Zorobabel

Zerobabel filho de Sealtiel, em hebraico זְרֻבָּבֶל, Semente da Babilônia, zerubbavel; em grego Ζοροβαβέλ, Zorobabel, foi um governador de Yehud, a Judá do período persa depois do exílio babilônico.

Teria sido um descendente de Davi (Ageu 1:1), neto de Jeoiaquim e antepassado de Jesus (Mateus 1:12-13; Lucas 3:27).

Sealtiel aparece como o pai de Zorobabel em várias passagens (Esdras 3:2, 8; 5:2; Ne 12:1; Ageu 1:1, 12, 14; 2:2, 23), exceto uma em que Zorobabel é chamado de “filho de Pedaías” (1 Crônicas 3:19).

Nos textos bíblicos de Esdras e Neemias, Zorobabel é retratado como líder e administrador entre os exilados judeus que retornaram da Babilônia para Judá. Embora não seja explicitamente mencionado com um título oficial, suas ações indicam sua função administrativa.

Zorobabel liderou um grupo de exilados de volta a Judá, desempenhou um papel fundamental na reconstrução do Templo em Jerusalém ao lado do sumo sacerdote Josué e foi fundamental para garantir que a reconstrução do templo continuasse sendo um assunto judaico.

O livro de Ageu refere-se a Zorobabel como um “governador”, sugerindo uma posição de autoridade, embora as especificidades dos seus deveres não sejam totalmente claras. No entanto, a obediência de Zorobabel à palavra profética foi crucial para catalisar os esforços de reconstrução, como evidenciado pelo seu papel na reconstrução do templo.

Interpretação de Ageu 2:20–23

Uma das passagens significativas relacionadas a Zorobabel é encontrada em Ageu 2:20–23, onde o profeta anuncia a escolha de Zorobabel pelo Senhor como Seu servo e o descreve como o “anel de sinete”. Esta passagem poderia indicar:

  1. Apelo à Rebelião: oráculo de Ageu pode ser interpretado como um apelo à rebelião contra os poderes políticos, prevendo a derrubada de regimes para restabelecer a Dinastia Davídica.
  2. Oráculo Escatológico: Alternativamente, a passagem pode ser vista como uma profecia escatológica, antecipando um futuro ato de libertação em vez de defender a rebelião.
  3. Oráculo para o Presente: oráculo é um chamado para aceitar as circunstâncias presentes enquanto espera glórias futuras através da intervenção divina. O papel de Zorobabel, nesta interpretação, é liderar a comunidade com fé e esperança.

A figura de Zorobabel também aparece em textos apócrifos como Siraque e 1 Esdras. Em Siraque, Zorobabel é elogiado por sua liderança e apreciado com um anel de sinete, simbolizando sua importância e autoridade. Em 1 (4) Esdras narra uma história conhecida como Conto dos Três Guardas, na qual Zorobabel emerge como um orador vitorioso (e um tanto misógino), recebendo a sanção real para reconstruir o Templo e devolver os vasos sagrados.

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Juízo Final

O conceito de Juízo Final e o Dia do Senhor (em grego: ημέρα του Κυρίου, hēmera Kyriou; em hebraico: יום יהוה, Yom Yahweh, ou יום הדין, Yom HaDin, “Dia do Juízo”) representam um tema central nas escatologias judaica e cristã, descrevendo o julgamento divino final sobre toda a humanidade.

Eras bíblicas

O conceito do “Dia do Senhor” ( Yom Yahweh ) originou-se como um topos profético central no século VIII a.C., provavelmente emergindo de uma crença popular israelita de que Yahweh derrotaria decisivamente os seus inimigos nacionais e exaltaria Israel. No entanto, profetas como Amós subverteram radicalmente esta expectativa, declarando que o Dia seria de trevas e julgamento não para as nações estrangeiras, mas para o próprio Israel, devido à sua infidelidade à aliança, injustiça social e idolatria (Amós 5:18-20).

