Papiros de Wadi Daliyeh

Os papiros de Wadi Daliyeh, datados entre 375 a 335 a.C., são 18 documentos parcialmente legíveis, além de 128 selos e bulas de argila, oriundos de Samaria no período Persa.

Demostra a formação de um governo hereditário na região da Samaria pré-helenista. A maioria consiste de documentos de venda de escravos, além de um contrato de empréstimo, um processo civil, e outros contratos.

Foram descobertos em 1962 na caverna de Abu Shinjeh. Junto dos documentos estavam os ossos de 205 indivíduos, possivelmente de samaritanos fugitivos das represálias de Alexandre, o Grande, depois do assassinato de seu sátrapa Andrômaco.

Vários selos contém a fórmula “[Yesha’]yahu filho de [San]balate, Governador de Samaria”.

Esses achados corroboram a (confusa) narrativa de Flávio Josefo sobre o santuário dos samaritanos (História dos Hebreus 11.302–312; 11.321–325). Outra contribuição é que atesta um governador de Samaria chamado Sanbalate no século V a.C..

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Óstracos de Samaria

Siquém

Siquém, em hebraico שְׁכֶם, shekhem, “ombro”, é uma cidade mencionada várias vezes e cenário de muitos eventos na Bíblia. Localiza-se no moderno sítio arqueológico de Tel Balata, próximo a Nablus na Palestina.

Estava localizada na região central de Canaã (e depois no termo de Efraim), na passagem entre o Monte Ebal e Monte Gerizim. Controlava uma importante rota comercial e tinha um vale fértil a leste.

A ocupação pré-histórica como cidade é datada do calcolítico (4o milênio). Da idade do Bronze restam vestígios de um templo-fortaleza dedicado a Baal-Berit (o Senhor da Aliança) (Jz 8:33; 9:4,46). Artefatos com inscrições proto-cananeias e algumas tabuletas em escrita acadiana atestam a conexão da cidade com outras nações do Antigo Oriente Médio. Seu nome aparece na estela da Sebek-khu (c.1880-1840 a.C.) e nas Cartas de Amarna (XIII a.C.). A Carta de Siquém (século XIV a.C.) com a cobrança dos honorários de um professor é a mais antiga atestação de escolas e atividades escribais no território de Canaã.

Siquém foi a primeira cidade visitada por Abraão em sua migração de Harã (Gn 12:6). Sob a grande árvore (terebinto) de Moré em Siquém Deus apareceu a Abraão. Nesse terebinto Abraão edificou um altar e ofereceu sacrifícios.

A passagem de Abraão por Siquém constitui uma dificuldade bíblica. No discurso de Estevão em Atos 7:2-53, Abraão, ao invés de Jacó, comprou o terreno em Siquém dos filhos de Hamor (cf. At 7:16 com Gn 33:18-19; 23:3-20).

Siquém figura com mais destaque nas tradições associadas a Jacó. Em seu retorno de Padam-Aram comprou um lote de terra em Canaã próximo a Siquém, onde ergueu um altar a El Elohe Israel.

Enquanto a família de Jacó vivia estacionada perto da cidade, ocorreu o estupro de Diná (Gn 34) pelo príncipe de mesmo nome da cidade, Siquém filho de Hamor. Quando Siquém propôs casamento com Diná, os filhos de Jacó Simeão e Levi enganaram os homens da cidade. Os irmãos persuadiram-nos a serem circuncidados (brit-milah) como requisito para o casamento. Simeão e Levi massacraram os homens enquanto convalesciam da circuncisão. Temendo retaliação, Jacó fugiu para Betel, enterrando os deuses levados por seu clã sob o terebinto.

Na saída do Egito, os israelitas trouxeram o corpo mumificado de José e o enterraram em uma tumba perto da cidade (Js 24:32). 

Em Siquém, Josué renovou a aliança (berit) do Sinai com os líderes tribais de Israel, talvez venha aí a designação do santuário do Deus da Aliança (El-Berit) ou Senhor da Aliança (Baal-Berit) (Js 24). No loteamento da terra, foi reservada como uma cidade de refúgio levítica coatita (Js 21:20-21). O santuário de Siquém pode ter sido o primeiro local centralizado de culto dos israelitas (Noth, 1996).

Bo período dos juízes, Abimeleque, filho de Gideão, vivia com uma concubina em Siquém. Com apoio dos siquemitas, conseguiu ser aclamado rei (Jz 9:1-6) e matou seus potenciais concorrentes: seus irmãos, exceto a Jotão que escapou. A ascenção de Abimeleque, custeada pelo templo Baal-Berit durou somente três anos, pois o povo de Siquém decidiu substituí-lo por Gaal, filho de Edede. Abimeleque atacou a cidade e seu templo-fortaleza de Baal Berit, onde boa parte da população se refugiou. Abimeleque pôs fogo no templo.

