Teoria da Autorização Imperial

A Teoria da Autorização Imperial do Pentateuco postula que a legislação proposta pelas autoridades locais dentro do Império Persa foi endossada pelo governo central a ponto de se tornar lei imperial. Essa política teria levado à promulgação da Torá (Pentateuco) como lei para judeus e samaritanos sob o domínio persa.

Esta teoria, introduzida pelo biblista da Universidade de Zurique Peter Frei em 1984, sugere que os livros bíblicos de Esdras, Neemias e Ester refletem exemplos deste fenômeno. Adicionalmente, Erhard Blum, Frank Crusemann e Joseph Blenkinsopp exploraram a conexão entre a missão de Esdras e as iniciativas legais persas em Yehud, e a adoção do Pentateuco como texto dotado de autoridade civil e religiosa pelos judeus e samaritanos. A teoria não pretende explicar a composição do Pentateuco, mas utiliza as tradições de Esdras como evidência do processo de autorização imperial.

BIBLIOGRAFIA

Knoppers, Gary N. and Bernard M. Levinson., eds. The Pentateuch as Torah: New Models for Understanding Its Promulgation and Acceptance. Winona Lake: Eisenbrauns, 2007.

Frei, Peter; Klaus Koch. Reichsidee und Reichsorganisation im Perserreich. Orbis biblicus et orientalis 55. Fribourg: Universitätsverlag Freiburg Schweiz, 1984.

Ska, Jean-Louis. Introduction to Reading the Pentateuch. Winona Lake: Eisenbrauns, 2006.    

Watts, James W. (org.). Persia and Torah: the theory of imperial authorization of the Pentateuch. Symposium series. Society of Biblical Literature, 2001.

Tibåt Mårqe

Tibåt Mårqe é uma coleção de poesia litúrgica, hinos e composições midráshicas atribuídas ao estudioso, filósofo e poeta samaritano do século IV Mårqe.

Embora o manuscrito mais antigo que sobreviveu remonte ao século XIV, apenas fragmentos sobreviveram. Recentemente, uma nova edição incluindo uma tradução para o inglês foi publicada em 2020.

Este texto, um reescrita dos cinco livros da Torá Samaritana, oferece interpretações ampliadas do Pentateuco, fornecendo ensinamentos teológicos, didáticos e filosóficos, muitas vezes entrelaçados com elementos poéticos.

Torá

Torá, Torah ou תּוֹרָה em hebraico significa em sua forma mais básica “instrução ou lei”. Entretanto, as nuances e conjunto de pressupostos que o termo Torá carrega são distintos daqueles que portam o termo Pentateuco. Torá pode ter os sentidos

  1. um termo genérico para instrução (cf. Pv 1:8; 4:2);
  2. uma norma ou lei (Lv 10:11);
  3. o decálogo (Ex 24:12);
  4. o conteúdo do Pentateuco (At 13:15, At 24:14); ou
  5. toda a Bíblia Hebraica/Antigo Testamento (por exemplo, Jesus referencia Sl 82:6 como Torá em Jo 10:34).

Divisão da Lei

A divisão da Lei, ou Torá bíblica tem sido objeto de discussão teológica, filosófica e jurídica ao longo da história. Várias perspectivas surgiram, agrupadas no holismo legal, que vê a Lei como um todo integral,e no particionimso legal, que permite divisões ontológicas ou funcionais.

Diferentes tipologias para a divisão da Lei foram propostas entre as tradições religiosas, refletindo diversas abordagens teológicas e exegéticas.

O holismo legal afirma que a Lei não é divisível e deve ser entendida como uma entidade unificada. Um argumento é que aspectos como os sacrifícios de reparação envolvem o cumprimento de obrigações civis, deveres rituais e arrependimento moral simultaneamente para sua eficácia.

O particionismo legal considera que a Lei possa ser divisível. Seria dividida ou ontologicamente (os múltiplos aspectos foram pretendidos por Deus) ou funcionalmente (os múltiplos aspectos são ferramentas analíticas ou didáticas para seus intérpretes). Essa perspectiva inclui a dicotomia legal, dividindo a Lei em dois aspectos, e a tricotomia legal, dividindo-o em três aspectos.

Tipologias históricas para divisão da Lei

Perspectivas da Patrística

  • Em geral, os autores patrísticos trataram a Lei como algo holístico, por vezes em tom de supersessionismo. Contudo, alguns autores apresentam concepções particionistas.
  • Irineu (século II): Distingue-se entre Lei cerimonial (de duração limitada) e Lei moral (de validade permanente).
  • Justino Mártir (século II): Reconheceu três tipos de material na Lei, servindo à piedade, à justiça, ao mistério do Messias ou respondendo à dureza do coração das pessoas.
  • Barnabé (século II): Distinções reconhecidas na Lei de Deus, incluindo sacrifícios abolidos e circuncisão, enfatizando a adesão aos mandamentos.
  • Tertuliano (séculos II-III): Lei primordial ou natural reconhecida e Lei sacerdotal ou levítica, sugerindo as distinções morais e civis posteriores.
  • Epístola de Ptomeu a Flora (século II): Dividiu a Lei em preceitos genuínos, os adulterados pela injustiça, e os simbólicos e típicos, enfatizando a necessidade de complementação pelo Salvador.
  • Agostinho (século IV): Identificou preceitos morais e simbólicos, como exemplos o preceito moral “Não cobiçarás” e o preceito simbólico da circuncisão.

Judaísmo Normativo

  • Adere ao holismo legal, mas reconhece uma dicotomia para expressar a Lei.
  • Halacá: aspectos normativos da Lei.
  • Hagadá: aspectos descritivos (e frequentemente narrativos) da Lei.