Este tema de um julgamento purificador foi subsequentemente ampliado por profetas posteriores. Figuras como Isaías e Sofonias alargaram o alcance para visionar um julgamento universal contra todas as nações, que seria seguido pela purificação e restauração de um remanescente fiel dentro de Israel. Após o exílio, o conceito sofreu uma transformação significativa, adquirindo uma característica apocalíptica pronunciada. Em textos como Joel 2–3, o Dia do Senhor evoluiu de um dia histórico de batalha para um evento cósmico e escatológico que abalaria os próprios fundamentos da criação.

Este desenvolvimento teológico está intimamente ligado à evolução das crenças sobre a vida após a morte. O pensamento hebraico inicial, refletido na era davídica, sustentava um conceito vago de Sheol, um submundo sombrio para todos os mortos, onde o julgamento do Dia do Senhor era entendido em termos primarily corporativos e históricos (ex.: derrota militar nacional ou exílio).

Uma mudança crítica ocorreu durante o Período do Segundo Templo (c. 515 a.C.-70 d.C.). Sob a influência do pensamento persa e da profunda reflexão teológica sobre o problema do mal e a vindicação dos justos, emergiram novas crenças. Este período viu o desenvolvimento da retribuição individual, da ressurreição dos mortos e de um julgamento final post-mortem, como explicitamente declarado em Daniel 12:2-3. Esta mudança de paradigma permitiu a vindicação de mártires justos e a punição dos ímpios na vida após a morte, resolvendo assim a crise teológica da justiça não recompensada dentro de uma única vida humana.

No Novo Testamento, essa visão é intensificada como a advertência de um julgamento iminente sobre todos, vivos e mortos, decidindo o destino eterno entre o céu e a condenação eterna. Ele é um momento necessário para o estabelecimento final e completo do Reino de Deus (em grego: βασιλεία τοῦ θεοῦ, basileia tou theou). Os crentes, nesta tradição neotestamentária, podem esperar com alegria o Dia do Juízo, sabendo que sua redenção se aproxima (Lucas 21:28), pois Cristo, em seu retorno, já vindicou a reta justiça na cruz (Mateus 8:17), uma ideia que ecoa nos sinais de julgamento vistos durante sua Paixão.

O Novo Testamento, contudo, compreende uma diversidade: os evangelhos sinópticos descrevem um julgamento final presidido pelo Filho do Homem (Mt 25:31-46); João acentua o “julgamento realizado” no presente, segundo a resposta a Cristo (Jo 3:18-19); Paulo postula um juízo com dois aspectos, o do “tribunal de Cristo” para os crentes (2 Co 5:10) e da “ira de Deus” sobre os ímpios (Rm 2:5-8). A exegese acadêmica vê nessas passagens multivocais um desenvolvimento progressivo, do juízo nacional ao julgamento universal e individual, de alcance escatológico.

Todas as falas de Jesus preservadas nos evangelhos estão situadas no contexto histórico da expectativa escatológica e do julgamento pendente, seguindo, em parte, o ambiente e a sucessão de João Batista. O Evangelho de Mateus descreve o Juízo Final, onde Jesus, como juiz, separa os justos dos injustos, afirmando aos primeiros: “Tudo o que fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes,” e aos segundos: “Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o Diabo e seus anjos,” concluindo que “Eles irão para o castigo eterno, mas os justos para a vida eterna” (Mateus 25:31–46).

A Apocalipse de João desenvolve uma escatologia com imagens visionárias. O Juízo Final é posicionado no final do χιλιαετη˙​ ς (chiliaetēs), o reinado de mil anos do Messias (milênio ou quiliasmo), que começa com Sua primeira vinda. Em uma “primeira ressurreição” (Apocalipse 20:5), os mártires ascendem primeiro ao domínio. Durante esse milênio, Satanás está preso. O Milênio termina com a soltura de Satanás e sua condenação eterna após a vitória final sobre ele e suas hostes em uma batalha derradeira (Apocalipse 20:7–10). A batalha entre as forças do bem (Anjos) e o Diabo ou Satanás já é parte do Juízo Final, que se conclui com Cristo como o Juiz de todos os mortos e a superação e aniquilação da própria Morte: “Eles foram julgados, cada um segundo as suas obras” (Apocalipse 20:13). Após o Juízo Final, seguem-se o “novo céu” e a “nova terra,” a “Nova Jerusalém” (Apocalipse 21:1), como o cumprimento derradeiro de todas as promessas do Reino de Deus.

