Supralapsarianismo e infralapsarianismo

O supralapsarianismo e o infralapsarianismo representam uma distinção interna e historicamente debatida dentro da visão da eleição pretemporal, particular e incondicional (calvinismo clássico). Ambas as posições concordam nos princípios centrais dessa doutrina, mas divergem na ordem lógica dos decretos eternos de Deus, especificamente em relação à Queda (o lapsus).

A questão central que procuram responder é: na ordem lógica dos decretos de Deus, o decreto de eleger e reprovar veio antes (supra) ou depois (infra) do decreto de permitir a Queda?

O infralapsarianismo (“depois da queda”) é a visão mais comum e historicamente dominante no calvinismo (adotada pelo Sínodo de Dort, por muitos puritanos e teólogos de Princeton).

Ordem lógica dos decretos

  1. Decreto de criar o mundo e a humanidade.
  2. Decreto de permitir a Queda da humanidade no pecado. (Neste ponto, Deus logicamente vê a humanidade como criada e caída).
  3. Decreto de eleger alguns pecadores caídos para a salvação em cristo (deixando os demais em sua justa condenação).
  4. Decreto de prover a salvação para os eleitos através da expiação de cristo.
  5. Decreto de aplicar a salvação aos eleitos pelo espírito santo.

O infralapsarianismo enfatiza a justiça da reprovação (o ato de não eleger). A escolha de Deus de salvar alguns é vista como um ato de pura misericórdia para com pecadores já culpados. Sua escolha de preterir (deixar de lado) os não eleitos é um ato de justiça, pois Ele os deixa no estado de pecado e condenação que incorreram justamente por causa da Queda.

O objeto da eleição/reprovação é a humanidade caída (massa corrupta ou massa damnata).

Já o supralapsarianismo (“antes da queda”) é uma visão menos comum e mais radical, que coloca a escolha soberana de Deus no absoluto primado. Foi defendida por teólogos como Theodore Beza e Franciscus Gomarus.

A ordem lógica dos decretos

  1. Decreto de eleger alguns indivíduos para a salvação e reprovar outros. (Este é o propósito primeiro e supremo).
  2. Decreto de criar o mundo e esses indivíduos (tanto eleitos quanto reprovados).
  3. Decreto de permitir a Queda como o meio pelo qual a distinção entre eleitos e reprovados se manifesta.
  4. Decreto de prover a salvação para os eleitos por meio de cristo.
  5. Decreto de aplicar a salvação aos eleitos pelo espírito.

O supralapsarianismo enfatiza a soberania absoluta de Deus. A eleição e a reprovação são o propósito último de todas as coisas, incluindo a criação e a queda. A Queda não é uma condição à qual Deus reage, mas um meio que Ele ordena para manifestar Sua glória, tanto em misericórdia quanto em justiça.

O objeto da eleição/reprovação são os indivíduos não criados e não caídos (considerados meramente como possibilidades na mente de Deus). O ato de reprovação é visto de forma mais ativa (predamnation), sendo um decreto positivo para a glória de Deus.

BIBLIOGRAFIA

Muller, Richard A. Christ and the Decree: Christology and Predestination in Reformed Theology from Calvin to Perkins. Reprint, Grand Rapids, MI: Baker Academic, 2008.

Teologia ectipal

A teologia ectipal, um conceito na teologia reformada, refere-se ao conhecimento análogo e derivado de Deus que é estabelecido por Ele para a humanidade.

Diferente do conhecimento “arquetipal” (o conhecimento pleno e inerrante que Deus tem de Si mesmo), o conhecimento ectipal é uma comunicação da verdade divina que é acomodada à nossa compreensão humana, finita e pecaminosa. Essencialmente, é a maneira como Deus se revela a nós, adaptando Sua verdade infinita e complexa às nossas capacidades cognitivas limitadas, por meio de Sua Palavra revelada e de Sua providência.

Essa acomodação não implica que o conhecimento ectipal seja menos verdadeiro ou confiável; pelo contrário, ele é verdadeiro e suficiente para a salvação e para o viver piedoso, pois é o próprio Deus que o comunica. Ele nos permite ter um conhecimento genuíno de Deus, embora não exaustivo. A teologia ectipal reconhece que a linguagem humana, as categorias de pensamento e as experiências são moldadas por nossa finitude, e Deus, em Sua graça, utiliza esses meios para se relacionar conosco.

