Christus Victor

Christus Victor, em latim para Cristo vitorioso, é um conjunto de perspectivas sobre a obra de reconciliação de que a morte de Cristo pela humanidade pecadora (1 Co 15:3; Rm 5:8; Jo 3:16) culminou uma vitória divina sobre o pecado, o mal e a morte.

Pela doutrina de Christus Victor, Jesus Cristo morreu para derrotar os poderes do mal (como o pecado, a morte e o diabo), assim libertando a humanidade de sua escravidão. A partir dessa interpretação, há diversas explicações com nuances. Umas enfatizam a recapitulação — a repetição perfeita como segundo Adão. Ainda, sob a perspectiva de Christus Victor há teorias do resgate, na qual Cristo arrancou a criação das mãos do maligno. Outras utilizam imagens militarísticas de combate e derrota do mal. Há ainda concepções terapêuticas na qual Cristo inaugura a humanidade recriada já sarada dos pecados e da morte. Uma visão mais recente é a da renúncia da retaliação e violência por parte Cristo. Isso permitiu a paz entre Deus e a humanidade quando o esperado deveria ser a punição por sua morte, mas ao invés disso Cristo manifestou sua graça e perdão à humanidade mediante a ressurreição e ascenção triunfal.

Apesar dessas nuances, há um elemento comum nessa doutrina. Jesus teve que assumir fisicamente a natureza humana caída, uni-la à sua natureza divina. Sendo verdadeiro Deus e verdadeiro homem, Jesus Cristo pode pregar o evangelho para a erradicação do mal, derrotar as potestades espirituais e humanas, a vencer a tentação ao longo de sua vida no poder do Espírito Santo e derrotar a corrupção dentro de sua natureza humana em sua morte. Ao ressuscitar, apresentou-se com a natureza humana purificada e curada. Em um novo corpo ascendeu ao Pai como a primícia da humanidade restaurada. Por fim, compartilhou o Espírito de sua nova humanidade com todos os que creem para fazê-los partícipes da natureza divina.

Os textos-chave são Mt 6:14; Mc 1:4; 4:13; Lc3:3; 5:20-24; Jo 12:31, Cl 2:15, 1 Jo 3:8 e Hb 2:14-15.

Perspectiva dominante no primeiro milênio do Cristianismo junto da teoria do resgate, a teoria de Cristo vitorioso foi preterida pela teoria da satisfação de Anselmo no Ocidente. Entre cristãos orientais continua ser a teoria mais comum sobre a expiação. Lutero empregou alguns aspectos da doutrina de Christus Victor, retratando Cristo como um guerreiro que invade os domínios do mal. Alguns anabatistas, como Marpeck, propuseram doutrinas de salvação semelhantes durante a Reforma. Na tradição pietista, especialmente focada na teologia da cruz ao invés da teologia da glória, a vitória de Cristo subverteu a ordem aparente, pois em sua humanidade e sangue purificou todo o pecado (1 Jo 1:7), não sendo sua morte uma derrota, mas a vitória.

O pentecostalismo clássico fundamenta-se em uma versão soteriológica nessa perspectiva. Por uma leitura que combinou o evangelismo herdado dos movimentos de Santidade e de Alta Vida Superior (Keswick), sem intermediação de teologia sistemática formal, os pioneiros pentecostais e muitas denominações atuais compreendem a obra de salvação em termos de redenção, resgate e restauração (restauração terapêutica) embasados na vitória de Cristo. Por essa razão, o sangue de Cristo é visto não como um pagamento por pecados alheios, mas um purificador dos pecados da humanidade.

Essa doutrina seria articulada no século XX pela escola de Lund, dentre eles Gustaf Aulén. A recepção inicial da obra de Aulén entre alguns setores evangélicos de língua inglesa levou a uma posição dicotômica entre os modelos de Cristo vencedor e de soteriologias forenses, sobretudo a teoria da substituição penal. Contudo, reflexões teológicas recentes como a de Jeremy Treat demonstram a plausibilidade de combinar tais modelos.

BIBLIOGRAFIA
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Kenosis

Kenosis ou Kenose é um conceito bíblico e teológico que se refere ao autoesvaziamento ou auto-renúncia de Cristo. Derivado da palavra grega para “esvaziar”, kenosis significa Jesus renunciando voluntariamente a seus atributos divinos para assumir a forma humana.

Esse conceito de esvaziamento destaca a humildade, o amor sacrificial e a identificação de Jesus com a humanidade, servindo como base para a compreensão da obra redentora de Cristo e o chamado para que os crentes imitem seu exemplo altruísta.