Diferentes perspectivas cristãs sobre o juízo

As principais tradições cristãs mantêm a confissão credal de que Cristo “há de vir para julgar os vivos e os mortos”, mas divergem quanto à natureza e ao mecanismo do julgamento.

Na teologia ortodoxa oriental, o Dia do Senhor coincide com a Parousia (παρουσία, “presença”) gloriosa de Cristo. O juízo é ontológico: a presença divina, “fogo consumidor” (Hb 12:29), é experimentada como luz e alegria pelos justos e como tormento pelos que rejeitaram o amor de Deus — imagem conhecida como “teoria dos dois sóis”. Ícones do Juízo Final mostram Cristo libertando os justos do Hades, enfatizando a vitória sobre a morte.

Na teologia católica romana, o juízo tem caráter soteriológico. Distingue-se o Juízo Particular, ao morrer, que decide o destino imediato (céu, purgatório ou inferno), e o Juízo Universal, no fim dos tempos, que confirma publicamente a justiça divina e revela as consequências históricas das ações humanas. O purgatório representa a purificação final dos salvos.

A teologia luterana interpreta o juízo à luz da dialética entre Lei e Evangelho: a Lei condena, o Evangelho absolve. O julgamento final será a proclamação pública da justificação pela fé, ou a vindicação em Cristo. Para os ímpios, ele manifesta a justa sentença da Lei; para os crentes, a confirmação da graça.

Na tradição reformada, o juízo expressa a soberania divina em justiça e misericórdia. A predestinação serve de pano de fundo: a condenação dos ímpios manifesta a justiça de Deus, e a salvação dos eleitos, Sua misericórdia. O exame das obras dos crentes não afeta seu destino final, mas revela a autenticidade da fé.

Os anabatistas interpretam o Dia do Senhor como a consumação do reinado de Cristo, o Rei pacífico que estabelecerá plenamente o Reino de Deus em termos de justiça, paz e reconciliação. Sua ênfase recai no discipulado radical e na não-violência, refletindo a convicção de que o seguimento de Jesus implica ruptura com as estruturas de poder, vingança e coerção que caracterizam o mundo. O Juízo Final, nesse horizonte, será o momento em que a ordem violenta das nações será revertida e a autoridade de Cristo, baseada no amor e no serviço, será plenamente manifestada. O critério central do julgamento não é a ortodoxia doutrinária nem a pertença institucional, mas a prática concreta do discipulado: “como trataste o pobre, o inimigo e o marginalizado” (cf. Mt 25). Assim, o julgamento é tanto pessoal quanto sistêmico — Deus julga indivíduos e também as estruturas sociais, políticas e econômicas que perpetuam a violência e a injustiça. A “ira do Cordeiro” (Ap 6:16) é entendida não como uma reação punitiva divina, mas como a consequência autodestrutiva do pecado e da violência humana, da qual o povo de Deus é chamado a se separar. O Juízo Final, para os anabatistas, não apenas revela o destino eterno de cada pessoa, mas inaugura a paz messiânica que o discipulado autêntico antecipou no presente.

Na tradição wesleyana-arminiana, o juízo é interpretado à luz da graça preveniente de Deus e da liberdade humana. Deus oferece Sua graça a todos; o julgamento é o momento em que as respostas humanas a essa graça são reveladas e fixadas. A ênfase não recai sobre uma eleição incondicional, mas sobre a responsabilidade moral diante do amor divino oferecido universalmente. Cada pessoa será julgada conforme reagiu à luz de Cristo que recebeu — seja pela consciência, pela criação ou pela pregação do evangelho. Assim, o Juízo Final manifesta a justiça e a equidade divinas: Deus não condena sem ter antes oferecido meios de salvação. A possibilidade de arrependimento após a morte é geralmente negada, pois a morte sela o caráter da alma e sua orientação definitiva diante de Deus. O juízo é, portanto, a revelação última do que cada um se tornou ao responder (ou resistir) à graça. A misericórdia de Deus é universal em alcance, mas condicional em eficácia — depende da livre cooperação humana. O Juízo Final confirma essa reciprocidade entre graça e liberdade, mostrando que a salvação é dom, mas também responsabilidade.

