Grafofagia e Bibliofagia

A grafofagia (comer a escrita) e a bibliofagia (comer o livro) são práticas cultuais encontradas em diversas culturas.

O ritual da Sotah, a “mulher que se desviou”, Números 5:11-31, contém elementos dessas práticas. A “lei do ciúme” (torat haq-qena’ot) foi concebida para resolver a suspeita de adultério de uma mulher por parte de seu marido, na ausência de testemunhas. A suspeita do homem, impulsionada por um “espírito de ciúmes” (ruach qena’ot), é o ponto de partida do processo, que leva a mulher ao tabernáculo para uma ordália.

O sacerdote prepararia uma mistura de “água sagrada” em um vaso de barro e a combinaria com “pó do chão do Tabernáculo”. Em seguida, o sacerdote tomaria uma folha e escreve as maldições, ou o “juramento da maldição”, que definem as consequências físicas da culpa. A parte central do ritual consiste em “apagar” o texto na água amarga. A mulher, então, é obrigada a beber a mistura. Se for culpada, a maldição escrita e dissolvida se manifesta em seu corpo, causando o inchaço de seu ventre e a ruptura de sua coxa. Se for inocente, ela é justificada e recebe a bênção de “conceber semente”.

Outras alusões bíblicas ocorrem na comissão profética de Ezequiel (Ezequiel 2-3), e a visão apocalíptica de João na ilha de Patmos (Apocalipse 10). Em ambos, o ato implica na internalização da palavra divina como preparação e capacitação para comunicar a missão difícil e juízo divino.

Ezequiel consumiu um rolo de um livro, doce como o mel. Já João comeu um livrinho (um rolo) aberto, porém doce na boca, amargo no estômago.

O ato de dissolver e ingerir texto escrito com propósito ritualístico é amplamente atestado em outras culturas do Antigo Oriente Próximo, como no Egito Antigo. O ato de ingerir objetos ou substâncias sagradas, “hierofagia”, é um tropo comum em muitas culturas ao redor do mundo. Na medicina popular europeia, por exemplo, pequenos pedaços de papel com versículos bíblicos ou nomes de santos, conhecidos como Esszettel ou Schluckbildchen, eram ingeridos para curar doenças. A crença subjacente era que o próprio texto sagrado possuía uma agência material capaz de curar o corpo. Da mesma forma, os hieróglifos egípcios eram considerados “palavras divinas” (mdw ntrw), e as inscrições de criaturas perigosas eram deliberadamente “mutiladas” ou incompletas para neutralizar seu poder simbólico e evitar que a sua representação se tornasse uma realidade perigosa.

Ladislaus Boros

Ladislaus Boros (1927-1981) foi um padre jesuíta e teólogo nascido em Budapeste, Hungria.

Boros publicou mais de quinze livros. Referente ao pós-vida, formulou a “hipótese da decisão final”, apresentada em sua obra mais conhecida, Mysterium Mortis: Der Mensch in der letzten Entscheidung (O Mistério da Morte: O Homem na Decisão Final), de 1962. A hipótese de Boros sugere que no momento da morte, a pessoa atinge um estado de plena consciência e liberdade, e é neste instante que ela faz uma escolha definitiva pela ou contra a sua salvação eterna. Essa decisão, embora preparada ao longo da vida, só se torna final e irrevogável no ato de morrer. A tese de Boros, que dialoga com o pensamento de outros teólogos como Karl Rahner e Roger Troisfontaines, propõe uma nova perspectiva sobre a escatologia cristã, especialmente no que tange aos conceitos de purgatório e juízo.

Em 1973, Boros deixou a Companhia de Jesus, foi reduzido ao estado laical e se casou. Ele faleceu em 1981, na Suíça.

Bardesanitas

Os bardesanitas constituíram uma seita que floresceu do século II ao XII. Bardesanes (c. 154 – c. 222 d.C.) foi um intelectual sírio, nascido em Edessa. Educado na corte real de Abgar VIII, converteu-se ao cristianismo, embora sua teologia tenha sido considerada heterodoxa por autores posteriores como Eusébio e Hipólito.

Bardesanes escreveu extensivamente em siríaco sobre uma variedade de temas, incluindo teologia, filosofia, cosmologia e astrologia. Fragmentos de seus escritos e relatos de seus ensinamentos sugerem um sistema complexo que incorporava elementos do pensamento cristão, do gnosticismo e da filosofia helenística. Debatia com diversas correntes de pensamento da época e atraiu um número significativo de seguidores, conhecidos como bardesanistas, desdobrando em vários grupos.