Contrário ao senso comum, a cidade principal dos samaritanos nunca foi Samaria, mas Siquém, dada sua proximidade com o Monte Gerezim. No século II a.C. o historiador e poeta samaritano Teodoto escreveu um épico sobre Siquém, dos quais quarenta e sete hexâmetros são preservados por Eusébio.

Roboão teria sido coroado rei em Siquém (1Re 12:1), mas logo a cidade serviu como capital de Jeroboão (1Re 12:25), antes da transferência da capital do Reino do Norte para Samaria.

Os salmos 60:6-8 e 108:7-9 mencionam Siquém e outras localidades potentes na vizinhança.

Em seus relatos da perseguição aos israelitas por Antíoco Seleuco (c.170-164 a.C), Josefo cita uma suposta carta ao rei pedindo não serem perseguidos  (Ant Jud 12:257–264). Nessa carta alegam que seriam “sidônios em Siquém”, não israelitas, embora observassem o sábado. Requisitavam que o templo no Monte Gerizim fosse dedicado a Zeus Hellenios. Josefo identifica esses sidônios com os samaritanos. A carta, suas premissas e suas implicações são disputadas pela historiografia. Os “sidônios em Siquém” poderiam ser invenção de Josefo, subtefúgio de uma comunidade perseguida ou mesmo uma colônia distinta de fenícios, como havia em Marisa e Jamnia do Mar da Galileia.

Já na época de Jesus Siquém não existia mais, pois fora destruída por João Hicarno no início do século II a.C. No entanto, Sicar (Jo 4:5-15), onde havia um poço cavado por Jacó, aparenta ser uma aldeia próxima às ruínas da antiga Siquém.

Na primeira Guerra Judaico-Romana a aldeia próxima Siquém foi destruída pelos romanos (67 d.C.), sendo refundada com o nome de Flavia Neapolis (72 d.C.). Do nome Neápolis deriva a atual designação Nablus.

BIBLIOGRAFIA

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Lewis, Theodore J. “The Identity and Function of El/Baal Berith.” Journal of Biblical Literature 115 (1996): 401–23

Noth, Martin. The History of Israel. London: Xpress Reprints, 1996.

Wright, G. Ernest. Shechem: The Biography of a Biblical City. New York: McGraw-Hill, 1964.

Samaritanos

Samaritanismo, em hebraico: שומרונים, shomronim, os guardiões, é uma religião abraâmica e povo originário dos antigos israelitas, cujo culto se concentra no Monte Gerizim (perto de Nablus e da antiga Siquém), orientado exclusivamente pela Torá (Pentateuco).

Nome e história

Os samaritanos são distintos dos samarianos (habitantes de Samaria, em hebraico shomerim). Conforme mencionado, seu centro fica ao redor do monte Gerizim, a meio caminho entre Jerusalém e a antiga Samaria. Samaritanos (em hebraico, shomronim) significa “guardiões”, no sentido de observadores da Torá. Embora os samaritanos historicamente nunca tenham considerado Samaria como seu centro político ou lugar sagrado, nas línguas ocidentais, houve uma fusão dos termos samaritano e samaritano desde que a Septuaginta traduziu ambas as palavras como οἱ Σαμαρῖται.

A história da origem dos samaritanos e da rivalidade com os judeus é cheia de dificuldades e bastante complexa.

A tradição samaritana traça suas origens nas tribos israelitas do norte que ocuparam a região desde a época de Josué. Segundo as crônicas samaritanas, o cisma entre o samaritanismo e o judaísmo foi causado quando o sacerdote Eli criou um santuário alternativo em Siló em oposição ao sacerdote Uzi, descendente de Fineias, o qual continuou com um tabernáculo no Monte Gerizim. As evidências arqueológicas atestam uma continuidade populacional que os fazem remanescentes das tribos do norte que sobreviveram a deportação pelo Império Neo-Assírio após a destruição do Reino de Israel. Em contraste com as linhagens zadoquitas em Jerusalém, seus sacerdotes eram aarônicos. Com a drástica redução de sua população e a extinção da linhagem aarônica de Eleazar em 1624, todos os samaritanos hoje são descendentes da linhagem de Itamar, filho de Aarão. No entanto, os três clãs também traçam suas linhagens paternas até as tribos de Manassés e Efraim.