A teologia anglicana, fiel à sua via media entre as tradições católica e reformada, aborda o Juízo Final com reverência e sobriedade, evitando esquemas excessivamente detalhados. Suas orações e liturgias, especialmente no Book of Common Prayer, moldam uma visão esperançosa e contemplativa do fim, centrada na restauração e renovação de toda a criação. O juízo é afirmado como realidade última, mas seu mecanismo permanece envolto em mistério. A liturgia do Advento, por exemplo, lembra a vinda de Cristo “para julgar o mundo com justiça”, mas também proclama a esperança da redenção universal. Teólogos contemporâneos como N. T. Wright sublinham que o Juízo Final não é mera punição, mas a confirmação da vitória do amor de Deus e a restauração da ordem criada. A ênfase anglicana repousa na esperança escatológica da apokatástasis — a renovação de todas as coisas (At 3:21) — sem fazer dela uma doutrina dogmática. O juízo, assim, é visto como o momento em que Deus põe o mundo em ordem, reconcilia o que foi fragmentado e manifesta publicamente Sua fidelidade à criação. Mais do que um tribunal, é a proclamação definitiva de que o amor divino triunfa sobre o pecado, o mal e a morte, estabelecendo o Reino de Deus “na terra assim como no céu.”

Teologias contextuais reinterpretam o tema em horizontes sociais e culturais. A teologia da libertação entende o Dia do Senhor como a grande revolução de Deus em favor dos pobres, julgamento das estruturas opressoras e vindicação dos marginalizados. A teologia negra o vê como o “grande dia do jubileu”, fim definitivo da escravidão e do racismo, expressão da esperança dos espirituais afro-americanos. Nas teologias do Sul Global, africanas e asiáticas, o juízo aparece como restauração comunitária e cósmica, reconciliação total e libertação dos ciclos de mal e sofrimento; o Shalom é sua plenitude.

A tradição pré-milenista mantém a iminência da vinda de Cristo e o caráter missionário da expectativa escatológica. Mantém com vigor a iminência da vinda de Cristo e o caráter missionário da expectativa escatológica, vendo a história humana como orientada para o clímax do retorno visível e glorioso do Senhor. Essa expectativa imprime urgência ética e evangelística à vida cristã: o tempo é breve, e a missão da Igreja é preparar as nações para o juízo e para o Reino vindouro. As diversas correntes do pré-milenismos históricamente não fragmentam o retorno de Cristo em múltiplos eventos (como arrebatamentos secretos), mas concebe a Parousia como um único e abrangente acontecimento divino, que inclui a ressurreição dos mortos, o julgamento universal e a instauração do milênio.

Na compreensão pré-milenista clássica ou temática, há um único evento de retorno de Cristo, ressurreição e julgamento, mas administrado em duas fases — primeiro para os justos, depois para os ímpios — dentro de um único plano escatológico. Essa leitura mantém a unidade do juízo final, mas com uma sequência ordenada: os crentes são ressuscitados para reinar com Cristo durante o milênio; já os ímpios são ressuscitados para o juízo (Ap 20:11–15).

