Donald W. Dayton

Donald W. Dayton (1943–2020) foi um teólogo, historiador e líder ecumênico norte-americano, conhecido por sua análise crítica da história do evangelicalismo e suas contribuições para o diálogo entre diferentes tradições cristãs. Sua obra explorou as interseções entre teologia, justiça social e as raízes do pentecostalismo.

Nascido em 1943 em um ambiente evangélico, Dayton estudou no Asbury Theological Seminary e na Universidade de Chicago, onde seus interesses teológicos se expandiram. Ele passou de uma perspectiva teológica fundamentalista para uma abordagem mais progressista, buscando integrar a fé evangélica com a justiça social e o compromisso com a paz. Dayton tornou-se uma voz importante na “Evangelical Left”, um movimento que enfatizava a conexão entre espiritualidade e ação social.

Sua contribuição acadêmica foi marcada pela releitura da história evangélica. No livro Discovering an Evangelical Heritage (1976), Dayton desafiou narrativas dominantes, destacando as raízes sociais e ecumênicas do movimento. Ele também desempenhou papéis de liderança em organizações como o Conselho Nacional de Igrejas e o Conselho Mundial de Igrejas, promovendo o diálogo interdenominacional e a reconciliação entre diferentes tradições cristãs.

Entre suas obras mais notáveis está Theological Roots of Pentecostalism (1987), que explora as bases teológicas do pentecostalismo, detalhando a evolução de suas crenças e práticas centrais. Nesse estudo, Dayton articula como o pentecostalismo emergiu de tradições como o avivalismo conversionista e o movimento de santidade wesleyano. Ele também destaca a relação entre temas de poder espiritual e santificação, a prática de cura divina e a expectativa escatológica do retorno de Cristo.

A análise de Dayton no livro é estruturada em torno do “gestalt pentecostal”, que apresenta Cristo como Salvador, Batizador no Espírito Santo, Curador e Rei que Virá. Ele traça as conexões históricas e doutrinárias desses temas, abrangendo desde o avivamento wesleyano até influências de figuras como Charles Finney, Dwight Moody e A.B. Simpson. A obra é reconhecida como um marco na compreensão do desenvolvimento teológico do pentecostalismo.

Tradição no evangelicalismo

A Tradição e as variantes do Evangelicalismo Anglo-Americano

Tradição é um tema debatido na teologia protestante. Durante a Reforma, reformadores radicais como Thomas Muentzer, Caspar Schwenkfeld ou Sebastian Franck opuseram-se totalmente à tradição, voltando-se somente para as Escrituras. Enquanto isso, reformadores magisteriais encaravam a tradição como algo positivo enquanto fonte para a leitura das Escrituras. Já no catolicismo pós-Trento, bem como na ortodoxia oriental e em algumas vertentes anglicanas, a tradição existe independente, paralela e harmoniosamente com as Escrituras. Contudo, reavaliações do próprio fenômeno da tradição confirmam que, queira ou não, há uma indissociável e inescapável influência da tradição na teologia e na interpretação bíblica

Este ensaio explora quatro variantes distintas do evangelicalismo anglo-americano, selecionado por seu impacto internacional. Com base em diversos estudos sobre o evangelicalismo, mas principalmente na revisão e expansão das obras de Olson (2007) e McDermott (2010), examinamos os pressupostos, ênfases, métodos e abordagens únicas em relação à ortodoxia dentro de cada variante em relação à tradição. Além disso, lançamos luz sobre suas políticas em relação à tradição no contexto do cristianismo evangélico.

I. Doutrinários

Os Doutrinários têm uma base irredutível no fundacionalismo herdado da modernidade iluminista. A tradição, sobretudo da Reforma, serve para avaliar positivisticamente a teologia. Buscam certeza por meio de verdades evidentes por si mesmas, razão e experiência sensorial, considerando a doutrina como a essência do cristianismo. São exemplificados por autores como J.I. Packer, Wayne Grudem, Norman Geisler e D.A. Carson.

