Cristianismo núbio

A Núbia, região hoje no Sudão, foi um bastião do cristianismo entre os séculos V e XIV.

O cristianismo núbio floresceu nos reinos de Nobádia, Macúria e Alua entre os séculos V e XV, estabelecendo-se após o declínio do antigo reino de Meroé. A evangelização da região foi influenciada pelo Egito bizantino.

Origens lendária e histórica

A lenda conecta a Núbia ao cristianismo remonta ao eunuco “etíope” mencionado em Atos 8. Embora a Etiópia moderna seja um reino ao sul, o termo grego Aithiopia era usado para se referir a povos de pele escura ao sul do Egito, o que incluía os reinos núbios do Sudão e o império axumita da Etiópia. A rainha de Kush, o antigo reino da Núbia, era frequentemente chamada de Candace (ou Kandake), o mesmo título dado à rainha do eunuco em Atos. Essa conexão sugere que, embora a conversão oficial da Núbia tenha ocorrido séculos depois, pode ter havido uma presença cristã inicial na região, possivelmente através de viajantes e comerciantes, preparando o terreno para a posterior evangelização em grande escala.

Segundo o bispo sírio João de Éfeso, a conversão da corte real de Nobádia por missionários enviados pela imperatriz Teodora, por volta de 540 d.C., marcou o início de uma transformação social e cultural na Núbia. A igreja núbia, com uma teologia predominantemente miafisista, desenvolveu uma estreita relação com o Patriarcado Copta de Alexandria, do qual se tornou subordinada. Essa conexão influenciou a doutrina, a arquitetura e a liturgia.

A Idade de Ouro e o Contato com o Islã
Um momento crucial na história cristã núbia foi o encontro com as forças islâmicas no século VII. Ao contrário da maioria das civilizações da época, a Núbia resistiu com sucesso às invasões, uma vitória atribuída por historiadores árabes à destreza de seus arqueiros. Essa resistência militar levou à assinatura de um tratado de paz então inaudito em 651 d.C., conhecido como Baqt. O tratado estabeleceu uma coexistência pacífica e regulamentou o comércio entre a Núbia cristã e o Egito islâmico por séculos.

Esse período, especialmente a era fatímida, é considerado a “Idade de Ouro” de Macúria. Durante essa época (do século VIII ao XIII), os três reinos núbios consolidaram-se em um único estado cristão unificado, que teve seu auge com o estado multiétnico de Dotawo.

O Declínio Gradual e as Descobertas Arqueológicas
O declínio do cristianismo na Núbia resultou de muitos fatores. As incursões de aiúbidas e mamelucos, a partir do século XIII, e conflitos dinásticos internos, enfraqueceram os reinos. No século XIV, a intervenção direta dos mamelucos na sucessão de Macúria levou à queda de Dongola, sua capital, e acelerou a islamização da região.

O fim da civilização cristã núbia não foi um evento de conquista militar única, mas uma desintegração social e política gradual. A teoria de que a igreja de Dongola foi convertida em mesquita em 1317, marcando o fim da era cristã, foi desmistificada por novas pesquisas. Na verdade, a estrutura convertida era um palácio, e as igrejas na cidade continuaram a funcionar. Ainda, foi descoberto documentos de ordenação do Bispo Timotheos, datados de 1370. Relatos do século XVI mencionam uma delegação núbia que chegou à Etiópia em 1520, pedindo líderes religiosos, e um relatório do século XVIII fala de uma pequena comunidade cristã isolada que ainda existia na região da Terceiro Catarata. A cristianização persistiu em comunidades isoladas, como a de Qasr Ibrim, onde há registros do último rei cristão datado de 1483. Por volta do século XVI, o cristianismo havia praticamente desaparecido, com a capital de Alua, Soba, também em ruínas.

A maior parte do atual conhecimento sobre a Núbia cristã vem da operação de salvamento arqueológico da UNESCO nos anos 1960. O projeto, realizado antes da inundação da área pela Barragem Alta de Assuã, revelou descobertas relevantes. Entre elas, estão a catedral de Faras, com mais de 160 afrescos bem preservados, e fragmentos de manuscritos em Qasr Ibrim.

