Anthony Purver

Anthony Purver (1702–1777) foi um tradutor autodidata da Bíblia e pregador quaker, notável por sua tentativa de criar uma tradução literal das Escrituras cristãs.

Nascido em Hurstbourne, perto de Whitchurch, Hampshire, Inglaterra, Purver era filho de um agricultor e demonstrou desde cedo uma aptidão excepcional para os estudos. Mesmo sem acesso a uma educação universitária formal, dedicou-se ao aprendizado autodidata de línguas bíblicas, motivado por sua leitura do livro Rusticus ad Academicos, de Samuel Fisher, que criticava as traduções existentes da Bíblia, especialmente a versão King James.

Ainda jovem, enquanto trabalhava como aprendiz de sapateiro e agricultor, Purver começou a estudar hebraico por conta própria. Aos 20 anos, abriu uma escola local, mas logo a fechou para se mudar para Londres, onde publicou Youth’s Delight em 1727 e se uniu à comunidade quaker. Tornou-se um pregador ativo, viajando para reuniões de quakers em várias regiões, como Londres e Essex.

Por volta de 1733, Purver iniciou sua longa e laboriosa tarefa de traduzir o Antigo Testamento diretamente do hebraico e do grego. Considerava estar cumprindo um chamado divino, muitas vezes isolando-se por dias em busca de inspiração para interpretar passagens difíceis. Em 1763, após três décadas de trabalho, completou a tradução de toda a Bíblia, incluindo o Novo Testamento.

Em 1764, com o apoio financeiro de John Fothergill, um abastado membro da Sociedade dos Amigos (quakers), Purver publicou sua obra mais importante: A New and Literal Translation of All the Books of the Old and New Testament; with Notes Critical and Explanatory. Dividida em dois volumes, a tradução foi impressa em Londres por W. Richardson e S. Clark. Embora o autor esperasse que a obra fosse bem recebida, a tradução ficou conhecida como a “Bíblia dos Quakers” e não obteve o impacto desejado.

Apesar de seu rigor e dedicação, a tradução de Purver foi amplamente criticada. Alexander Geddes, um crítico contemporâneo, a descreveu como “um amontoado bruto, desorganizado e sem graça.” No entanto, autores como Robert Southey elogiaram alguns trechos e as notas explicativas, reconhecendo que Purver, em certos momentos, ofereceu interpretações mais claras do que a versão King James.

Purver adotava um método altamente literal em sua tradução, mas frequentemente suas escolhas estilísticas resultavam em frases pouco elegantes ou confusas. Além disso, suas notas críticas, embora extensas e detalhadas, eram marcadas por especulações etimológicas e interpretações rabínicas que nem sempre contribuíam para a compreensão do texto.

Além de sua tradução da Bíblia, Purver publicou outros textos menores, como o poema religioso A Poem to the Praise of God (1748) e um panfleto popular, Counsel to Friends’ Children, que teve várias edições. Seu esforço para produzir uma tradução literal e autossuficiente foi uma façanha notável para um homem sem educação formal e com recursos limitados.

Embora a Bíblia de Purver não tenha tido sucesso comercial ou impacto duradouro, ela permanece um testemunho de dedicação e erudição autodidata, além de um marco na história da tradução da Bíblia em inglês.

Úlfilas

O bispo Úlfilas (c.311– 383 d.C.), também conhecido como Wulfilas ou Urphilas, foi um pregador e missionário gótico do século IV, tradutor da Bíblia, expoente do cristianismo godo e membro da Igreja Ariana.

Úlfilas nasceu onde hoje é a Romênia, descendente de gregos da Capadócia e foi criado como cristão em uma sociedade religiosamente diversa. Úlfilas foi ordenado bispo por Eusébio de Nicomédia, um líder ariano, em 336 ou 341.

Traduziu a Bíblia para o gótico. Para tal, criou o alfabeto gótico e evangelizou os godos. Enfrentou perseguição e eventualmente liderou a migração de sua congregação para a Moésia (agora parte da Bulgária) com o consentimento do imperador romano ariano Constâncio II.

