Was Christum Treibet

Lucas Chranach, o velho. Pintura do altar de Wittenberg

A frase alemã was Christum treibet, “o que promove Cristo”, indica um princípio hermenêutico de Lutero.

A frase vem do prólogo de Lutero às Epístolas de Tiago e Judas, na sua edição alemã do Novo Testamento (1522):

E nisto todos os livros sagrados justos concordam, que todos pregam e praticam Cristo, e esse é o verdadeiro teste de censurar todos os livros, quer praticam Cristo ou não, pois toda a Escritura mostra Cristo, Romanos 3 e Paulo não quer saber nada mas Cristo 1 Cor. 2. O que Cristo não ensina não é apostólico, ainda que Pedro ou Paulo o ensinem. Novamente, o que Cristo prega é apostólico, mesmo que Judas, Anás, Pilatos e Herodes o tenham feito”.

As implicações desse princípio afetam no conceito de canonicidade, na interpretação bíblica e na homilética luteranas.

A tradição evangélica luterana nunca oficialmente fez um cânone das Escrituras. Nem seria necessário. Por esse princípio, tudo o que aponta para Cristo nas Escrituras hebraicas seriam canônicos e tudo que testificam o ministério de Cristo dentre os escritos apostólicos seria canônico. Em razão disso, Lutero questionou a canonicidade de Hebreus, Tiago, Judas e Apocalipse — os Antilegômenos de Lutero– ainda que os traduzisse e inserisse em seu Novo Testamento.

Quanto à interpretação, essa chave hermenêutica cristocêntrica poupou o luteranismo de muitas controvérsias teológicas. Isso porque passou ser uma hermenêutica centrada na totalidade da mensagem, não em detalhes. Consequentemente, o luteranismo mantém os mesmos documentos confessionais desde o século XVI: o livro de Concórdia.

Lutero entendia que a pregação deveria ser fundamentada nas Escrituras, apontando para Cristo e voltada para o povo. Pregar seria colocar as pessoas em contato com a mensagem de salvação em Jesus Cristo testemunhada pelas Escrituras.

BIBLIOGRAFIA

Jacobson, Diane. “What Lutherans Think About the Bible. Here We Stand — Between Fundamentalism and Secularism”. Book of Faith.

Lutero, Martinho. WA, DB VII 38.

Meurer, Siegfried. “Was Christum Treibet” : Martin Luther Und Seine Bibelübersetzung. Bibel Im Gespräch, 4. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1996.

Testimonium Spiritus Sancti Internum

O Testimonium Spiritus Sancti Internum, ou o Testemunho Interno do Espírito Santo, refere-se à crença de que o Espírito Santo oferece uma garantia ou testemunho interno aos crentes sobre a verdade das Escrituras e seu relacionamento com Deus. Esse conceito está associado à obra do Espírito Santo ao afirmar a fé do crente e o entendimento das verdades divinas.

O testemunho interno é compreendido como uma experiência pessoal e subjetiva, em que o Espírito Santo confirma ao indivíduo que ele é, de fato, um filho de Deus. Essa garantia não se baseia em evidências externas ou argumentos racionais, mas é uma obra direta do Espírito no coração do crente.

Esse testemunho funciona como uma forma de autenticação das Escrituras, sugerindo que, embora as Escrituras possuam autoridade objetiva, sua aceitação e entendimento são profundamente influenciados por esse testemunho interno. O Espírito Santo permite que os crentes reconheçam as Escrituras como a verdadeira Palavra de Deus, superando quaisquer dúvidas ou equívocos oriundos da razão humana ou do pecado.

Embora evidências externas (históricas, textuais, etc.) possam apoiar a fé, os defensores dessa doutrina afirmam que a verdadeira crença depende, em última análise, do trabalho interno do Espírito Santo. Essa perspectiva enfatiza que a razão humana, sozinha, não pode levar a uma compreensão adequada das verdades espirituais; ao contrário, é necessário o esclarecimento divino.

Agostinho destacou a necessidade de iluminação divina para a compreensão das Escrituras, postulando que o verdadeiro conhecimento de Deus requer o testemunho interno do Espírito Santo. Essa ideia lançou as bases para teólogos posteriores, incluindo Calvino, que desenvolveram as ideias de Agostinho sobre o papel do Espírito na vida do crente. Sem um polo, os quakers levaram o conceito de testemunho interno como luz interior como permanente guia do Espírito Santo para a humanidade. Já Locke e Schleiermacher criticaram o subjetivismo de tal doutrina para validar argumentos. Há também a crítica circularidade ao afirmar que o Espírito Santo confirma a verdade das Escrituras para o crente, e que as Escrituras são verdadeiras porque o Espírito Santo as confirma. Essa tautologia não funciona compartilha da mesma pressuposição discutida.