As bases bíblicas são principalmente duas. A primeira é Filipenses 2:5-8, que relata o auto-esvaziamento voluntário de Cristo e assumindo a forma de servo, enfatizando sua humildade e obediência até a morte na cruz. A segunda é 2 Coríntios 8:9, onde fala da pobreza de Cristo, destacando sua disposição de desistir de suas riquezas divinas e tornar-se pobre para que outros possam ser enriquecidos.

Gottfried Thomasius e Christoph Hofmann, teólogos alemães do século XIX, defenderam uma forma radical de kenosis. Argumentaram que Jesus renunciou voluntariamente a atributos divinos essenciais, como onisciência e onipotência, durante sua encarnação. Esta perspectiva extrema enfrentou críticas por comprometer potencialmente a compreensão tradicional da plena divindade de Jesus. Os kenoticistas radicais enfrentaram o desafio de explicar como Cristo poderia ser plenamente divino e, ainda assim, limitar voluntariamente certos atributos divinos. A tensão entre afirmar a divindade de Jesus e explicar a extensão do auto-esvaziamento criou dilemas teológicos.

Em contraste com os seus homólogos alemães, teólogos britânicos como P.T. Forsyth e HR Mackintosh adotaram uma postura mais moderada na teologia quenótica. Em vez de endossar uma renúncia completa aos atributos divinos, concentraram-se na autolimitação de Jesus ao expressar o seu poder e conhecimento divinos no contexto da existência humana. Forsyth, em particular, reinterpretou a kenosis, afirmando que os atributos divinos não eram renunciados, mas exercidos num novo modo de ser. De acordo com Forsyth, a auto-redução de Cristo foi uma expressão genuína e não uma retratação do Deus infinito, levando a uma realização ou plerose.

A teologia kenótica ganhou força como resposta aos teólogos liberais que procuravam minimizar a divindade de Cristo. Ao enfatizar o auto-esvaziamento de Cristo, os proponentes da teologia kenótica pretendiam defender a compreensão tradicional de Jesus como totalmente divino e totalmente humano. A abordagem britânica, em particular, proporcionou um quadro teológico matizado que abordava as preocupações da teologia liberal, mantendo ao mesmo tempo a integridade da divindade de Cristo.

Apesar das suas tentativas de reconciliar os aspectos divinos e humanos na pessoa de Cristo, a teologia kenótica enfrentou críticas significativas. A teoria revisada de Forsyth, embora menos radical, ainda encontrou desafios. Os críticos argumentaram que as teorias kenóticas, nas suas diversas formas, muitas vezes assumiam um caráter mitológico e pareciam sugerir que Cristo só poderia encarnar se fosse de alguma forma menos que totalmente divino. O discurso teológico no século XX viu um declínio na proeminência das teorias quenóticas, à medida que os estudiosos lutavam com as dificuldades conceituais e potenciais armadilhas teológicas associadas a esta estrutura.

Unção

Unção, em hebaico מָשַׁח, nas Escrituras era o derramento de azeite cerimonial.

No Antigo Testamento a unção aparece na cerimônia de apontament ao ofício de sacerdotes (Lv 8:12–13), profetas (1 Re19:16; Is 61:1) e reis (2 Sm 5:3; 1 Re 1:39). Povos vizinhos ungiam reis, vassalos e outros altos oficiais da corte.

Em Êx 30:22–25 aparece uma receita de azeite aromatizado para ungir o tabernáculo, seus móveis e os sacerdotes. O óleo perfumado era feito de azeite de oliva, mirra, canela, cana aromática (?) e cássia.

Os reis ungidos em Israel são tratados “o ungido do Senhor” (ou “o messias do Senhor”, cf. 1 Sm 24:10; Sl 2:2; Lm 4:20), tal como o rei persa Ciro (Is 45:1). Deus instrui Elias para ungir dois reis: Hazael como rei da Síria (1Rs 19:15) e Jeú, filho de Ninsi, como rei de Israel, além de sucessor, Eliseu, filho de Safate, como profeta (1Rs 19:16). Nesse contexto, o termo messias ou ungido não tinha conotações de um salvador divino.

Em períodos tardios da história bíblica, como sinal de reconhecimento divino a um ofício, o termo unção ganhou o sentído metafórico de derramento do Espírito.

A palavra hebraica “Messias” (מָשִׁיחַ, mashiach) significa “o Ungido”, que é traduzido para o grego como “Cristo” (Χριστός, Christos). Nesse sentido Jesus é chamado de o Ungido, ou Jesus Cristo. Esse título reflete as expectativas messiânicas do período do Segundo Templo, com a restauração dos ofícios de rei, sacerdote e profeta sem comprometimento com a corrupção temporal.

Associado à ação de cura divina, no Novo Testamento aparece a unção administrado aos enfermos (Tg 5:14–15; Mc 6:13).

BIBLIOGRAFIA

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