Diabo

Diabo, do grego διάβολος (diabolos), derivado do verbo διαβάλλω (diaballo) que significa “caluniar” ou “acusar falsamente”, inicialmente designava um acusador ou caluniador. Como nome próprio, epitomiza o mal personificado, associado a Satanás (Apocalipse 12:9) e Lúcifer.

Inicialmente, διάβολος era usado como adjetivo e substantivo para descrever alguém envolvido em calúnia. Esse uso, prevalente desde Aristófanes e documentado em Tucídides, Hermas e Filo, reflete o significado literal do termo. No entanto, dentro dos textos cristãos primitivos, διάβολος passou por uma transformação significativa, tornando-se a designação para a personificação máxima do mal: o diabo.

Essa mudança de significado está profundamente entrelaçada com a tradução da Septuaginta (LXX) do termo hebraico הַשָּׂטָן (ha-satan) como διάβολος. Embora inicialmente, em textos como Jó, ha-satan funcionasse mais como um adversário ou acusador dentro do conselho divino do que uma força oposta a Deus, o termo gradualmente evoluiu no pensamento judaico e subsequentemente cristão para representar o principal ser maligno. O nome diabolos aparece nas versões Old Greek (genericamente chamadas de Septuaginta) em 1 Crônicas 21:1; Ester 7:4; 8:1; Jó 1 Salmos 108:6; 109:6; Zacarias 3:1.

Essa compreensão de διάβολος como o diabo é evidente em numerosas passagens do Novo Testamento (por exemplo, Mateus 4:1, Lucas 4:2, João 13:2, 1 Pedro 5:8) e outros escritos cristãos primitivos, como os de Justino Mártir e Hipólito.

Como princípio do mal e adversário de Deus, o Diabo é descrito como tentador (Mateus 4:1–11), acusador (João 13:2), e inimigo vigilante (1 Pedro 5:8). Em Hebreus 2:14–15, é associado à morte, enquanto Efésios 6:11 sublinha a necessidade de resistir às “ciladas do Diabo”.

CONCORDÂNCIA DO TERMO

Mateus 4:1; 4:5; 4:8; 4:11; 13:38; 13:39; 16:23; 25:41
Marcos 8:33
Lucas 4:2; 4:3; 4:5; 4:6; 4:13; 8:12
João 6:70; 8:38; 8:44; 13:2
Atos 10:38; 13:10
Efésios 4:27; 6:11
1 Timóteo 3:6; 3:11
2 Timóteo 2:26; 3:3
Tito 2:3
Hebreus 2:14
Tiago 4:7
1 Pedro 5:8
1 João 3:8; 3:10; 3:10
Judas 1:9
Apocalipse 2:10; 12:9; 12:10; 12:12; 20:2; 20:10

Processus Sathanae

O Processus Sathanae ou Processo de Satanás é uma fábula medieval dos séculos XIII ou XIV. Satanás acusa a humanidade por seus pecados, enquanto a Virgem Maria atua como defensora. Jesus Cristo, juiz do caso, concede misericórdia à humanidade. A narrativa simboliza a redenção pela ressurreição de Cristo, vencendo o poder do diabo.

Samael

Samael, em hebraico como סַמָּאֵל “Veneno de Deus”, é uma figura malévola no judaísmo rabínico, gnosticismo e demonologia islâmica. Em muitas tradições esotéricas e, em grande parte do primeiro milênio, Samael seria o nome do Acusador ou Satanás — não Lúcifer. Várias formas do nome, incluindo Samael, Sammuel e outras, foram usadas ao longo da antiguidade e da Idade Média.

Como acusador ou adversário, seria o satanás do Livro de Jó. Essa identificação com Satanás ocorria entre os gnósticos ofitas, que se referiam à serpente com um nome duplo, Miguel e Samael. O conflito entre Samael e Miguel, que serve como o anjo guardião de Israel, culminará no fim dos tempos.

Samael também desempenha os papéis de sedutor e destruidor. Por isso, às vezes é chamado Mashḥit (Êxodo 12:23; Isaías 54:16), o Destruidor. Seria membro da assembleia divina, chefe dos demônios. Também seria o principal anjo da morte.

