Papiro 75

Papiro 75, P75, 𝔓75, também conhecido como Papiro Bodmer XIV-XV e atualmente Hanna Papiro 1, é um antigo manuscrito grego do Novo Testamento. Contém porções do Evangelho de Lucas (3:18–24:53) ao Evangelho de João (1:1–15:8).

Considerado um dos papiros mais significativos do Novo Testamento, é possível uma datação do século III. A proximidade do manuscrito com o texto do Codex Vaticanus (B) aumenta ainda mais o seu significado. O manuscrito emprega um estaurograma em versos selecionados e exibe características do tipo de texto alexandrino, alinhando-se estreitamente com o Codex Vaticanus. Classificado por Kurt Aland como um manuscrito de Categoria I, 𝔓75 ocupa uma posição distinta na crítica textual, apresentando uma alta proporção de textos antigos. Falta notavelmente a Perícope da Adúltera (João 7:53–8:11). A influência de 𝔓75 se estende desde seu significado histórico até seu papel na formação da compreensão das primeiras escrituras cristãs.

O texto está mais próximo do Codex Vaticanus (B) do que do Codex Sinaiticus (א‎). A concordância entre 𝔓75 e B é de 92% em João  e 94% em Lucas. Assim, apresentava um texto virtualmente idêntico ao Codex Vaticanus.

Não Interpolações Ocidentais

O termo não interpolações ocidentais, em inglês non-Western interpolation, resume uma característica textual de certas leituras curtas no texto grego do Novo Testamento.

O termo foi cunhado por Brooke Foss Westcott e Fenton John Anthony Hort para explicar como algumas leituras do texto tipo ocidental, geralmente considerado mais inferior e expansivo, contraditoriamente possuíam algumas passagens mais breves, algo que indicaria sua antiguidade em relação a outros tipos textuais.

As nove passagens de Mateus 27:49 são amplamente aceitas; Lucas 22:19b–20; 24,3; 24,6; 24,12; 24,36; 24h40; 24,51; 24h52. Outras passagens em questão são Mt 6,15; 9,34; 13,33; 21,44; 23,26; Marcos 10:2; 14,39; Lucas 5:39; 10:41-42; 12:21; 22,62; 24,9; João 4:9, Romanos 6:16; 10.21; 16h20; 16:25-27; 1 Cor. 15,3; 2 Coríntios 10:12-13; Tim 5:19.

Texto tipo Ocidental

O tipo de texto ocidental é uma categoria da crítica textual sobre a transmissão e variação do texto do Novo Testamento. O termo “ocidental” é um tanto enganoso porque evidências deste tipo de texto foram descobertas não apenas nas regiões ocidentais do Império Romano, mas também no Oriente cristão, particularmente na Síria.

Fontes e características

Traduções latinas antigas: As traduções latinas antigas do Novo Testamento, muitas vezes chamadas de Vetus Latina, contêm leituras e variações consistentes com o tipo de texto ocidental.

Traduções Vetus Siríacas: Semelhante ao latim antigo, as traduções Vetus Siríacas do Novo Testamento do grego para o siríaco exibem características ocidentais. Isto indica que o tipo de texto ocidental teve influência além das regiões de língua latina.

Escritores Cristãos Primitivos: Citações e referências nas obras de certos escritores cristãos primitivos nos séculos II e III, como Cipriano, Tertuliano e Irineu, contêm elementos do tipo de texto ocidental.

Papiros Gregos do Egito: Fragmentos dos primeiros papiros gregos descobertos no Egito, incluindo 𝔓29, 𝔓38 e 𝔓48, contêm leituras consistentes com o tipo de texto ocidental.

Codex Sinaiticus: Codex Sinaiticus, um dos primeiros manuscritos gregos completos do Novo Testamento, é considerado como exibindo características ocidentais nos primeiros oito capítulos do Evangelho de João.

O tipo de texto ocidental é caracterizado por vários recursos distintivos, incluindo:

Preferência por Paráfrase: Tende a usar expressões parafrásticas e expande o texto, muitas vezes resultando em variantes mais longas de passagens.

Ausência de certos livros: O tipo de texto ocidental não contém as Epístolas Católicas (Tiago, 1 Pedro, 2 Pedro, 1 João, 2 João, 3 João e Judas) e o Livro do Apocalipse. Essa ausência coincide com a antilegômena e indica que esses livros podem não ter tido uma tradição textual ocidental.

Variantes mais curtas: Em contraste com sua preferência por leituras mais longas, o tipo de texto ocidental também contém variantes mais curtas excepcionais, conhecidas como “não interpolações ocidentais“. Essas omissões incluem a omissão de uma série de oito frases curtas de versículos do Evangelho de Lucas.

Preconceitos redacionais: Nos materiais paulinos, o tipo de texto ocidental exibe preconceitos redacionais distintos que muitas vezes diminuem o status das mulheres nas congregações dirigidas por Paulo.