O dispensacionalismo ainda que pré-milenista, por sua vez, separa dois julgamentos: o Tribunal de Cristo ou Bemá e o Grande Trono Branco. Com base em passagens como 2 Coríntios 5:10 e Romanos 14:10-12, os dispensacionalistas entendem o Trono de Bema como um julgamento para os crentes (os salvos) após o Arrebatamento. Não é um julgamento pelo pecado (visto que o sacrifício de Cristo já expiou por aqueles), mas um julgamento vindicatório para sancionar a fé, as obras, o serviço e a fidelidade dos crentes. Já o julgamento do Grande Trono Branco teria por base em Apocalipse 20:11-15, este é entendido como o julgamento final para os não redimidos (os condenados). Ele ocorreria após o Reino Milenar. Os livros são abertos, incluindo o Livro da Vida, e qualquer pessoa cujo nome não for encontrado lá é lançada no lago de fogo. O resultado é a separação eterna de Deus.

O juízo na escatologia pentecostal

A escatologia pentecostal é notavelmente diversa, dinâmica e experiencial, refletindo a ênfase do movimento na atualidade do Espírito Santo e na expectativa viva do retorno de Cristo. Em geral, os pentecostais leem a história à luz de Atos 2, vendo o derramamento do Espírito como o início dos “últimos dias” (At 2:17). Assim, a escatologia não é apenas uma doutrina sobre o futuro, mas uma realidade presente — “já e ainda não” — em que o Reino de Deus irrompe no tempo presente por meio de curas, profecias e libertações, antecipando a consumação futura. O foco prático recai sobre o imperativo missionário: o tempo é curto e o Espírito capacita a Igreja para testemunhar antes da vinda do Senhor. Cronologias complexas, gráficos proféticos e sistemas dispensacionalistas, embora presentes em certos ramos populares, são secundários diante da urgência espiritual e ética da missão.

Entre os teólogos pentecostais, Gordon Fee (1934–2022) representa uma vertente exegética e paulina, menos sistemática e mais centrada no texto bíblico. Fee via o “tribunal de Cristo” (2Co 5:10) e o “grande trono branco” (Ap 20:11) como dois aspectos de um mesmo evento escatológico: o julgamento final, único, em que todos os seres humanos comparecem diante de Deus, mas com desfechos distintos — vida eterna ou condenação (Jo 5:28–29). Para ele, a Segunda Vinda (Parousia) é um único e grandioso evento, abrangendo a ressurreição, o juízo e a renovação da criação. Rejeitava esquemas cronológicos e interpretações que fracionassem o retorno de Cristo em múltiplas fases. Em vez disso, via a esperança cristã como a “bem-aventurada esperança” (Tt 2:13) — a plena redenção do corpo e da criação, não uma fuga dos julgamentos. A ressurreição é, em sua leitura de 1 Coríntios 15, corporativa e transformadora: o destino do crente não é escapar do juízo, mas ser transformado “em Cristo”. A “ira” e o “fogo” do juízo não são castigos arbitrários, mas a revelação da verdade de cada existência diante do amor de Deus.

Já Frank Macchia e Amos Yong representam uma geração posterior de teólogos pentecostais que desenvolveram o que se pode chamar de uma “escatologia pneumatológica”, isto é, uma reflexão centrada na obra do Espírito como o princípio e o fim da história da salvação.

Para Macchia, a efusão do Espírito em Pentecostes é as “primícias” e o penhor do Reino vindouro (Rm 8:23; Ef 1:13–14). O batismo no Espírito é o início de um processo que culminará na plena participação na vida divina, quando o Espírito consumar a santificação dos crentes e purificar toda a criação. O juízo, portanto, não é meramente legal ou forense, mas transformador e hospitaleiro: o fogo do juízo é o mesmo fogo do Espírito que purifica, acolhe e consuma. A metáfora da hospitalidade é central — Deus, no juízo, acolhe e transforma em vez de simplesmente excluir. O juízo é o momento em que somos finalmente “revestidos de imortalidade” (1Co 15:53–54), e toda a criação é libertada da corrupção (Rm 8:19–23). A justiça divina é, para Macchia, inseparável da santidade e do amor, e seu escopo é cosmicamente inclusivo, abrangendo não apenas indivíduos, mas sistemas, ecologias e relações sociais.