No período do Segundo Templo, surgiu uma interpretação de 2 Rs 17:24-41, que dizia que os samaritanos serem um grupo étnico misto e culto idólatra originário dos povos trazidos pelos assírios no antigo reino do norte de Israel. No entanto, 2 Re 17:29 refere-se a “samarianos” e não a “samaritanos”. Além disso, é longa a história da presença de povos mistos e convertidos entre os judeus (por exemplo, Calebe, Rute, o povo que acompanhou os israelitas no Egito e os filhos de Moisés). Por fim, as evidências bíblicas indicam a continuidade do culto a Deus entre os povos do norte tanto no período de Josias (1 Cr 34:9) como no exílio (Jr 41:5); portanto, a divisão e hostilidade entre samaritanos e judeus são posteriores.

Evidências históricas apontam para uma divisão nos períodos persa e helenístico, consolidada no período asmoneu. Provavelmente houve um período de colaboração e reconhecimento mútuo, inferido pelas correspondências elefantinas e das recensões do Pentateuco dos judeus e dos samaritanos logo após o exílio. Algumas leituras do livro de Neemias e Esdras (Ne 13:28; Ed 4:2) permitem imaginar que por volta de 445 a.C. ocorreram conflitos entre os remanescentes da terra e os retornados do exílio que reconstituíram a comunidade de Jerusalém. A rivalidade era visível desde os períodos helenístico e macabeu, acentuada pela destruição do santuário e da cidade no monte Gerizim no ano 110 a.C. movida por João Hicarno.

O Novo Testamento atesta uma atitude ambivalente em relação aos samaritanos, mas deseja incluí-los na comunidade cristã (Mt 10:5, Lc 9:51-55; 10:25-37; Jo 4:9; At 8:4 -40). No século I, Josefo acusou os samaritanos de perseguir peregrinos judeus; espalhando ossos humanos no santuário de Jerusalém; e os judeus, por sua vez, de queimarem aldeias samaritanas.

Na Guerra de Kochba, os registros e livros samaritanos foram destruídos. A insinuação de que eram um povo mestiço e com um culto derivado da mistura com outras religiões fez com que os samaritanos desenvolvessem uma estrita endogamia.

Epifânio, João de Damasco e Nicetas mencionam a existência de quatro seitas samaritanas: essênios, sebuaeanos, gortenianos e dositeus. No entanto, quase nada se sabe sobre eles e, no 2º milênio, a comunidade aparece unificada.

A sinagoga mais antiga encontrada, a de Delos na Grécia (século II a.C.), tem uma inscrição que a associa ao Monte Gerizim, tornando-a uma sinagoga samaritana. A diáspora samaritana estava presente na Ásia Menor, Itália, Síria e Egito. Em algumas ocasiões, o número de samaritanos na Síria e no delta do Egito superou o de judeus, como comprovam os tributos arrecadados por comunidades religiosas.

Os séculos IV e V d.C. foram o apogeu numérico e político samaritano. No início do século IV, um sacerdote, Baba Rabba, liderou um renascimento religioso e social. Exceto por um breve período de independência durante a guerra contra os bizantinos, os samaritanos viveram sob a vontade de seus governantes. As guerras de 484, 529 e 566 contra os bizantinos resultaram em pesadas perdas para os samaritanos. Durante o período islâmico e as cruzadas, a comunidade samaritana diminuiu à beira da extinção, embora geralmente protegida pelos muçulmanos. A última comunidade significativa da diáspora, a de Damasco, se converteu ao Islã, enquanto algumas famílias se mudaram para Siquém no século XVII.

O censo da Palestina Britânica de 1922 registrou 163 samaritanos. Em 2021, 840 samaritanos viviam ao redor do Monte Gerizim e em Ḥolon perto de Tel Aviv. Eles são as únicas pessoas elegíveis para ter dupla cidadania israelense e palestina. Na década de 2010, devido a problemas genéticos, as autoridades dos samaritanas autorizaram a conversão e o casamento de pessoas não nascidas como samaritanas. Consequentemente, a comunidade aceitou alguns indivíduos da Itália e do Brasil.

Escrituras e Religião

Os samaritanos não aceitam nenhum texto bíblico além do Pentateuco. Notoriamente, a versão samaritana tem um mandamento do Decálogo para construir um altar no Monte Gerizim. Uma versão de Josué e duas crônicas samaritanas são essenciais para a comunidade, mas sem autoridade canônica. Uma coleção de reflexões didáticas, Tibåt Mårqe, também contém interpretações midráshicas do Pentateuco e eventos samaritanos.

A escrita é derivada do paleo-hebraico, diferente da escrita assurith (“quadrada”) adotada pelos judeus.Como resultado, existem diferenças de pronúncia entre o hebraico samaritano e o massorético e o hebraico moderno.

Eles observam os sacrifícios e festas do Pentateuco no Monte Gerizim. Os samaritanos acreditam na ressurreição e na vinda de um profeta (mas não é um messias ou divino), o Tahib.

BIBLIOGRAFIA

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“Exploring Samaritanism” Special Issue of Religions (ISSN 2077-1444), 2021.