Em algumas escrituras gnósticas, como “Sobre a Origem do Mundo”, Samael é um dos três nomes de Yaldabaoth. Esta criatura cega imaginou que seria o único ser divino. A associação com a cegueira aparece também na versão grega de Enoque, cujo nome como Σαμιέλ (Samiel) deriva de sami, “cego”.

No Livro Etíope de Enoque o nome de Samael aparece como um líder proeminente entre os anjos que se rebelaram contra Deus. As versões gregas desse texto hebraico chamam-no de Σαμμανή (Sammane) e Σεμιέλ (Semiel).

Apesar de ser associado à malevolência, as funções de Samael não são necessariamente más, visto que o castigo dos ímpios seria justo e bom

O papel de Samael na tradição rabínica varia. Em algumas instâncias, ele é retratado como um acusador e defensor, aparecendo perante a Shechiná durante o êxodo. Samael aparece na luta entre Jacó e o anjo. Também seria o anjo guardião de Esaú.

Na Cabala e na literatura mágica, Samael é considerado uma entidade poderosa, frequentemente maligna. Está associado ao anjo da morte e e magia de amuletos.

BIBLIOGRAFIA

Bousset, Wilhelm. Der Antichrist. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1895.

Friedländer, Moritz. Der Antichrist in den Vorchristlichen Jüdischen Quellen. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1901.

Kohut, Alexander. Angelologie und Dämonologie in ihrer Abhängigkeit vom Parsismus. Leipzig: F. A. Brockhaus, 1866.

Schwab, Moïse. Vocabulaire de l’Angélologie. Paris: Maisonneuve Frères, 1897.

Stave, Erik. Ueber den Einfluss des Parsismus auf das Judenthum. Berlin: C. A. Schwetschke, 1898.

Van der Toorn, Karel, Bob Becking, and Pieter Willem van der Horst, eds. Dictionary of Deities and Demons in the Bible. Eerdmans, 1999.

https://www.jewishencyclopedia.com/articles/13055-samael

https://www.jewishvirtuallibrary.org/samael

Dragão

Dragão, em grego δράκων, em hebraico tannin, além de outras designações. O dragão aparece como o inimigo primordial de Deus, vencido na criação (Salmo 74:13-14; 89:10; Is 51:9; Jó 26:12-13), mas reaparecendo no final dos tempos para sua derrota completa (Isaías 27:1). 

O Dragão era um monstro mítico presente na iconografia do Antigo Oriente Próximo, além das variantes virtualmente globais. O papiro Bremer-Rind fala sobre A Repulsa do Dragão e a Criação (COS 1.9; ANET 6-7), também a Repulsa do Dragão aparece em outras partes da mitologia do Antigo Oriente Próximo (COS 1.21; ANET 11-12).

A Bíblia retrata muitas batalhas entre Deus e um monstro, entendido como um dragão. Esse monstro recebe nomes como o Mar (Yam, Êxodo 14:21); os Rios (Nahar, Isaías 19:5), o Dragão (Tannin, Salmo 74:13-14, talvez Tohu Gênesis 1:2); Leviatã (Jó 41:1-34; Salmo 74:13-14; 104:25-26; Isaías 27:1); Rahab (Salmo 89:10); a Serpente (Naḥash; Gênesis 3:1-14; Números 21:6-9; Isaías 27:1; Jó 3:6; 25:13); a Serpente (Bashan, Isaías 2:20; Amós 9:3; Miqueias 7:17). Note que muitas dessas alusões aos dragões são como seres aquáticos ou personificações das águas.

Na passagem deuterocanônica de Daniel chamada de Bel e o Dragão há uma implícita demonstração do temaa da vitória de Yahweh sobre o Dragão.

No livro do Apocalipse 12:9, o dragão é identificado com o diabo e Satanás:

“E foi precipitado o grande dragão, aquela antiga serpente, que se chama o diabo e Satanás, o enganador do mundo inteiro – ele foi precipitado na terra, e os seus anjos foram precipitados com ele.”

O Dragão e seus agentes fazem campanha contra as forças de Deus até serem finalmente derrotados (Apocalipse 12-13; 16:13-14; 20:2-3; 7-10:2).

BIBLIOGRAFIA

Pritchard, James B. Ancient Near Eastern Texts Relating to the Old Testament. Third Edition with Supplement. (ANET) Princeton: Princeton Univ. Press, 1969.