Em termos práticos, a teologia ectipal se manifesta nas Escrituras. A Bíblia seria a forma principal pela qual Deus revela Seu conhecimento ectipal. Os textos bíblicos usam linguagem humana, metáforas, narrativas e conceitos acessíveis para nos ensinar sobre a natureza de Deus, Seus atributos, Seus propósitos e Seus mandamentos. A revelação natural, por meio da criação, também oferece um conhecimento ectipal de Deus, embora de forma mais geral.

Este conceito serve para ressaltar tanto a transcendência de Deus (Seu conhecimento arquetipal é inatingível para nós em sua totalidade) quanto Sua imanência e graça (Ele escolhe se comunicar conosco de forma compreensível). Ao mesmo tempo, ele estabelece uma humildade epistemológica no estudo da teologia, reconhecendo que nossa compreensão de Deus é sempre parcial e mediada. A teologia ectipal, portanto, orienta o estudo bíblico e teológico a buscar a verdade revelada com reverência, sabendo que estamos lidando com um conhecimento divino que nos foi graciosamente concedido de uma forma que podemos apreender e que é, ao mesmo tempo, fiel à natureza inefável de Deus.

Escola de Princeton

A Escola de Princeton, princetonianismo ou a teologia de Princeton foi uma vertente teológica reformada e presbiteriana centrada no Seminário Teológico de Princeton, desde a sua fundação em 1812 até a década de 1920. Os princetonianos apresentavam-se como os guardiões da ortodoxia reformada, embora fossem frutos da modernidade do século XIX.

Os teólogos de Princeton, como Archibald Alexander, Charles Hodge e B. B. Warfield, aderiram a uma mistura de confessionalismo calvinista presbiteriano, um evangelicalismo conversionista e uma retórica de erudição. Possuíam um apreço pelo contexto americano, uma combatividade contra pensamentos e movimentos concorrentes, métodos positivistas e pressupostos da filosofia do senso comum escocês.

As origens de Princeton remontam ao Log College (1735) , uma escola durante o Primeiro Grande Despertar liderada por William Tennent, Sr. O College of New Jersey surgiu do Log College em 1746.

O Seminário foi fundado em 1812 com o lema “Piedade do coração e aprendizado sólido”. O corpo docente inicial incluía Archibald Alexander , Samuel Miller e Charles Hodge. Archibald Alexander (1772-1851) era originário da Virgínia. Tinha experiência como presidente do Hampden-Sydney College e pastor antes de se tornar o primeiro professor do Seminário de Princeton. Samuel Miller (1769-1850) ingressou no corpo docente depois de servir como pastor na cidade de Nova York. Charles Hodge (1797-1878) ingressou no corpo docente em 1820, depois de estar entre os primeiros formandos do Seminário de Princeton.

Enraizados na tradição protestante reformada, os teólogos de Princeton viam-se como herdeiros do legado teológico de João Calvino. Antes de publicarem suas próprias teologias, como a Teologia Sistemática de Hodge, empregavam a dogmática de Francis Turretin como obra didática. A sua preferência pelos sistemas teológicos dos séculos XVI e XVII auxiliava no discurso de mantenedores das doutrinas tradicionais. Apesar de abraçarem a investigação científica, os teólogos mantiveram uma postura crítica em questões como o darwinismo, mesmo que seus expoentes, como B. B. Warfield, admitia um teísmo evolucionista.

Charles Hodge, estudou na Europa com Friedrich Schleiermacher e pautou a Escola de Princeton contra o que consideravam o liberalismo teológico e a “alta crítica” (crítica das fontes, no caso). Warfield articulou a doutrina da inspiração plenária verbal das Escrituras, defendendo sua inerrância.

A bibliologia de Princeton foi moldada através de embates polêmicos com exegetas crítico-históricos, pregadores revivalistas, teólogos arminianos-wesleyanos e quakers crentes no continuísmo. Os teólogos de Princeton formularam e propuseram firmemente uma versão de doutrinas para a inspiração verbal e a inerrância da Bíblia, afirmando que todas as referências nas Escrituras estavam isentas de erros em quaisquer matérias, de história a ciência. Pressupondo uma doutrina de inspiração mecânica, equiparavam as Escrituras à revelação divina, argumentando que a verdade poderia ser deduzida ou induzida diretamente da Bíblia. Depois, Warfield refinou seu conceito de inspiração, dando maior nuances para a agência dos autores em concurso do Espírito Santo. As doutrinas, consideradas absolutas, poderiam ser racionalmente destiladas das Escrituras, devido sua clareza e perspicuidade. A linguagem das Escrituras era considerada inequívoca, representando fielmente a realidade. A Revelação, vista como estática, era apreensível pelo senso comum. Os princetonianos viam a Bíblia como a fonte de princípios revelados, com versículos atomizados servindo como proposições a serem reorganizadas para transmitir verdades doutrinárias. Notavelmente, insistiram que nenhuma outra forma de discurso inspirado era necessária para a vida da igreja além das Escrituras canônicas.