Cultura, Religião e Literatura
A literatura cristã núbia era multilíngue, utilizando o grego, o copta e o núbio antigo. O grego era a língua sagrada da liturgia, por influência bizantina. O copta resultava das ligações com a Igreja Copta do Egito. Já o núbio antigo, a língua nativa, foi utilizado para documentos e um crescente corpo de literatura religiosa. Seu uso crescente indica uma “nacionalização” cultural a partir do século XI.

Uma característica distintiva da crença cristã núbia foi o culto aos arcanjos, especialmente Miguel. Essa veneração era tão significativa que influenciou práticas de proteção territorial e manifestava-se em manuscritos como o Livro da Investidura de Miguel. Essa ênfase nos arcanjos como intermediários potentes ecoa tradições religiosas indígenas pré-cristãs.

A materialidade dos manuscritos também era fundamental para seu uso religioso. O pergaminho era usado para textos sagrados, enquanto o couro e o papel eram mais comuns para outros documentos. O uso ritual dos textos ia além da leitura, incluindo a grafo(biblio)fagia, a prática de comer as escrituras. Por exemplo, textos inscritos em vasos eram consumidos (após a tinta ser lavada) por seu poder de cura, um costume que encontra paralelos em tradições bizantinas e islâmicas modernas. Essa experiência multissensorial da fé envolvia a visão, a audição, o tato, o paladar (através da grafo(biblio)fagia) e o olfato (pelo uso de incenso).

BIBLIOGRAFIA

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Cordeiro

Cordeiro, כֶּ֫בֶשׂ em hebraico para um ovino macho, o filhote da ovelha, embora outras palavras também apareçam na Bíblia Hebraica. Exceto em Apocalipse onde predomina ἀρνίον, cordeirinho, a principal palavra grega bíblica é ἀμνός.

Os cordeiros são proeminentes na literatura, arte e práticas de sacrifício do antigo Oriente Próximo. Simbolizavam inocência e vulnerabilidade, bem como o reino ideal.

No Antigo Testamento, os cordeiros aparecem em contextos de sacrifício, especialmente durante a Páscoa. Era a oferta todas as manhãs e todas as tardes no sistema sacrificial mosaico (Êxodo 29:38-42), além de dias especiais como o primeiro dia do novo mês (Nm 28:11), cada dia da Festa da Páscoa (Nm 28:16-19), na Festa de Pentecostes (Nm 28 :26), a Festa das Trombetas (Nm 29:1, 2), o Grande Dia da Expiação (Nm 29:7, 8) e a Festa dos Tabernáculos (Nm 29:12-16). Sacrifícios com ofertas pessoais também usavam o cordeiro, como na purificação de uma mulher após o parto (Lv 12:6) e de um leproso após a cura (Lv 14:10-18).

Os profetas retratam a compaixão de Deus sob a figura do pastor e do cordeiro (Is 40:11), tal como no Salmo 23. O cordeiro simbollizou o sofrimento do povo de Deus e o servo sofredor (Is 53:7; Atos 8:32).

O evangelho de João registra João Batista chamando Jesus de “o Cordeiro de Deus” em João 1:29. Enquanto que o animal usado nos rituais do Dia da Expiação para purificar o Santuário e o povo não era um cordeiro, mas uma cabra, João alude ao Cordeiro Pascal. Um cordeiro era morto e comido na refeição da Páscoa, reminisciente da renovação da aliança do povo com Deus à saída de exílio subsequente aos pecados de Israel.

Similar imagens do Cordeiro sacrificado aparecem em 1 Pedro 1:19 e Apocalipse 5:6-13; 13:8. Essa imagem de vitória pelo sacrifício (1 Coríntios 5:7; livro de Hebreus) é análogo ao cordeiro pascal morto, cujo sangue marcou as ombreiras de Israel para espantar (efeito apotropaico) o destruidor que matou os primogênitos do Egito. Em uma paradoxal vitória humilde, no Novo Testamento o sacrifício de Cristo aparece não como derrota, mas como vencedor sobre o poder do pecado, o mal e da morte.