Hallo, William W. and K. Lawson Younger (eds.) The Context of Scripture. 3 volumes. (COS). Leiden: Brill, 1997-2002.

Handy, Lowell K. “Joining Leviathan, Behemoth and the Dragons: Jonah’s Fish as Monster.” Proceedings—Eastern Great Lakes and Midwest Biblical Societies 25 (2005): 77–85.

Satanás

Sstanás, ou Satã, é a forma grega do termo hebraico satan (שָׂטָן), um substantivo genérico que significa “acusar” ou atuar como “adversário”, quer perante um tribunal (Salmo 109:6) ou de um forma geral de oposição (2 Samuel 19:22). Adicionalmente, o termo ganhou conotação de um ser maligno pessoal.

    Nas Escrituras o mal aparece como pessoal, ou seja, agente (com capacidade de ação) e personificado (com identidade), sendo representado por diversas formas. Depois do exílio babilônico os diversos nomes e alusões pessoais ao mal fundiram-se na figura do Inimigo, Satanás (forma grega do hebraico satan adversário, cf. 1 Samuel 29:4, Salmos 109:6; Números 22:22), ou Diabo (grego para “caluniador”, cf. Jó 1:9-11, Zacarias 3:1-5, Apocalipse 12:10).

    Satanás no Antigo Testamento

    Em sua forma genérica, satan denota algum inimigo na guerra (1 Reis 5:4; 11:14, 23, 25), inclusive um traidor na batalha (1 Samuel 29:4).

    No Antigo Testamento, a figura de Satanás como um ser divino aparece apenas três vezes. Em Jó 1-2 e Zacarias 3:1-2 Satanás é um membro da corte divina que acusa os humanos diante de Deus. Em 1 Crônicas 21:1, aparece como incitador do erro. No entanto, no Antigo Testamento não aparece como um inimigo de Deus ou como o líder das forças demoníacas do mal.

    Também como um antagonista divino, o termo aparece em Números 22:32, para referir ao anjo que se opõe a Balaão.

    Satanás no Novo Testamento

    No NT, o Mal é personificado e aparece com frequência, especialmente nos Evangelhos e Apocalipse. As designações como “diabo” (Mt 4:1), “tentador” (Mt 4:3), “acusador” (Ap 12:10), “governante dos demônios” (Lucas 11:15), “governante deste mundo” (João 12:31), “Belzebu” (Mt 10:25) e “o maligno” (Mt 5:37; Ef 6:13) são associadas a Satanás.

    Contudo, não há consenso quanto a associação entre figuras malignas e Satanás por todo o Novo Testamento. Estas passagens seguintes normalmente é aceita que Satanás e o Diabo sejam o mesmo ser:

    • Mateus 4:8-11, Marcos 1:12-13, Lucas 4:5-8.
    • Lucas 22:3-4, João 13:2-27.
    • Tiago 4:7.
    • Apocalipse 2:10; 12:9; passim.

    Já as passagens seguintes não possuem consenso quanto à identificação do Diabo com Satanás:

    • Mateus: 4:24, 8:16, 8:28, 8:31, 9:32, 12:22
    • Marcos: 1:32, 1:34, 6:13
    • Lucas: 8:2, 8:30, 9:1, 9:38
    • Tiago: 2:19

    Nos Evangelhos Sinópticos, Satanás é retratado trabalhando por meio de diferentes indivíduos, incluindo Pedro (Marcos 8:33) e Judas (Lucas 22:3). Um momento icônico envolvendo o Diabo ocorre no deserto, onde ele confronta Jesus (Mateus 4; Lucas 4).