Esta variante utiliza o Realismo do Senso Comum Escocês para tratar a Bíblia como uma coleção de proposições autocontidas. Possuem uma filosofia de linguagem referencial, ou seja, um certo realismo e confiança de que as palavras transmitem ideias sem problemas de acurácia. São herdeiros do positivismo da Escola de Prínceton.

Para os doutrinários, a ortodoxia consiste em crenças atemporais, sustentadas por leituras históricas seletivas, que validam doutrinas específicas.

II. Paleo-ortodoxos

A tradição para os paleo-ortodoxos é o consenso ecumênico. Figuras proeminentes na variante Paleo-ortodoxa, como Thomas Oden, Alister McGrath, John Goldingay enfatizam um diálogo harmonioso entre a Bíblia e a Grande Tradição. Consideram o consenso ecumênico do primeiro milênio do Cristianismo como uma lente interpretativa para a compreensão das Escrituras.

Os teólogos paleo-ortodoxos envolvem-se em tarefas teológicas críticas e construtivas dentro do quadro das decisões da igreja ecumênica sobre questões doutrinárias. Seu foco está na evolução histórica da doutrina, especialmente no primeiro milênio.

Influenciado pelos métodos das humanidades para estudar a história cristã e do pensamento cristão, adotam uma abordagem de hermenêutica filósofica e realismo crítico em suas epistemologias e ontologias.

A ortodoxia, de acordo com esta variante, é o resultado da atuação de Deus na história por meio do consenso da Igreja.

III. Melioristas

Os Melioristas consideram a tradição como mais uma faceta da realidade complexa e global. São epresentados por estudiosos como Roger Olson, Kevin Vanhoozer, James A. K. Smith, Amos Yong, N.T. Wright, Scot McKnight, Beverly Gaventa e Frank Macchia. Presumem que a Grande Tradição cometeu erros no passado, exigindo correções e reformas contínuas.

Envolvem-se em diálogo com uma ampla variedade de tradições, incluindo perspectivas globais, anabatistas, pentecostais, do mundo majoritário, teologias feministas e minoritárias, luteranas, reformadas, ortodoxas, católicas romanas, bem como o pensamento científico. Isso leva a adotar uma epistemologia crítica.

Os Melioristas adotam uma compreensão coerentista da doutrina, enfatizando o presente e considerando a tradição apenas como um elemento em uma visão holística da fé. A criação está ligados a Deus não primariamente por declarações proposicionais, mas por eventos factuais. Consideram a Escritura como um meio de comunicação da revelação, guiada pelo Espírito, e instrumental para instruir as pessoas a serem semelhantes a Cristo.

A ortodoxia é vista como o resultado de um diálogo coerente com as realidades bíblicas e contemporâneas, inclusive com as realidades percebidas.

IV. Restauracionistas

A tradição é aquela da comunidade restaurada. Os Restauracionistas, exemplificados pelos anabatistas (mennonitas, Dunkers), Plymouth Brethren, Movimento de Restauração (Disciples and Churches of Christ) e muitos pentecostais clássicos enfatizam fortemente o conhecimento experiencial, individual e coletivamente vivido dentro da Igreja.

Entre seus expoentes estão F. F. Bruce, Harold Bender, Max Lucado, Anthony Palma e Michael Brown.

Sustentam que a Bíblia pode ser diretamente apreendida sob a orientação do Espírito Santo enquanto a avaliação comunitária limita interpretações arbitrárias. Para os Restauracionistas, as Escrituras contém elementos tanto proposicionais como não-proposicionais, ensinando por meio de analogia com o presente. O discipulado é considerado a essência central do verdadeiro cristianismo.

A ênfase é na tradição restaurada da comunidade .Por vezes, a essa tradição é denominacional, embora muitos rejeitem tanto identidades denominacionais quanto a Grande Tradição.

As ontologia e epistemologia coexistem em tensão entre um discernimento crítico das experiências imediatas, senso comum e conhecimento situado.

A ortodoxia, nesta perspectiva, está entrelaçada com a ortopatia e a ortopraxia. Esses três existem como oriundos da experiência da Bíblia na comunidade de fé.

Considerações finais

Mesmo quem queira evadir-se de alguma tradição não consegue evitar estar situado em alguma forma dela. No caso do evangelicalismo anglo-americano, essas quatro variantes representam abordagens distintas em relação à fé, doutrina e tradição.