A qualidade do tipo de texto ocidental é geralmente considerada inferior a outros tipos de texto, apesar de sua antiguidade. Kurt e Barbara Aland categorizam manuscritos do tipo de texto ocidental como Categoria IV em seu sistema de classificação textual, indicando uma confiabilidade menor em comparação com outros tipos de texto.

Correspondência corintiana

A correspondência corintiana ou correspondência coríntia é o conjunto de comunicações trocadas entre Paulo e cristãos de Corinto.

Paulo esteve em Corinto por cerca de 18 meses (Atos 18:11). Depois, seguiu para Éfeso (Atos 19:8, 10; 20:31). Lá, recebeu comunicações acerca de problemas na igreja de Corinto.

Cartas e comunicações possíveis

Pelas duas epístolas aos Coríntios que chegaram até o presente é possível inferir que Paulo escreveu de 4 a 7 cartas à igreja em Corinto. Convencionalmente, essas correspondências são listadas com as letras de A a G.

A — A carta perdida ou a Carta Prévia. Seria a primeira carta de Paulo mencionada em 1 Coríntios 5:9. Alguns biblistas consideram que haja fragmentos dela presentes em 2 Coríntios 6:14-7:1. A espúria 3 Coríntios seria uma tentativa de preencher essa lacuna.

B — A carta conhecida como 1 Coríntios. Escrita por Paulo e Sóstenes (1 Coríntios 1:1) a partir de Éfeso (16:8) em resposta aos problemas em Corinto. É resposta aos problemas reportados por duas comunicações. A primeira comunicação pelos enviados da casa de Cloé (1 Coríntios 1:11). Portanto, é natural que em 1 Coríntios 1:10-6:20 haja citação dessa mensagem. A segunda comunicação — portada por uma comissão de Estéfanas, Fortunato e Acaico — cobre 1 Coríntios 7:1—16:12. Essa delegação também teria trazido uma carta dos coríntios (1 Coríntios 7:1). Nessa seção, Paulo discorre sobre relacionamento marital (7:1–40), faccionalismo acerca do consumo de comida ofertada em templos (8:1—11:1), decoro no culto (11), exercício dos dons espirituais (12-14), ressurreição corporal (15) e uma coleta para os santos (16). Novamente, há indícios de passagens que seriam citações da comunicação vinda de Corinto.

Depois dessa carta, seria possível inferir os eventos:

  • Timóteo vai a Corinto (1 Co 4:17; 16:10-11).
  • A presença de missionários cristãos mas defensores da adesão à tradição judaica em Corinto causa conflito (2 Co 11:22-23).
  • Timóteo retorna a Éfeso, reporta a Paulo, o qual decide viajar para Corinto.
  • A estada de Paulo em Corinto foi dolorosa (2 Co 2:1-11; 7:12).
  • Depois de trocar algumas correspondências, Paulo passou alguns meses na Grécia, potencialmente visitando Corinto (Atos 20:2-3; 2 Co 12:14).

C — Escreve a “carta severa” ou “carta das lágrimas” (2 Co 2:4) da Macedônia (cf. 2 C 1.16) ou de Éfeso. Envia Tito como portador dessa carta, também chamada de Carta Dolorosa. Há uma possibilidade de que tenha sido preservada em 2 Co 1:23-2:4; 7:5-11.

D — Hipotética carta que pode ser a atual 2 Coríntios ou parte dela.

E — Hipotética carta de reconciliação. Escrita com Tito. Seu conteúdo seriam ou (a) totalmente preservada em 1:1-2:13; 7:5-16; 13:11-13; ou (b) parcialmente preservada em nos capítulos 10 a 13.

F— Hipotética Carta da Coleta. Escrita com Tito ou por ele portada. Seria 2 Co 8. Talvez fizesse parte de E.

G — Hipotética carta que reuniu E e F.

Teorias das correspondências corintianas

  • Teoria das três cartas C foi perdida, D seria 2 Coríntios.
  • Teoria das quatro cartasA e C foram perdidas. B é 1 Coríntios enquanto D seria 2 Coríntios.
  • Teoria das cinco cartas C foi perdida. 2 Co seriam duas carta: D compreende os capítulos 1-9; E foi parcialmente preservada em 10-13. D e E foram escritas da Macedônia
  • Teoria das quatro cartas parcialmente preservadas C compreende 2 Co 10-13 e foi escrita em Éfeso. D consiste de 2 Co 1-9 e foi escrita da Macedônia.
  • Teoria das sete cartas C não seria a carta das lágrimas. Teria sido preservada em partes em 2:14-6:13; 7:2-4 e escrita antes da segunda visita a Corinto. D seria os capítulos 10-13 em um tom defensivo, após a visita dolorosa. Ambas teriam sido escritas de Éfeso. E teria sido escrita com Tito, sendo a carta de reconciliação, totalmente preservada em 1.1-2.13; 7.5-16; 13:11-13. F seria 2 Co 8 e G consiste de 2 Co 9, os quais seriam finalizações editoriais posteriores. Parte de 2 Co 8, sobre coleta, talvez faça parte de E.
  • Teoria das nove cartas Proposta por Walther Schmithals em 1956, sendo a teoria mais complexa e de menor aceitação. Carta A 1 Coríntios 11:2-24. Carta B consistindo em 1 Coríntios 6:1-11, 2 Coríntios 6:14 -7:1, 1 Coríntios 6:12-20, 9:24-10:22, 15:1-58, 12:31b-13:13, 16:1-12. Carta C consistindo em 1 Coríntios 5, 7:1-8:13, 9:19-22, 10:23-11:1, 12:1-31a, 14:1c-40, 12:31b-13:3, 16:1-12. Carta D consistindo em 1 Coríntios 1:1-4:21. Carta E (Carta Prévia) consistindo em 2 Coríntios 2:14–6:2. Carta F consistindo em 1 Coríntios 9:1-18, 2 Coríntios 6:3-13, 7:2-4. Carta G (Carta Dolorosa) composta por 2 Coríntios 10-13. Carta H (Carta de Coleta) consistindo em 2 Cor 9. Carta I (Carta de Reconciliação) composta por 2 Cor 1:1–2:13, 7:5–8:24.

