que a pregação exterior deve ser considerada infrutífera pelo fato de a instrução na verdadeira religião depender da iluminação interior do Espírito; porque está escrito: “Não ensinará jamais cada um ao seu próximo… porque todos me conhecerão” (Jer 31.34), e “nem o que planta é alguma cousa, nem o que rega, mas Deus que dá o crescimento”, (I Cor 3.7). Pois, ainda que ninguém possa vir a Cristo, se não for levado pelo Pai (cf. João 6.44), se não for interiormente iluminado pelo Espírito Santo, sabemos contudo que é da vontade de Deus que sua palavra seja pregada também externamente. Deus poderia, na verdade, pelo seu Santo Espírito, ou diretamente pelo ministério do anjo, sem o ministério de São Pedro, ter ensinado a Cornélio (cf. At 10.1 ss); não obstante, ele o envia a São Pedro, a respeito de quem o anjo diz: “Ele te dirá o que deves fazer” (cf. At 11.14).

A iluminação interior não elimina a pregação exterior. Aquele que ilumina interiormente dando aos homens o Espírito Santo é o mesmo que deu aos discípulos este mandamento: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16.5). E assim, em Filipos, São Paulo pregou a Palavra externamente a Lídia, vendedora de púrpura; mas o Senhor, internamente, abriu o coração da mulher (At 16.14). E o mesmo São Paulo, numa bela gradação, em Rom 10.17, chega, afinal, a esta conclusão: “E assim, a fé vem pela pregação e a pregação pela palavra de Cristo”.

Reconhecemos, entretanto, que Deus pode iluminar quem ele quiser e quando quiser, mesmo sem ministério externo, pois isso está em seu poder; mas aqui falamos da maneira usual de instruir os homens, que nos foi comunicado por Deus, tanto por mandamento como pelo exemplo.

TEXTOS BÍBLICOS RELEVANTES

  • Gênesis 15:1-6
  • 1 Samuel 3:1,7,19-21
  • Salmo 18:30
  • Salmo 33:4-6
  • Jeremias 1:4-10
  • João 1:1-3
  • Atos 6:7; 12:24; 13:49; 19:20
  • 1 Tessalonicenses 2:8-13
  • Hebreus 4:12; 13:7
  • 1 João 1:1-3, 5
  • Apocalipse 19:13

SAIBA MAIS

Boyarin, Daniel. “The Gospel of the Memra: Jewish Binitarianism and the Prologue to John.” Harvard Theological Review 94.3 (2001): 243-284.

Bullinger, Heinrich. “Artigo 1”. Segunda Confissão Helvética (1566).

Bury, Robert Gregg. The Fourth Gospel and the Logos-Doctrine. Cambridge, W. Heffer & Sons, 1940.

Currie, Thomas Christian. The Only Sacrament Left to Us: The Threefold Word of God in the Theology and Ecclesiology of Karl Barth. ISD LLC, 2016.

Zander, Glenn, “An Investigation of Logos Tou Theou in the New Testament” (1974). Master of Divinity Thesis. 122. Concordia Seminary, St Louis. https://scholar.csl.edu/mdiv/122

Em termos gerais, é um estado psicológico e relação com algo. Em sentido bíblico corresponde à fidelidade, confiança, comunhão relacional, convicção e depósito de crença.

No Antigo Testamento vários termos, normalmente não traduzidos, referem-se à fé. O mais comum deles é o ‘emunah,  אמונה, cujos sentidos originários eram do campo semântico de firmeza e estabilidade, do qual emerge o sentido de confiança e constância. Um de seus derivados é a palavra “Amém”. O emprego desse termo é diverso e tem conotações ativas. São geralmente traduzidas na Septuaginta por pisteoo, acreditar, e pistos, fiel.

Dois substantivos derivados são ‘emeth אֱמֶת, e ‘emunah אֱמוּנָה. Possuem um sentido passivo de fidelidade mais que algum sentido ativo de acreditar ou crer. Existem várias outras palavras que estão intimamente associadas à ideia de fé e fidelidade no Antigo Testamento, particularmente aquelas que denotam esperança. Outra raíz, h-s-d, denota a relação de Deus e o homem e do homem e o homem sob a aliança.

Os tradutores da Septuaginta preferiram o termo alētheia para ‘emeth e ‘emūnāh, o que quase sempre aparecem no Novo Testamento como verdade, realidade e autenticidade. Autores tardios do período do Segundo Templo refinaram o conceito, empregando também o termo grego antigo pístis (πίστις) com conotações distintas (Lindsay, 1993).

É bem notório que pístis aparece nesses textos de forma polissêmica. De uma lado do campo semântico pístis versa sobre o estado de espírito ou uma emoção de confiança a algo ou alguém. De outro lado do campo semântico, pístis é sobre o relacionamento e práxis feitos com segurança, lealdade, aliança e comunhão. (Morgan, 2015; Bates, 2017; Diggle, 2021).

Nas traduções latinas, consequentemente para o mundo ocidental, ‘emunah e pístis ganharam a conotação de fides, termo que já era utilizado para se referir à Pístis filosófica grega. A teologia latina, sobretudo a escolástica e mesmo a protestante transformou a semântica de fides para limitar-se à atividade cognitiva. Conforme formulado por Melâncton, a fides passou a compreender três coisas: notitia (entendimento), assensus, (reconhecimento) e fiducia (confiança). Entretanto, desde o século XVIII, tanto pelos avanços da epistemologia quanto pela ciências linguísticas e filológicas, os sentidos grego e hebraico de fé conforme a Bíblia foram redescobertos no mundo ocidental.

SAIBA MAIS

Bates, Matthew W. Salvation by Allegiance Alone: Rethinking Faith, Works, and the Gospel of Jesus the King. Baker Academic, 2017.

Diggle, James. The Cambridge Greek Lexicon. Cambridge University Press, 2021.

Lindsay, Dennis R. Josephus and Faith:” pístis” and” pisteúein” as Faith Terminology in the Writings of Flavius Josephus and in the New Testament. Vol. 19. Brill, 1993.

Morgan, Teresa. Roman faith and Christian faith: Pistis and fides in the early Roman Empire and early Churches. OUP Oxford, 2015

VEJA TAMBÉM

Pistis Christou

Comunhão

Quiliasmo

Doutrina que haverá um reino divino na Terra por um milênio, conforme interpretação de Apocalipse 20:1-6.
As teorias escatológicas que consideram a existência literal do reino milenar são o pré-milenarismo (crença que Cristo reinará por mil anos antes do juízo final), pós-milenarismo (crença que a segunda vinda de Cristo e o juízo final serão precedidos por um reino de mil anos). Já o amilenarismo é o nome dado às teorias que consideram que o reino de Cristo será nos céus ou algo simbólico.

Arminianismo

Sistemas teológicos da família reformada que enfocam a justiça de Deus e enfatizam a responsabilidade humana na salvação. Também referido como sinergismo (cooperação).

Dentre seus formuladores estão os teólogos holandeses Jacobus Arminius (1560 – 1609) e Hugo Grotius (1583– 1645), bem como a Igreja Remonstrante. Nos países de língua inglesa, esse sistema foi reconceptualizado por John Wesley.