O credo pesssoal de Úlfila aparece na sua biografia, Vita, escrita pelo seu discípulo Auxêncio de Durostorum.

Acredito que existe um deus, um pai30 unigênito e invisível;

e em seu filho unigênito, nosso Senhor e Deus, o obreiro e criador de toda a criação, que não tem igual (portanto, há um só Deus, o Pai de todos, que é também o Deus do nosso Deus);

e um só Espírito Santo, poder iluminador e santificador, como disse Cristo depois da ressurreição aos seus apóstolos: Eis que envio em vós a promessa de meu Pai; mas você fica na cidade de Jerusalém até que seja revestido de força do alto. Além disso: E recebereis o poder que virá sobre vós no Espírito Santo, nem Deus nem nosso Deus, mas o servo de Cristo <…> [fiel, não igual, mas] sujeito e obediente em todas as coisas ao Filho, e ao Filho sujeito e obediente e em todas as coisas a Deus e ao Pai […].

BIBLIOGRAFIA

Faber, Eike. Von Ulfila bis Rekkared: Die Goten und ihr Christentum, Potsdamer Altertumwissenschaftliche Beiträge 51. Stuttgart: Franz Steiner, 2014.

Toom, Tarmo. “Ulfila’s Creedal Statement and Its Theology.” Journal of Early Christian Studies 29.4 (2021): 525-552.

Wulfila Project. Ed. Tom de Herdt. University of Antwerp, 2015.  http://www.wulfila.be/gothic/browse/

Ulfila och den gotiska bibeln/Wulfila and the Gothic Bible, ed. Lars Munkhammar, Uppsala Universitetsbiblioteks Utställningskatalog 50. Uppsala: Uppsala University, 2011.

Targum

Targum (plural targumim ou targuns, em aramaico significa “interpretação” ou “tradução”) são traduções da Bíblia Hebraica ao aramaico feitas na Antiguidade Tardia.

Os targuns talvez sejam, junto da Septuaginta grega, as traduções mais antigas da Bíblia. São provavelmente originárias das traduções orais feitas pelos intérpretes da Lei após o exílio, quando o hebraico se tornava uma língua estrangeira para o povo de Israel (cf. Ne 8:8). Tipicamente, o texto da Escrituras Hebraicas era lido nas sinagogas e seguido por uma interpretação em aramaico. Embora a língua-alvo fosse o aramaico, há indícios que o grego também fosse usado, como as versões de Símaco e Áquila da Septuaginta. Com o tempo, essas traduções orais foram ganhando formas padronizadas e depois registradas por escrito.

Existem targuns para todos os livros da Bíblia Hebraica, exceto Daniel e Esdras-Neemias, os quais foram parcialmente escritos em aramaico.

Os targuns mais conhecidos são:

  • Tg. Onq. Targum de Onkelos do Pentateuco: quase literal, composto durante o século I ou II d.C. na Judeia e revisado na Babilônia.
  • Tg. Neof Targum Neofiti. Manuscrito do século XVI redescoberto na Itália no século XX.
  • Tg. Neb. Targum de Jônatas ben Uziel dos Profetas: composto no século II d.C.
  • Tg. Ps.J. Targum Pseudo-Jônatas fundiu a tradução de Onkelos, os acréscimos dos Targums palestinianos e uma quantidade ainda maior de material próprio. Contém o Pentateuco.
  • Tg. Ket. Targum dos Escritos
  • Tg. sim I Targum Yerusalmi I
  • Tg. sim II Targum Yerusalmi II
  • Frg. Tg. Targum Fragmentado
  • Sam. Tg. Targum Samaritano
  • Sim. Tg. Targum iemenita
  • Tg. Isa Targum de Isaías
  • Tg. Ester I, II Primeiro ou Segundo Targum de Ester
  • Pal. Tgs. Fragmentos dos Targumim Palestinianos (Targum Jerusalém): escrito na Galileia no início do século III dC, tradução literal com consideráveis materiais adicionais.
  • 11QtgJob Targum de Jó da Caverna 11 de Qumran Cave dos Manuscritos do Mar Morto.