Amos Yong, por sua vez, propõe uma escatologia marcada pela imaginação pneumatológica e por uma forma moderada de inclusivismo carismático. Ele parte da convicção de que o Espírito de Deus está ativo em todas as culturas e religiões, testificando de Cristo mesmo onde o evangelho não foi explicitamente anunciado. O juízo final, portanto, revelará a amplitude surpreendente da redenção, manifestando a ação do Espírito em lugares inesperados. Yong sustenta a singularidade de Cristo, mas entende que o Espírito, sendo soberano e universal, prepara corações e sociedades para o encontro final com Deus. No juízo, essa obra se tornará manifesta. Assim, o fogo escatológico é visto como purgativo e reconciliador, não apenas destrutivo: ele refina, cura e reconcilia “todas as coisas” com Deus (At 3:21). Sem cair num universalismo dogmático, Yong descreve o juízo como a reconciliação cósmica que refaz a criação, pondo fim à alienação entre Deus, humanidade e mundo.

Teologia bíblica

Do ponto de vista exegético, a Escritura apresenta um único evento de ressurreição e julgamento, ainda que com uma multivocalidade. O Dia do Senhor do Antigo Testamento, conforme acima indicado, possui várias funções escatológicas. Já nas passagens do Novo Testamento, como em João 5:28-29, Cristo anuncia uma hora (hōra) em que todos os mortos ressuscitarão: os que fizeram o bem para a vida, os que praticaram o mal para a condenação. Paulo elabora sobre esse evento único em 1 Co 15:22-23, com uma só sequência — Cristo nas primícias, e depois, na Parousia, os que lhe pertencem. Em 2 Ts 1:6-10, o castigo dos ímpios e a recompensa dos justos ocorrem “no dia em que ele vier”. 1 Ts 4:13-17 descreve a ressurreição dos crentes e seu encontro com o Senhor.

Em Ap 20:4-6, a “primeira ressurreição” (anástasis prōtos) refere-se à ressurreição para a vida e o reinado, não necessariamente a um evento cronologicamente separado; indicando a exaltação dos mártires e a vitória dos fiéis. O “resto dos mortos” permanece em morte espiritual até o juízo final. O trono branco de Ap 20:11-15 é outro aspecto do juízo universal: todos os mortos comparecem diante de Deus, e cada um é julgado segundo suas obras.

Assim, a Parousia marca o retorno visível de Cristo, a ressurreição dos santos e o juízo das nações. O milênio representa o reinado dos ressuscitados, após o qual Satanás é derrotado, os mortos restantes ressuscitam e ocorre o juízo final.

Na síntese bíblica, o Dia do Senhor é simultaneamente evento de juízo e de esperança. Ele revela a justiça de Deus, pune o mal e consuma a salvação. A mesma presença divina que queima o mal ilumina os justos. O Juízo Final não é apenas o término da história, mas sua revelação plena — quando toda a criação será julgada, restaurada e reconciliada em Cristo.

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K.P.R.

A raiz hebraica כפר K.P.R. aparece 102 vezes na Bíblia Hebraica como verbo, sendo 92 vezes na forma Piel. Com significados amplamente discutidos, a maioria das ocorrências está em Êxodo, Levíticos Números, mas também em Ezequiel e Jeremias. Suas rendições pela Septuaginta e recepção pelo Novo Testamento também adicionam debates sobre seu significado, especialmente ao que concerte às doutrinas de salvação no cristianismo.

A etimologia de כפר é objeto de debate. Enquanto alguns estudiosos a derivam do acádio kuppuru (“limpar”, “purificar ritualmente”), outros a relacionam ao árabe kafara (“cobrir”, “esconder”). Milgrom, em sua análise de Levítico 1-16, argumenta que a tradução usual (“expiar”) é inadequada em muitos casos. Ele defende que o verbo כפר, especialmente em contextos sacerdotais, frequentemente significa “purificar” ou “purgar”, associando-se à remoção de impurezas rituais.

