O anabatismo é um movimento e sistema teológico originário da Reforma Radical no século XVI, fundamentado em uma vida de discipulado voluntário na Igreja como Corpo de Cristo.
Levando os princípios reformadores de retorno obediente às Escrituras, os anabatistas apareceram em vários lugares entre os anos 1520 e 1560. Depois de malfadadas experiências polítcas, guerras e perseguições, floresceram as vertentes pacifistas como os mennonitas na Holanda, os hutteritas na Áustria e os Schwenkenfelders na Europa Central. Mais tarde houve outros desdobramentos como os Amish, os Collegiantes, os Dunkers, os Irmãos Mennonitas, dentre outros.
Em comum com os batistas, os anabatistas observam o batismo consciente do crente em idade adulta, mas diferem em nuances teológicas. Enquanto os batistas emergiram de um ambiente puritano em uma matriz anglicana, os anabatistas retiveram as influências zwinglianas e erasmianas.
Perseguidos, os anabatistas encontraram refúgios em áreas fronteiriças, quer na Rússia, quer nas Américas.
HISTÓRIA
O anabatismo teve início em 1525, quando Conrad Grebel, discípulo de Huldrych Zwingli, rebatizou George Blaurock, que, por sua vez, batizou outros em Zurique. Esse ato de rebatismo, rejeitando a legitimidade do batismo infantil, simbolizou a ruptura do movimento com o cristianismo tradicional. Outras figuras de destaque, como Felix Manz e Balthasar Hubmaier, aderiram à causa. Manz foi o primeiro mártir protestante executado por outros protestantes, sendo afogado no Rio Limmat, em Zurique, em 1527.
Balthasar Hubmaier, um ex-teólogo católico, liderou o movimento na Alemanha e na Morávia. Ele enfatizou o livre-arbítrio em oposição à predestinação e defendeu o batismo de adultos por efusão em vez de imersão. Hubmaier foi executado na fogueira em Viena, em 1528, e sua esposa foi afogada pouco depois.
Os anabatistas defendiam princípios teológicos que os distinguiam tanto de católicos quanto de reformadores magisteriais. Entre eles estava a prática do batismo de crentes, reservado exclusivamente a adultos que pudessem professar conscientemente sua fé em Cristo. Também insistiam na separação entre igreja e estado, argumentando que a igreja deveria ser independente do controle governamental. Muitos adotaram uma postura de não violência, recusando-se a portar armas ou participar de guerras. Além disso, enfatizavam a vivência comunitária da fé, praticando a responsabilidade mútua e buscando seguir os ensinamentos de Cristo no cotidiano. Para os anabatistas, as Escrituras eram a autoridade final, interpretadas com foco especial no Novo Testamento.
O movimento enfrentou severa perseguição de autoridades católicas e protestantes. Um episódio particularmente controverso foi a Rebelião de Münster (1534–1535), na qual um grupo liderado por Jan Matthyszoon e John of Leyden estabeleceu uma teocracia comunal em Münster, na Alemanha. Práticas como a poligamia e a resistência armada comprometeram a reputação do anabatismo, embora a maioria dos anabatistas rejeitasse tais extremismos.
A perseguição foi brutal e generalizada: milhares de anabatistas foram executados por afogamento, queima na fogueira ou outros métodos. Apenas na Suíça, mais de 5.000 foram mortos em uma década.
Apesar da perseguição, o anabatismo sobreviveu e evoluiu. Os huteritas, liderados por Jacob Hutter, desenvolveram práticas de vida comunitária na Morávia, enquanto os menonitas, nomeados em homenagem a Menno Simons, enfatizaram a não violência e a vida simples. Esses grupos, junto com os amish e os irmãos, representam os ramos duradouros do anabatismo.
TEOLOGIA
A teologia anabatista não é sistematizada, antes é uma teologia vivida. Por sinal, poucas foram as teologias com organização sistematizadas sob perspectivas anabatistas.