Enquanto os Doutrinários enfatizam verdades evidentes por si mesmas e sistemas racionais, os estudiosos Paleo-ortodoxos sustentam o consenso ecumênico antigo. Os Melioristas advogam a reforma contínua e o diálogo com diversas tradições, enquanto os Restauracionistas priorizam o conhecimento experiencial e a tradição comunitária.

A seleção do evangelicalismo de língua inglesa deve-se à sua representatividade como exemplo do pluralismo interno dessa vertente protestante. Ademais, essa tipologia ideal, expandida de McDermott (2010) e Olson (2007), reflete as vertentes exportadas pela teologia evangelical norteamericana através do mundo. Indubitavelmente, em outras regiões, subtradições protestantes, bem como esferas linguísticas há outras tipologias do pensamento evangélico.

Compreender essas variantes e suas políticas em relação à tradição é fundamental para compreender a diversidade e dinamismo dentro do cristianismo evangélico, tanto no âmbito doméstico quanto internacional.

BIBLIOGRAFIA

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Purinton, William. Transpacific Evangelicalism in the twentieth century: Revival and Evangelism in America and Korea. One Mission Society, 2020.

Bond van Vrije Evangelische Gemeente

A Bond van Vrije Evangelische Gemeente, ou a Liga das Congregações Evangélicas Livres (VEG) são um a denominação protestante holandesa na tradição das igrejas livres.

A história do VEG remonta a meados do século XIX, quando congregações independentes surgiram ao lado da Igreja Reformada Holandesa e da Secessão de 1834. Figuras notáveis como Jan de Liefde, Hermanus Willem Witteveen e Hubert Jacobus Budding desempenharam papéis significativos na formação inicial do movimento.

A Liga das Congregações Evangélicas Livres foi instituído em 1879, unindo inicialmente cinco comunidades. Foi influenciada pelo ministério de D. L. Moody, Ira Sankey e pelo movimento de Keswick. Desde seu início adotou uma postura não credal, valorizando o evangelismo.

Sua forma congregacional é baseada na independência, sem um sínodo ou estrutura de autoridade sinodal. Localmente, é governada por um corpo de presbíteros e diáconos. Influenciado pelo movimento Réveil do século XIX e vários reavivamentos evangélicos, o VEG também mostra influências do Movimento Litúrgico em algumas congregações.

O VEG tem afiliações com organismos internacionais como a Federação Internacional de Igrejas Evangélicas Livres, a Comunhão Mundial de Igrejas Reformadas e o Conselho de Igrejas na Holanda. Eles também mantêm conexões com outras denominações protestantes, como os batistas na Holanda. Os VEG valorizam sua independência e enfatizam seus propósitos missionários e evangélicos.

Teologicamente é uma denominação evangelical aberta e não credal (ou seja, ser aderir a confissões de fé como instrumento normativo). Seu motto presente no selo denominacional descreve sua fé comum “ICHTUS: Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador.” Por sua vez, é expandido como “Jesus Cristo, o Filho de Deus, como foi prometido no Antigo Testamento e revelado no Novo Testamento, como o Cabeça da Igreja e o Salvador do mundo.”

Celebram a Santa Ceia e o batismo. O batismo é tido como simbólico, podendo ser ministrado a filhos de membros ou para adultos, embora essa última posição prevaleça. Contudo, reconhece como válido os batismos adulto e infantil de outras denominações reformadas e evangélicas holandesas.

Bernard Ramm

Bernard Ramm (1916-1992) foi um teólogo e apologista batista americano, aderente do evangelicalismo.

Um pioneiro em fundamentar o pensamento evangelical em bases racionais, discutiu a relação entre fé e razão. Ramm foi professor no California Baptist Theological Seminary e na Baylor University School of Theology.

Ramm fazia parte da mesma geração que no início da década de 1940 emergiu como novo-evangelicalismo, junto com muitos jovens intelectuais, como Charles F. H. Henry, Edward John Carnell e Harold J. Okenga, distinguindo-se dos fundamentalistas.