    Nos escritos de Paulo, embora o Diabo seja ocasionalmente mencionado, sua presença não é tão frequente. O termo grego “satanas” aparece em várias cartas paulinas, como Romanos 16:20, 1 Coríntios 5:5, 7:5, 2 Coríntios 2:11, 11:14, 12:7, 1 Tessalonicenses 2:18 e 2 Tessalonicenses 2:9. A frase “ho diabolos“, provavelmente referindo-se ao Diabo, pode ser encontrada em Efésios 4:27, 6:11, 1 Timóteo 3:6,7 e 2 Timóteo 2:26. Paulo também utiliza a palavra “diaboloi” no plural, mas em referência aos caluniadores humanos (2 Timóteo 3:3, Tito 2:3). Outra menção é “Beliar” em 2 Coríntios 6:15. A frase “ho poneros”, que significa “o maligno”, é encontrada em Efésios 6:16 e 2 Tessalonicenses 3:3. Além disso, “ho peirazō” (o tentador) aparece em 1 Tessalonicenses 3:5, provavelmente referindo-se à mesma entidade mencionada como Satanás alguns versículos antes (1 Tessalonicenses 2:18). Além disso, Paulo se refere ao “príncipe das potestades do ar, do espírito que agora opera entre os desobedientes” em Efésios 2:2.

    Outras cartas paulinas, como Gálatas, Filipenses, Colossenses, Tito e Filemon, não apresentam o termo “Satanás” ou qualquer um de seus equivalentes.
    Notavelmente, na epístola mais longa de Paulo, a Carta aos Romanos, ele discute extensivamente o pecado e a natureza humana, mas se abstém de envolver explicitamente Satanás na equação, mencionando-o apenas uma vez na seção final (Romanos 16:20). Essa ausência de ênfase no papel de Satanás em levar as pessoas a pecar contraria a teoria de que Paulo abraçava uma cosmovisão dualista, na qual Deus se envolve em uma batalha contra uma contrapartida maligna pelas almas humanas.

    A Epístola aos Hebreus não menciona explicitamente o Satanás. No entanto, enfatiza a vitória de Cristo sobre o mal e o pecado, destacando o poder de Seu sacrifício para libertar a humanidade do domínio das trevas e da Morte, a qual é identificada com o Diabo (Hebreus 2:14-15).

    O Livro do Apocalipse revela uma imagem vívida da guerra cósmica e retrata Satanás como o Diabo (20:1-15). É um adversário confrontado e derrotado pelas forças divinas. Em Apocalipse 12:9, o dragão é identificado com o Diabo e Satanás:

    “E foi precipitado o grande Dragão, aquela antiga serpente, que se chama o Diabo e Satanás, o enganador do mundo inteiro – ele foi precipitado na terra, e os seus anjos foram precipitados com ele.”

    Interpretações e recepção

    Na concepção judaica a figura do ha-satan (“o satanás”) é entendida de forma diversa, porém mais comumente como um promotor celestial, subordinado a Yahweh, que acusa a nação ou algum israelita na corte celestial.

    Progressivamente, as figuras dos Arcontes, Azazel, Dragão, Inferno, Mastema, Beliar, Samael, Belzebu, Diabo, Lúcifer e ha-Satan foram fundidas na única figura do Diabo na Antiguidade Tardia e Idade Média. Assim, consolidou-se um mito de origem de Satanás como originalmente o maior dos anjos que se rebelou contra Deus e foi lançando à Terra para enganar, tentar, acusar e combater a Verdade, sendo seu domínio o Inferno. Nesse período, textos como Isaías 14:11-23 e Ezequiel 28:11-19, referentes aos reis de Babilônia e de Tiro, passaram a ser interpretados para dar suporte a essa narrativa. A batalha do céu de Apocalipse 12:7-12 não relata a origem de Satanás, nem diz quando ocorre a origem do mal.

    Tanto nos escritos judaicos quanto nos cristãos, prevê a derrota de Satanás pelo poder de Deus (Apocalipse 12:9-10; 20:1-15).

    BIBLIOGRAFIA

    Beck, Richard. Reviving old Scratch: Demons and the Devil for Doubters and the Disenchanted. Fortress Press, 2016.

    Jonker, Louis C. “” Satan Made Me Do It!” The Development of a Satan Figure as Social-Theological Diagnostic Strategy from the late Persian Imperial Era to Early Christianity.” Old Testament Essays 30.2 (2017): 348-366.

    Pagels, Elaine. “The Social History of Satan, the ‘Intimate Enemy’: A Preliminary Sketch”, Harvard Theological Review 84:2, 1991.

    Wray, T. J. and Gregory Mobley. The Birth of Satan: Tracing the Devil’s Biblical Roots. New York: Palgrave MacMillan. 2005.