Escolática Medieval

  • Tricotomia Legal: Lei moral, Lei cerimonial e Lei civil.
  • Remonta a Tomás de Aquino, distinguindo preceitos morais ditados pela lei natural, preceitos cerimoniais relacionados ao culto divino e preceitos judiciais ou civis que determinam a justiça entre as pessoas. Summa Theologica, 2a, Q 99, Artigo 4.


Perspectivas Protestantes

  • Lutero e os Anabatistas: holismo legal, vendo a Lei como um todo integral em oposição à Graça e ao Novo Testamento.
  • Tradição Reformada: tricotomia legal, dividindo a Lei em componentes morais, cerimoniais e judiciais. As leis cerimoniais e civis eram restritas aos israelitas enquanto as leis morais seriam eternas. Calvino, Institutas, 4. 20. 14. Turretino, Institutas da Teologia Elêntica 11.24.1.
  • Anglicanos e metodistas: implícito particionismo, mas não elaborado. Nenhum cristão estaria isento de obedecer os mandamentos do Antigo Testamento chamados morais.

Ciências bíblicas contemporâneas

  • Os estudos bíblicos contemporâneos tendem a rejeitar o particionamento legal como uma imposição de categorias externas ao texto bíblico. Os críticos argumentam que dividir artificialmente a Lei em partes distintas pode simplificar excessivamente a sua complexidade e negligenciar as intrincadas conexões dentro do quadro jurídico. No entanto, estudiosos como Cohen e Alt notaram diferentes aspectos analíticos da Lei.
  • Boaz Cohen identifica diferentes aspectos analíticos dentro da Lei. Cohen sugere uma divisão tripla que consiste em cerimonialismo, jurisprudência e ética. Nota termos específicos em Deuteronômio 6:1, enfatizando a relevância dos ‘mandamentos’, ‘estatutos’ e ‘julgamentos’ na compreensão da natureza multifacetada da Lei.
  • O exame indutivo de Albrecht Alt dos sistemas jurídicos do Antigo Oriente Próximo resultou na emergências de duas categorias. Alt reconhece uma forma de holismo legal, mas introduz uma distinção entre leis apodíticas e casuísticas. A lei apodítica refere-se a mandamentos divinos atemporais, como os Dez Mandamentos, sem explícita cláusula de penalidade. Por outro lado, a lei casuística trata da aplicação de leis a casos específicos, frequentemente com penalidade e aspectos processuais. Esta distinção acrescenta uma camada de complexidade à compreensão de como a lei divina interage com situações práticas.

Holismo teológico

O holismo teológico, defendido por estudiosos como John Metcalfe e Edgar Andrews, enfatiza a indivisibilidade da Lei. Metcalfe se opõe veementemente à divisão da lei em partes morais, judiciais e cerimoniais, argumentando que a totalidade da Lei foi dada por Moisés e não pode ser aplicada seletivamente. Andrews, em seu comentário sobre Gálatas, destaca que não há nenhuma indicação no texto bíblico sugerindo que Paulo considerasse a lei dividida em partes separadas. Em vez disso, Paulo fala explicitamente sobre “toda a lei” em Gálatas 5:14 reforçando a ideia da sua indivisibilidade.

Manuscrito Ashkar-Gilson

O Manuscrito Ashkar-Gilson (cerca de 600-700 d.C.) é um fragmento de um rolo da Torá contendo Êxodo 9:18–13:2 em forma consonantal proto-massorética. É um dos raros manuscritos intermediários entre o Texto Massorético e o Manuscritos do Mar Morto.

Desde os grandes códices massoréticos, a Canção do Mar foi transmitida com cuidado por copistas massoréticos com um layout específico. Os copistas usaram uma diagramação simétrica especial centralizada em blocos, com espaços em branco marcando o fim das unidades poéticas. Esse layout é encontrado em todos os rolos da Torá usados nas sinagogas atualmente e também aparece no Manuscrito Ashkar-Gilson sem qualquer desvio do arranjo posterior. Contudo, estão ausentes nos manuscritos do Mar Morto. Assim, o Manuscrito Ashkar-Gilson é um exemplar transicional entre os textos proto-massorético e massorético.

O manuscrito foi encontrado em Beirute, Líbano, em 1972, talvez venha da Geniza do Cairo. Continha Êxodo 13:19–16:1, a Canção do Mar. O Manuscrito Ashkar-Gilson foi doado à Universidade Duke. Em 2007, a universidade emprestou o fragmento ao Museu de Israel em Jerusalém, onde foi exibido no Santuário do Livro.

Enquanto estava em exibição, dois especialistas israelenses, Mordechai Mishor e Edna Engel, notaram que a caligrafia e o layout do Manuscrito Ashkar-Gilson eram semelhantes a outro fragmento de pergaminho conhecido como Manuscrito de Londres, que contém uma passagem anterior do Êxodo (Êxodo 9:18–13:2). Pesquisas adicionais confirmaram que ambos os manuscritos faziam parte do mesmo rolo da Torá, datado do século VII ou VIII d.C. O rolo reunido, contendo seções dos capítulos 9 a 16 do Êxodo, preenche uma lacuna crucial na história da transmissão do texto bíblico, fornecendo evidências de um estágio intermediário entre os Manuscritos do Mar Morto e os textos massoréticos.

BIBLIOGRAFIA

Sanders, P. “The Ashkar-Gilson Manuscript: Remnant of a Proto-Masoretic Model Scroll of the Torah”. The Journal of Hebrew Scriptures, vol. 14, Jan. 2014, doi:10.5508/jhs.2014.v14.a7.