Por outro lado, outros estudiosos, como Sklar, propõem que כפר incorpora simultaneamente os sentidos de “purificar” e “resgatar” ou “aplacar”, o que implicaria uma ligação semântica mais estreita com o substantivo כפר (koper, “resgate” ou “preço de expiação”). Essa visão aponta para a ideia de que o termo sempre carrega uma conotação de neutralizar tanto a impureza quanto o perigo.

Textos poéticos como Jeremias 18:23 e Isaías 27:9 sugerem um sentido de “purificar” ou “remover”, alinhando-se com práticas rituais de purificação descritas na literatura sacerdotal. Em Levítico 16, que descreve o ritual de Yom Kippur, כפר aparece 16 vezes, muitas delas na construção Piel com preposições como על (‘al), indicando uma conexão direta com pecados ou impurezas. A ênfase na forma Piel (כִּפֵּר) destaca a intencionalidade da ação de purificação.

Milgrom observa que nos rituais sacerdotais de Levítico, especialmente no capítulo 16, o sangue do sacrifício é aplicado em partes do santuário para “purificar” ou “purgar” essas áreas da impureza acumulada. Ele argumenta que o sentido primário do verbo nesses contextos é “limpar” ou “remover” impurezas, mais do que “expiar” no sentido moderno.

A interpretação de Milgrom tem amplo apoio acadêmico, mas não é unânime. Alguns críticos questionam se כפר em textos sacerdotais carrega também o sentido de “resgatar” ou “aplacar”. Sklar, por exemplo, sugere que a distinção rígida entre “purificação” e “resgate” pode ser artificial e que ambas as ideias estão interligadas. Ele argumenta que o sangue sacrificial tanto purifica o santuário quanto resgata os indivíduos do perigo representado pela impureza ou pelo pecado.

Outros, como Schwartz, enfatizam que em Levítico 17:11 – texto frequentemente citado para sustentar o sentido de “resgate” – o verbo כפר deve ser entendido no contexto de purificação, mantendo a ênfase no significado sacerdotal predominante. Vis propõe uma leitura que reconcilia essas abordagens, destacando que o sangue sacrificial “purga” a vida (נפש, nefesh) dos ofertantes por conter o princípio vital.

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Vis, Jonathan. “Purification Offering.” In The Purification Offering, pp. 211-216.

Codex Alexandrinus

O Codex Alexandrinus, listado como A na notação Gregory-Aland, é um dos mais antigos manuscritos unciais gregos da Bíblia, encadernado no formato de códice. Junto com o Codex Vaticanus (B) e o Codex Sinaiticus (ℵ), é um dos principais textos fontes para a reconstituição do Novo Testamento e da Septuaginta (a tradução grega do Antigo Testamento), sendo contado entre os grandes códices.

O Codex Alexandrinus foi encontrado em Alexandria, no Egito, de onde deriva seu nome. Em 1621, o patriarca Cirilo Lucar de Alexandria levou o manuscrito para Constantinopla e, posteriormente, presenteou-o ao rei inglês Carlos I em 1627. Hoje, o Codex Alexandrinus está preservado no Museu Britânico, em Londres.

O Codex Alexandrinus foi o primeiro dos grandes manuscritos a se tornar acessível aos estudiosos. Richard Bentley fez uma colação em 1675 e uma publicação em fac-símile do Novo Testamento foi produzida por Carl Gottfried Woide em 1786.

Este códice é composto por 773 folhas de pergaminho, e originalmente continha todo o Antigo e Novo Testamento. Atualmente, o manuscrito possui lacunas, especialmente no Novo Testamento, onde estão faltando partes do Evangelho de Mateus, João 6:50–8:52 e partes das cartas de Paulo. Além disso, o texto inclui outros escritos não canônicos, como a Primeira Epístola de Clemente e uma homilia chamada Segunda Epístola de Clemente.

O Codex Alexandrinus data do século V e, assim como o Codex Vaticanus, apresenta um estilo de escrita sem ornamentação, sugerindo uma produção similar em época. Alguns estudiosos especulam que ele possa ter sido uma das 50 cópias das Escrituras encomendadas pelo imperador Constantino, embora essa hipótese não seja confirmada.