A figura do cordeiro também foi aplicada aos discípulos de Jesus. Setenta discípulos foram enviados como “cordeiros no meio de lobos” (Lucas 10:3). Da mesma forma, o Cristo ressurreto encarregou o apóstolo Pedro de alimentar Seus cordeiros (João 21).

Simão

Simon do hebraico שִׁמְעוֹן, Shimon, helenizado como Symeon, em grego Συμεών.

  1. Simão, um dos doze discípulos de Jesus, chamado de cananeu (Mateus 10:4; Marcos 3:18) e de Zelota (Lucas 6:15; Atos 1:13),
  2. Simão, pai de Judas Iscariotes (João 6:71 ; 13:2,26).
  3. Simão, irmão do Senhor (Mateus 13:55; Marcos 6:3).
  4. Simão, fariseu em cuja casa “uma mulher da cidade que era pecadora” ungiu os pés de nosso Senhor com unguento (Lucas 7:36-38).
  5. Simão, leproso de Betânia, em cuja casa Maria ungiu a cabeça de nosso Senhor com unguento “enquanto ele estava sentado à mesa” (Mateus 26:6-13; Marcos 14:3-9). Talvez o mesmo acima.
  6. Simão Cirineu, um judeu de Cirene, no norte da África, na Líbia. Ajudou a carregar a cruz de Jesus. Chamado de “pai de Alexandre e Rufo” (Mateus 27:32), indicando uma possível participação posterior na Igreja cristã.
  7. Simão Mago, um feiticeiro entre os samaritanos (Atos 8:9-11 ). Convertido, foi repreendido por Pedro (Atos 8:18-23) por querer comprar ofícios espirituais, derivando-se o termo simonia.
  8. Simão, o curtidor, um cristão em Jope, um tanoeiro ou curtidor, com quem Pedro se hospedou (Atos 9:43). Durante tal estada, Pedro teve sua visão dos animais limpos e impuros (Atos 9:43; 10:5-6; 10:32)
  9. Simão Pedro (Mateus 4:18 ).
  10. Simão Macabeu, filho de Matatias. 
  11. Simão Niger ou Simeão Niger, um dos profetas de Antioquia (Atos 13:1).

Batismo

O batismo, do grego Koinē βάπτισμα, geralmente significando “imersão”, é uma prática ritual cristã. Jesus Cristo ressurreto comissionou seus apóstolos a administrar o batismo na Grande Comissão (Mt 28:19, 20).

No período asmoneu propagou-se entre os judeus a prática de repetidas abluções para purificação ritual. Tais lavagens resultaram em construção de tanques (mikvé) ou uso de água corrente. Foi nesse sentido que o batismo de João e os batismos da comunidade de Qumran eram praticados.

No Novo Testamento o batismo cristão está associado ao perdão dos pecados (At 2:38; 22:16); união com Cristo (Gl 3:26; Rm 6:3-5); a recepção do Espírito Santo (At 2:38); e integração como membro do corpo de Cristo (Igreja) (1 Co 12:13).

Teologicamente, é considerado na tradição das igrejas livres como ato de obediência e testemunho público da conversão interior operada por graça.

Em conformidade com a raiz léxica de βαπτίζω, “mergulhar” ou “imergir” e com as exegeses acerca do batismo de João e dos apóstolos foi por imersão (cf. João 3:23; Atos 8:36-38), bem como testemunhos patrísticos (Didaquê 7) o modo por imersão tende a ser preferido entre denominações que praticam o batismo dos crentes, ou seja, com idade consciente e voluntariamente.

Discussões sobre a validade de outros modos (aspersão), consentimento (batismo infantil, batismo forçado), significado (batismo como aliança, batismo como símbolo, batismo como causa ou efeito regenerativo) e fórmula batismal permeiam a teologia cristã.

BIBLIOGRAFIA

Hellholm, David, Christer Hellholm, Øyvind Norderval, and Tor Vegge. Ablution, Initiation, and Baptism. 1. Aufl. ed. Vol. 176. Beihefte Zur Zeitschrift Fur Die Neutestamentliche Wissenschaft. Berlin/Boston: Walter De Gruyter GmbHKG, 2011.