Cânone Muratoriano

O Cânone ou Fragmento Muratoriano é uma lista de livros do Novo Testamento. Talvez seja a mais antiga compilação explícita de livros tida como escrituras cristãs. Sua datação é estimada entre o final de século II e até o século IV a.C., provavelmente originária de Roma.

Em 1700, o erudito Lodovico Antonio Muratori (1672-1750) descobriu na Biblioteca Ambrosiana em Milão um códice do século VII ou VIII com vários escritos patrísticos, anotações e credos. Entre eles estava um texto que relatava os livros usados na Igreja.

Muratori publicou a lista em 1740 como um exemplo de latim bárbaro na Itália medieval. O latim desta lista é quase certamente traduzido do grego.

Cânone do Fragmento Muratoriano

  1. [Mateus]
  2. [Marcos]
  3. Lucas (= terceiro Evangelho)
  4. João (= quarto Evangelho)
  5. Epístolas de João (incluindo 1 João)
  6. Atos dos Apóstolos
  7. Epístolas de Paulo
    • Coríntios (duas)
    • Efésios
    • Filipenses
    • Colossenses
    • Gálatas
    • Tessalonicenses (duas)
    • Romanos
    • Filemom
    • Tito
    • Timóteo (duas)
    • Laodicenses (forjado)
    • Alexandrinos (forjado)
  8. Judas
  9. João (duas)
  10. Sabedoria de Salomão
  11. Apocalipse de João
  12. Apocalipse de Pedro (apenas para leitura privada, de acordo com alguns)
  13. Pastor de Hermas (apenas para leitura privada)

Bíblia

Coleção de escritos sagrados considerados como Palavra de Deus escrita nas religiões abraâmicas. Trata-se de uma biblioteca circulante e viva, fixada em vários suportes, assumindo caráter de autoridade para a vida pessoal e cultual no Cristianismo.

Chamada internamente de as Escrituras, esta coletânea ganhou a atual designação de Bíblia (em grego βιβλία) por João Crisóstomo (século IV d.C.).

O termo Bíblia é o plural das palavras gregas bíblos, que significa “livro”, “papiro” e biblion, “livrinho”. Vale notar que livro na antiguidade referia-se a qualquer texto de tamanho variável, diferente dos atuais livros, convencionalmente entendido como um texto de tamanho significativo, geralmente acima de 50 páginas. Originalmente o termo grego he byblos, ou o menos correto ho biblos, se referia à camada interna da casca e parte do caule do papiro. Embora fosse um produto egípcios, a distribuição de papiro via Biblos,  a Gebal de Sl 83:7, Ez 27:9, uma antiga cidade portuária no atual Líbano, provavelmente influenciou a adoção do termo pelos gregos.

O termo aparece utilizado desde as Antigas Versões Gregas em Daniel 9:2 para referir-se aos livros (tais Bibliois) dos profetas. Já em 1 Macabeus 1:56 e 2 Macabeus 2:13-15 falam de coleções de “a biblia da lei” e “a biblia sobre os reis e os profetas”. No equivalente a Josué 8:30-35 na Septuaginta, (LXX Js 9:2) Josué constrói um altar em Siquém onde copia o biblos “Livro da Lei de Moisés”. Josefo refere-se aos 22 rolos (biblia) que constituem o cânon hebraico (Contra Apion 1.37).

Para referir-se ao Novo Testamento a forma plural Ta Biblia aparece nas obras de Clemente de Alexandria. E definitivamente nas obras de Orígenes.

Jerônimo, em suas traduções latinas, usa o termo biblioteca para descrever a coleção de escritos sagrados judeus e cristãos.

No final do século IV, João Crisóstomo refere-se ao Antigo e ao Novo Testamento como Ta Biblia em suas Homilias sobre a Epístola aos Colossenses e faz alusão nas Homilias sobre Mateus.

Com o tempo, biblia tornou-se um título comum para as sagradas escrituras dos cristãos em latim e outras línguas europeias.

Os judeus preferiram os termos Tanakh ou Miqra.

Um catálogo de uma biblioteca francesa do século IX fala explicitamente das Escrituras canônicas já como Bíblia.

Esta antologia foi canonizada, isto é, reconhecida como Escrituras em um longo processo. A partir do século IV passou a ser reproduzida entre cristãos como uma coletânea em poucos ou um só volume. Com a invenção da imprensa, popularizou-se sua edição em um só volume.

Sua mensagem é diversa, polifônica, mas coesa e coerente como em um mosaico, o qual não é algo fragmentário ou parcial, mas capaz de transmitir efetivamente sua comunicação revelada.

Seus livros no cânon protestante constituem 66 títulos.