A teologia de Ramm enfatizou a importância do rigor intelectual na defesa da fé cristã. Criticou a tendência de priorizar a experiência religiosa subjetiva sobre a argumentação racional.

Nos estágios iniciais do envolvimento de Ramm com a ciência e as Escrituras (1946-1950), possuía uma visão crítica acerca da ciênca. Examinou as limitações do conhecimento científico e criticou a teoria evolucionista, afirmando que as hipóteses científicas devem estar alinhadas com a consistência lógica e as implicações materiais. Ramm defendeu uma perspectiva que permitia lacunas no registro geológico, enfatizando uma forma de criação onde Deus interveio de forma intermitente, contrastando com os processos evolutivos.

Mais tarde, passou para uma fase concordante (1950-1957). Ramm buscou uma relação harmoniosa entre o cristianismo e a ciência. Ele reconheceu a importância de interpretar a Bíblia à luz do seu contexto cultural e pré-científico. O “concordismo moderado” de Ramm propôs uma interpretação não literal do relato da criação em Gênesis, enfatizando a compatibilidade entre registros geológicos e amplas narrativas bíblicas.

Seu trabalho seminal, “A Visão Cristã da Ciência e das Escrituras” (1954), apresentou seu pensamento crítico e marcou um afastamento de uma interpretação literalista do Gênesis. Ramm, influenciado por Karl Barth, fez a transição do evidencialismo para a apologética pressuposicional, compartilhando semelhanças com Edward John Carnell.

O envolvimento de Ramm com a ciência foi notável por sua rejeição da “geologia da inundação” e do criacionismo da terra jovem, em vez disso, defendendo uma perspectiva criacionista progressiva. Sua abordagem concordante buscava a harmonia entre o cristianismo e a ciência, enfatizando que a Bíblia não pretendia ensinar teorias científicas definitivas. O concordismo moderado de Ramm sugeria que o Gênesis e a geologia poderiam contar uma história semelhante sem uma adesão estrita a uma criação literal de seis dias.

Considerava que a criação foi revelada em seis dias, não realizada em seis dias. Os seis dias seriam dias de revelação da intervenção cosmogônica de Deus, não dias literais nem dias de eras. Os dias em Gênesis comunicam ao ser humano o grande fato de que Deus é o Criador e de que Ele é o Criador de tudo.

Mais tarde em sua carreira, já nos fins dos anos 1950s, Ramm abraçou uma visão contextual das Escrituras, enfatizando a importância de compreender as passagens bíblicas dentro de seu contexto cultural. Esta abordagem visava reconciliar os aparentes conflitos entre a ciência e as Escrituras, permitindo diversas interpretações, mantendo ao mesmo tempo a essência teológica da mensagem bíblica.

Nessa fase madur, argumentou que a revelação e a ciência, quando compreendidas dentro de suas estruturas distintas, não precisam estar em conflito. Ramm enfatizou que a Bíblia não pretendia ensinar ciência, mas sim comunicar verdades teológicas dentro das perspectivas culturais de seus autores.

A jornada intelectual de Ramm, do engajamento crítico ao concordismo e depois a uma visão contextual, refletiu seu compromisso com estudos rigorosos e uma compreensão diferenciada da intersecção entre fé e ciência. A sua influência estendeu-se para além dos círculos teológicos, impactando os cientistas evangélicos e encorajando uma resposta cristã ponderada aos avanços científicos.

BIBLIOGRAFIA
Ramm, Bernard. “Protestant Biblical Interpretation: A Textbook of Hermeneutics” (1956)

Ramm, Bernard. “The Christian View of Science and Scripture” (1954).

John Stott

John Stott (1921 – 2011) foi um pastor anglicano evangélico e teólogo britânico.

Stott arguia pela relevância da fé cristã em um mundo contemporâneo, defendendo uma pregação bíblica, missões e justiça social. Foi articulador do Movimento de Lausanne, do qual emergiu a Missão Integral. Trabalhou pela aproximação ecumênica do protestantismo evangélico em esfera global. Defendia uma postura intelectual para o evangelicalismo. Propunha a defesa dos direitos femininos.