A sua abordagem à apologética, exemplificada por Warfield, procurou demonstrar a crenças do calvinismo princetoniano através de argumentos racionais, ao mesmo tempo que reconhecia a necessidade da obra do Espírito Santo.

Os teólogos de Princeton, embora combatessem movimentos como os de Finney, Moody, Holiness e Pentecostal, também valorizavam a experiência religiosa. Viam a teologia e a piedade como correlatas, em equilíbrio entre os elementos intelectuais e afetivos da fé cristã. Apesar disso, foram os fundadores do cessacionismo moderno como doutrina.

Os pincetonianos, embora cautelosos em relação a avivamentos, engajaram-se ativamente no evangelismo. Archibald Alexander e J. W. Alexander promoveram reuniões de eavivamentos, e a Sociedade Estudantil de Investigação sobre Missões de Princeton contribuiu significativamente para o atividades missionárias. O próprio presbiterianismo no Brasil chegou via missionários e pastores influenciados ou aderentes à teologia de Princeton.

As ideias dos princetonianos foram difundidas por periódicos, incluindo o Biblical Repertory e The Princeton Theological Review (1825-1929). As “Stone Lectures” de Abraham Kuyper em 1898 integraram as agendas do princetonianismo com muitos aspectos do neocalvinismo kuyperiano holandês, especialmente sobre uma interação informada com a cultura ampla.

Marcante para o método de produção teológica dos princetonianos era a polêmica. Constantemente estavam em controvérsia com pensamentos divergentes. No início, atacavam os movimentos da região de fronteira — os presbiterianos cumberland, metodistas, os batistas, o movimento restauracionista Campbell-Stone e o avivalismo de Finney. Direcionavam também suas polêmicas mesmo contra reformados, como a teologia de Mercerburg e a teologia de New Haven, bem como preferiam ignorar posições reformadas que discordavam de suas doutrinas, principalmente a 2a Confissão Helvética e o Catecismo de Heildeberg. Mais tarde, atacariam o evangelho social, os irmãos, o movimento de Moody, os acadêmicos bíblicos, o movimento de santidade, o movimento pentecostal, dentre outros.

Nos anos 1920, o Seminário Teológico de Princeton estava envolvido na controvérsia fundamentalismo-liberalismo. Como consequência, nas décadas seguintes os que se consideravam representantes da ala conservadora acabaram saíndo e formando o Westminter Theological Seminary.

BIBLIOGRAFIA

DeBie, Linden J. Speculative Theology and Common-Sense Religion: Mercersburg and the Conservative Roots of American Religion. Vol. 92. Wipf and Stock Publishers, 2008.

Mikoski, Gordon S., and Richard Robert Osmer. With piety and learning: The history of practical theology at Princeton Theological Seminary 1812-2012. Vol. 11. LIT Verlag Münster, 2011.

Nelson, John Oliver. The rise of the Princeton theology: a genetic study of American Presbyterianism until 1850. Yale University, 1935.

Osterhaven, M. Eugene”The Experientialism of the Heidelberg Catechism and Orthodoxy,” in Controversy and Conciliation, ed. Derk Visser (Allison Park, Penn.: Pickwick Publications, 1986, 197-203.

Quebedeaux, Richard. The Worldly Evangelicals. San Francisco: Harper & Row Publishers, 1978.

Sandeen, Ernest “Princeton Theology: One Source of Biblical Literalism in American Protestantism,” Church History 31 (September
1962):319 n. 6.

Stewart, John William. The tethered theology: biblical criticism, common sense philosophy, and the Princeton theologians, 1812-1860. University of Michigan, 1990.

Presbiterianismo

Os presbiterianos são um ramo do cristianismo protestante de origem reformada, caracterizado pelo governo presbiterial da igreja, tradições teológicas e práticas religiosas oriundas da reforma na Escócia.

As origens do presbiterianismo remontam à era da Reforma na Europa durante o século XVI. O termo “presbiteriano” deriva da palavra grega “presbyteros”, que significa ancião, refletindo a forma de liderança da igreja investida em um grupo de presbíteros.

A fundação do presbiterianismo deve-se a John Knox (1514-1572), um exilado protestante em Genebra. Influenciado por João Calvino, Knox reformou a Igreja da Escócia.