Os targumim tendem a parafrasear livremente o texto hebraico, sendo fonte importante para a história da recepção bíblica na Antiguidade Tardia. Uma marca são as leituras alegóricas preferidas aos antropomorfismos para evitar idolatria. Utilizaram versões hebraicas hoje perdidas.

Os Targum Onkelos e Jônatas aparecem nas edições impressas rabínicas da Tanakh (Escrituras Hebraicas ou Antigo Testamento). Ainda são utilizados no culto sinagogal entre judeus iemenitas.

Várias citações no Novo Testamento são do tipo targúmico. Elucida, por exemplo, a cristologia de João, para quem a Palavra (Verbo, Logos) é o Filho de Deus (Jo 1:1-3, 14; 3:16), leitura que ocorre no Targum Neofiti de Gênesis 1:1, com o Filho como o agente de criação. Outros exemplos são 1 Pe 1:10–11; Mt 13:17; Lc 10:24 aparentam citar uma versão do Targum Palestiniano de Gn 49:1, 8–12; Nm 24:3, 15. Mc 4:12 cita uma versão targúmica de Is 6:9,10, similar ao Targum de Jônatas. Mt 7:2 cita algo similar ao Targum de Jerusalém Gn 38:26.

BIBLIOGRAFIA

Flesher, Paul V. M., and Bruce Chilton. The Targums: A Critical Introduction. Waco, TX: Baylor University Press, 2011.

McNamara, Martin. “Targumim.” In The Oxford Encyclopedia of the Books of the Bible. Vol. 2. Edited by M. D. Coogan, 341–356. New York and Oxford: Oxford University Press, 2011.

McNamara, Martin. Targum and New Testament: Collected Essays. Vol. 279. Mohr Siebeck, 2011.

https://www.sefaria.org/texts/Tanakh/Targum

Peshitta

A peshitta, peshita ou peshitto é conjunto de versões aramaicas da Bíblia na variante siríaca, conjunto de falares do norte da Síria e da Mesopotâmia. Peshitta significa “comum” ou “simples” denotando ser uma versão sem comentários ou aparatos para uso popular (semelhante ao termo vulgata aplicada para a versão latina), sendo empregado pela primeira vez pelo escritor jacobita Moisés bar Kefa (c.813-903/913).

A língua siríaca é um conjunto de variantes do aramaico oriental. Originalmente, judeus no norte da Síria traduziram sua Bíblia para o siríaco no século II d.C. com base em uma versão hebraica hoje perdida, mas possivelmente da família da qual emergeria o Texto Massorético. Depois, cristãos de língua siríaca adotaram a Peshitta e adicionaram uma versão siríaca do Novo Testamento.

Ainda no século II d.C. Taciano editou uma harmonia dos quatro Evangelhos gregos canônicos em siríaco, o Diatessaron. Embora a harmonização de Taciano fosse muito popular no Oriente até o século V d.C., Irineu e outros líderes preferiam manter todos os quatro evangelhos canônicos separados.

Por algum tempo vários eruditos bíblicos atribuíram a autoria ou revisão da Peshitta a Rabula, bispo de Edessa entre 411 e 435. Contudo, as variantes e a adoção da Peshitta por grupos que depois seriam as igrejas Jacobita e do Oriente demonstram a antiguidade da versão.

A Peshitta foi adotada como versão-padrão por várias denominações orientais, como a Igreja Ortodoxa Grega de Antioquia, várias comunidades uniatas católicas, a Igreja Siríaca Ortodoxa (Jacobita) e a Igreja do Oriente.

O cânon da Peshitta varia conforme as famílias dos manuscritos. Uma forma tradicional contém o Pentateuco, Jó, Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis, 1 e 2 Crônicas, Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Rute, Cântico dos Cânticos, Ester, Esdras, Neemias, Isaías, os Doze Profetas Menores , Jeremias e Lamentações, Ezequiel e Daniel. Seguem os deuterocanônicos. O Novo Testamento varia, com recensões ocidentais com 27 livros e as orientais sem conter a antilegômena (2 Pedro, 2 e João, Judas e Apocalipse).