Problemas interpretativos

Alguns problemas surgem pela falta de contexto sobre o qual ocorreu a correspondência corintiana. Um problema é que Paulo usa o diatribe, uma estratégica retórica com um diálogo imaginário entre si mesmo e seus interlocutores. Outro problema é o uso de slogans. Os slogans ou lemas são frases curtas e convincentes para sumarizar um ideal. Aparecem especialmente em 1 Co 6:12-20, sobre os quais seus papéis retóricos permanecem obscuros.

Em razão disso a correspondência corintiana é fragmentária e de difícil interpretação. Resta no campo hipotético separar em 1 Coríntios onde é “Paulo próprio”, Paulo citando a comunicação reportada de Corinto, Paulo usando um slogan em seu argumento, Paulo citando um slogan usado em Corinto e Paulo falando em diatribe.

Na história da canonização dos escritos paulinos, é possível que alguns dos envolvidos nessa correspondência tenha compilado uma coleção de escritos paulinos. Teria tido acesso a 1 Coríntios, ao material de 2 Coríntios (tanto se for uma só carta ou uma compilação de cartas cujos indicadores de divisões se perderam no processo de cópia), a Romanos (escrito durante a estada de Paulo em Corinto cf. Rm 16:1, 23; 1 Co 1:14), a 1 Tessalonicenses (muito provável também escrita em Corinto, cf. 1 Ts 3:1-2), a Gálatas (na teoria nortista dos gálatas, escrita durante esse período da correspondência corintiana a partir de Éfeso ou da Macedônia), a Filipenses e Filemón, se considerar um aprisionamento em Éfeso (cf. Ef 3:1-5; 4:1, Fp 1:13; Fm 1:10).

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Escola Deuteronomista

A Escola Deuteronomista, também conhecida como História Deuteronomista (HD), designa uma corrente literária e teológica hipotética na composição de uma significativa porção da Bíblia Hebraica. Essa escola, que teria se desenvolvido ao longo de vários séculos, teria um estilo literário e um conjunto de preocupações teológicas distintas, centrado na aliança mosaica e na obediência ou desobediência a Yahweh.

A origem da Escola Deuteronomista é associada à obra do livro de Deuteronômio, que serve como seu principal manifesto teológico. Este livro, com seu foco na lei, na centralização do culto em Jerusalém e nas consequências da fidelidade ou infidelidade à aliança, estabeleceu os fundamentos para a perspectiva deuteronomista. Essa escola teria um papel na edição e na composição dos livros históricos de Josué, Juízes, Samuel e Reis. O objetivo era interpretar a história de Israel desde a entrada na Terra Prometida até o exílio babilônico através da lente de seu programa teológico.

Os principais temas da Escola Deuteronomista incluem a importância da Lei, a centralidade de Jerusalém como o único local legítimo para o culto a Yahweh, a necessidade de um rei justo que siga os mandamentos divinos, e a estrita relação entre obediência e bênção (prosperidade e segurança) e desobediência e maldição (derrota, sofrimento e exílio). A história de Israel é apresentada como um ciclo de apostasia, juízo divino (geralmente por meio de inimigos externos), arrependimento e libertação, com um forte tom profético de advertência contra a idolatria e a injustiça social.

Mediante análises textuais e históricas, supõem-se que a Escola Deuteronomista não foi um grupo homogêneo de autores trabalhando simultaneamente, mas sim uma tradição que evoluiu ao longo do tempo. Sugere-se que a camada mais antiga do Deuteronomismo remonta ao período do Rei Josias (século VII a.C.), com reformas religiosas baseadas nos princípios deuteronomistas. Posteriormente, durante o exílio babilônico (século VI a.C.) e o período pós-exílico, escribas e teólogos deuteronomistas revisitaram e expandiram as narrativas históricas, buscando explicar a catástrofe do exílio como uma consequência direta da infidelidade de Israel à aliança.