O amor a Deus e o amor ao próximo são centrais na teologia anabatista e são vistos como inseparáveis do discipulado. Os anabatistas acreditam que amar a Deus significa seguir Jesus e obedecer aos seus mandamentos, o que inclui amar o próximo e buscar a justiça e a paz no mundo. Isso se reflete em sua ênfase na comunidade, serviço e pacifismo.
A teologia anabatista define o pecado como uma violação da vontade de Deus, levando a uma quebra de relacionamento entre humanos e Deus, e entre a própria humanidade. Os anabatistas enfatizam a necessidade de arrependimento pessoal, afastamento do pecado e restauração de relacionamentos por meio do perdão e da reconciliação.
A soteriologia anabatista centra-se na ideia de discipulado, que envolve seguir Jesus Cristo como um modo de vida. Para os anabatistas, a salvação não é simplesmente um evento único que ocorre no momento da conversão, mas um processo de transformação ao longo da vida à medida que a pessoa se torna mais semelhante a Cristo.
A obra redentora de Cristo foi o ato de graça que permite a reconciliação da humanidade com Deus e entre a própria humanidade. Por isso, seus ensinos tanto quanto sua morte são importantes para a salvação.
A salvação, para os anabatistas, não é apenas uma experiência individual, mas também envolve a transformação da sociedade. Os anabatistas enfatizam a importância de viver a fé de maneira prática, incluindo o compromisso com a pacificação, a justiça social e o atendimento às necessidades dos outros.
Para os anabatistas, a justificação é resultado de fé e obediência, ao invés de uma justiça imputada. Eles vêem a justificação como um processo contínuo de se acertar com Deus, ao invés de um evento único que ocorre no momento da conversão. Em vez disso, eles veem a justificação como um processo contínuo inseparável da santificação. A justificação é vista como resultado da fé em Jesus Cristo, levando a uma vida transformada caracterizada pela obediência à vontade de Deus.
Os anabatistas também enfatizam a importância da fé pessoal e da decisão de aceitar a Cristo, em vez de confiar na fé herdada ou na identidade cultural. Daí a importância do batismo consciente. Eles rejeitam a ideia de predestinação e enfatizam a necessidade de cada indivíduo responder ao chamado de Deus.
Os anabatistas veem o pecado como um problema generalizado que afeta todos os aspectos da vida humana, ao invés de apenas ações individuais. Portanto, eles enfatizam a necessidade de arrependimento contínuo e o compromisso de viver de acordo com os ensinamentos de Cristo.
Sendo a obra de salvação algo coletivo, valorizam a eclesiologia. A vida comunitária, especialmente considerando a igreja como uma irmandade, leva a considerar uma ética de amor, resolução não violenta de conflitos e abnegação. No entanto, em eclesiologia há uma polarização entre os anabatistas contemporâneos. De um polo, os Schwenkenfelders só consideram a Igreja invisível, negando a existência tangível de uma Igreja visível. No outro polo, muitos dos mennonitas da antiga ordem (old order) negam a existência de uma Igreja invisível, somente considerando a Igreja visível. Apesar disso, todos os anabatistas valorizam uma eclesiologia de Igreja Livre.
O historiador Harold Bender articulou a chamada “Visão Anabatista”, destacando o discipulado, a vida comunitária e o pacifismo. Bender via o anabatismo como um compromisso radical de seguir os ensinamentos de Jesus na vida cotidiana. John Howard Yoder expandiu essa visão, defendendo uma abordagem não coercitiva para engajamento social em sua obra The Politics of Jesus. Yoder enfatizou a vida de Jesus como modelo para a ética cristã. Já Scot McKnight, em uma perspectiva contemporânea, destacou a narrativa da vida de Jesus como central para a fé e prática cristãs, conectando os princípios anabatistas com os desafios modernos.
BIBLIOGRAFIA
Bender, Harold Stauffer. The Anabaptist Vision. Mennonite Publishing House, 1960.
Estep, William R. The Anabaptist Story. 1963.
Finger, Thomas N. A contemporary Anabaptist theology: Biblical, historical, constructive. InterVarsity Press, 2010.
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