Harmônio, filho de Bardesanes e educado em Atenas, integrou à astrologia caldeia paterna conceitos gregos sobre a alma, o nascimento e a dissolução dos corpos, aventando uma forma de metempsicose. Marino, um adepto de Bardesanes e dualista previamente confrontado no “Diálogo sobre Adamâncio”, propagou a doutrina de um deus primordial dual, postulando que o diabo não teria sido criado por Deus. A seita adotava uma visão docetista, negando o nascimento de Cristo de uma mulher, e a configuração final do gnosticismo de Bardesanes exerceu influência sobre o gnosticismo em geral. Segundo Efrém, os bardesanitas de sua época nutriam ideias pueris e obscenas, venerando o Sol e a Lua como entidades masculina e feminina, com uma concepção celestial que denotava admiração pelos astros. Rábula de Edessa (431-432) encontrou a seita difundida. Sua existência no século VII foi confirmada por Tiago de Edessa e por Jorge, bispo dos árabes, no mesmo século. No século X, o historiador Almaçudi também atestou sua presença, assim como Xaxrastani no século XII. Este último descreveu os seguidores de Daisan (uma ramificação) como crentes em dois princípios, luz e escuridão. A luz seria a causa do bem, agindo deliberadamente e com livre arbítrio, enquanto a escuridão seria a origem do mal, operando através de forças naturais e da necessidade. A luz era concebida como viva, dotada de conhecimento, poder, percepção e entendimento, sendo a fonte do movimento e da vida. Em contraste, a escuridão era tida como morta, ignorante, frágil, rígida e inanimada, sem atividade ou discernimento, defendendo que o mal neles residia como resultado de sua natureza, fora de seu controle.

Betsaida

Betsaida, que em aramaico significa “casa do pescador” ou “casa do caçador”, foi um local significativo no Novo Testamento. Era a cidade natal dos apóstolos Pedro, André e Filipe (João 1:44). Os Evangelhos registram diversos eventos importantes associados a Betsaida. Jesus curou um cego perto da vila (Marcos 8:22-26) e alimentou milagrosamente os cinco mil nas suas proximidades (Lucas 9:10-17). Apesar de testemunhar esses milagres, Betsaida, juntamente com Corazim, foi repreendida por Jesus por sua falta de fé (Mateus 11:21; Lucas 10:13).

A localização precisa da Betsaida bíblica tem sido objeto de debate acadêmico. Fontes históricas, incluindo Josefo, mencionam uma Betsaida que foi elevada à categoria de cidade e renomeada Julias por Herodes Filipe em homenagem a Júlia, filha de Augusto. Josefo situa esta cidade na Baixa Gaulanitis, perto da entrada do rio Jordão no Mar da Galileia.

Esforços arqueológicos desde o século XIX propuseram diversos locais potenciais para Betsaida. Dois concorrentes proeminentes são et-Tell, uma ruína elevada localizada a cerca de 2 quilômetros do Mar da Galileia, e el-Araj, situada mais perto da costa. Escavações em et-Tell revelaram restos substanciais desde a Idade do Ferro até o período Romano, incluindo um portão da cidade e um palácio, sugerindo um centro urbano significativo. Descobertas de artefatos relacionados à pesca em áreas residenciais indicam as atividades econômicas da cidade.

Escavações mais recentes em el-Araj desenterraram evidências de uma vila de pescadores do primeiro século e, significativamente, uma basílica da era bizantina que alguns acreditam ser a Igreja dos Apóstolos, possivelmente construída sobre a casa de Pedro. Uma inscrição grega mencionando “o chefe e comandante dos apóstolos celestiais” encontrada dentro da basílica fortalece essa identificação aos olhos de alguns estudiosos. No entanto, a distância de et-Tell do lago representa um desafio à sua identificação como uma vila de pescadores, enquanto os proponentes de el-Araj enfatizam sua localização à beira do lago e achados arqueológicos que se alinham com as tradições bizantinas sobre a casa de Pedro. O trabalho arqueológico contínuo em ambos os locais continua a contribuir para a compreensão desta importante localização bíblica.

Betfagé

Betfagé, cujo nome aramaico provavelmente significa “Casa dos Figos Verdes”, era uma pequena aldeia situada no Monte das Oliveiras, nas proximidades de Jerusalém e de Betânia.

Localizada na encosta leste da montanha, próxima à estrada que ligava Jericó à cidade santa, e vizinha de Betânia a noroeste, Betfagé se acredita ter estado a uma curta distância de um dos cumes do Monte das Oliveiras, de onde se podia contemplar Jerusalém. Referências talmúdicas a marcavam como o limite da área sabática ao redor da cidade.

Sua principal relevância bíblica reside no fato de ter sido o ponto de partida da entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, narrada nos Evangelhos sinóticos. Foi ali que Jesus enviou dois de seus discípulos para buscar um jumento e um jumentinho, cumprindo a profecia messiânica de Zacarias e simbolizando a humildade e a paz de sua chegada.

O nome da aldeia sugere a possível presença de figueiras que produziam frutos temporãos. Embora sua localização exata na atualidade não seja estabelecida, a tradição cristã a situa no lado leste do Monte das Oliveiras, ao longo da estrada para Betânia, onde um santuário franciscano moderno comemora o evento bíblico. Alguns estudiosos a identificam com a atual Kefr et-Tur, na encosta sudeste do monte, enquanto outros a posicionam entre Betânia e Jerusalém.