Uma das características definidoras do presbiterianismo é a sua forma de governo eclesial. Os presbiterianos organizam as suas igrejas sob um sistema representativo, no qual os presbíteros eleitos (anciãos) governam a congregação local. Os ministros (presbíteros ordenados) não são vinculados a uma congregação local, mas a um presbitério. Os presbíteros eleitos, juntamente com os ministros formam coletivamente órgãos de governo a níveis mais elevados, tais como presbitérios, sínodos regionais e assembleias gerais, para tomar decisões e supervisionar a denominação em geral. As congregações individuais não são autônomas, mas respondem perante a denominação em geral, através dos seus diferentes níveis de órgãos de governo. Em termos práticos, a propriedade, a disciplina e o direito de nomear um ministro ordenado estão acima da igreja local.

Os presbiterianos adotam a teologia reformada. Enfatizam as doutrinas da eleição, da graça e da autoridade das Escrituras. Creem na soberania de Deus em todos os aspectos da vida e da salvação, e aderem às confissões de fé, principalmente a Confissão de Fé de Westminster, como declarações essenciais das suas crenças.

Os cultos presbiterianos geralmente seguem uma liturgia estruturada, incorporando hinos, orações e leitura das Escrituras. Há uma diversidade quanto às suas expressões de culto, desde presbiterianos de tendência High Church, com elaboradas liturgias, até presbiterianos com manifestações carismáticas. Os dois sacramentos centrais no presbiterianismo são o batismo e a ceia do Senhor (Santa Ceia).

O presbiterianismo não é uma tradição monolítica. Abrange várias denominações e grupos em todo o mundo, cada um com suas interpretações e práticas únicas. Esforços missionários, colonialismo e migração levaram o presbiterianismo para diversas regiões do mundo. Teologicamente, há um espectro desde denominações não credais, confessionais, fundamentalistas, liberais, evangelicais, renovadas e outras. Algumas denominações presbiterianas notáveis incluem:

  • Igreja da Escócia – Kirk
  • Igreja Livre da Escócia
  • Igreja Presbiteriana (Estados Unidos da América) –  Presbyterian Church (USA) (PCUSA)
  • Igreja Presbiteriana na América –  Presbyterian Church in America (PCA)
  • Igreja Presbiteriana Cumberland
  • Igreja Reformada Unida – formada pela fusão da Igreja Presbiteriana da Inglaterra e da Igreja Congregacional na Inglaterra e País de Gales em 1972.
  • Igreja Presbiteriana Livre do Ulster
  • Igreja Presbiteriana não subscrevente – Irlanda
  • Igreja Presbiteriana do Brasil
  • Igreja Presbiteriana Independente – Brasil
  • Igreja Presbiteriana Renovada – Brasil
  • Igreja Presbiteriana Unida – Brasil
  • Igreja Presbiterana da Coreia (PCK) – consistindo de várias denominações sob o mesmo nome ou similar.
  • Igreja Evangélica do Egito (Sínodo do Nilo)
  • Igreja Presbiteriana de Gana

Josué de La Place

Josué de La Place ou  Josua Placeus (c.1596-1655?1665?) foi um teólogo huguenote francês, ligado à Academia de Saumur.

La Place, dentro da vertente reformada influenciada por Cameron (vide Amiradismo), propôs a teoria da imputação mediata. Discutindo sobre o pecado original, argumentou que toda a humanidade nasce física e moralmente depravada devido ao pecado de Adão. Esta pecaminosidade inata transmitida por leis naturais de propagação de Adão para toda a sua posteridade e
que é a consequência, não a penalidade. Deus imputa a cada pessoa seu pecado e libera a responsabilidade direta do homem no pecado de Adão. O ser humano é realmente corrupto, mas sofre um mal que não poderia evitar. 

A transgressão de Adão é a fonte de todo o pecado, e é em si mesmo pecado. A alma é imediatamente (diretamente) criada por Deus, mas torna-se ativamente
corrompido assim que é unido ao corpo, portanto, o pecado (culpa) de Adão é imputado a seus descendentes, não imediatamente, como se eles estiveram em Adão ou foram representados em ele, mas mediatamente através da natureza corrupta que resultou do pecado de Adão. Consequentemente, a intrepretação de Romanos 5:12 seria que a morte física, espiritual e eterna passou a todos os homens, porque todos pecam por possuir uma natureza depravada em seus corpos.

A teoria de La Place influenciou a teologia edwardsiana.