Status confessionis

Status confessionis é um termo latino que se traduz como “estado de confissão.” Refere-se a uma situação crítica na vida da igreja que exige uma afirmação coletiva de fé em resposta a ameaças percebidas ao evangelho. Esse conceito emergiu com destaque na tradição luterana durante a Reforma, sendo utilizado para tratar questões de pureza e integridade doutrinária diante de desafios heréticos. Ele está associado particularmente à Fórmula de Concórdia, um documento central do confessionalismo luterano que define quando questões tradicionalmente consideradas adiaphora (indiferentes) tornam-se essenciais para a fé e prática devido às suas implicações para a salvação e a doutrina.

O conceito de status confessionis tem suas raízes nos debates entre os primeiros luteranos sobre os adiaphora durante o século XVI. Foi articulado por teólogos como Matthias Flacius, que argumentou que, em tempos de confissão, questões tipicamente consideradas não essenciais poderiam se tornar centrais para a fé quando tratadas como necessárias para a salvação. Essa mudança indica um momento em que a igreja deve afirmar publicamente suas crenças contra ensinos errôneos. Durante o regime nazista, Dietrich Bonhoeffer utilizou esse conceito como uma estrutura para resistir a ideologias opressivas que ameaçavam a integridade da igreja. Sua aplicação enfatizava que, quando o evangelho está sob ataque, os cristãos são compelidos a manter firme sua confissão.

Na prática, declarar um status confessionis significa reconhecer que certas questões éticas ou doutrinárias atingiram um nível em que ameaçam a identidade e a missão da igreja. Essa declaração não é feita de forma leviana; ela exige o reconhecimento de que a integridade do evangelho está em jogo. Por exemplo, discussões contemporâneas em diversas denominações têm motivado chamadas para um status confessionis em questões como sexualidade humana e justiça social, refletindo tensões persistentes nas comunidades eclesiásticas sobre como responder a dilemas éticos modernos.

A aplicação do status confessionis evoluiu ao longo do tempo. Em anos recentes, ele foi invocado em discussões sobre questões éticas como o apartheid e iniciativas de justiça social nas igrejas. A Aliança Mundial de Igrejas Reformadas, por exemplo, utilizou esse conceito para abordar injustiças sistêmicas e convocar uma resposta unificada das congregações em todo o mundo. Muitos teólogos contemporâneos argumentam que declarar um status confessionis pode servir como um catalisador para a renovação dentro da igreja, levando as congregações a reexaminar seus compromissos e práticas à luz dos ensinamentos bíblicos. Esse processo muitas vezes envolve a identificação de erros específicos ou desvios de doutrinas fundamentais que exigem uma resposta clara e unificada da comunidade eclesial.

O status confessionis é uma ferramenta teológica vital dentro das tradições protestantes, particularmente no luteranismo. Ele destaca momentos em que a igreja deve afirmar coletivamente sua fé em resposta a desafios que ameaçam suas crenças centrais. Assim, permanece relevante nas discussões contemporâneas sobre fé, ética e o papel da igreja na sociedade, convocando os fiéis à discernimento e à ação em defesa de suas convicções.

Johann Wilhelm Herrmann

Johann Wilhelm Herrmann (1846–1922) foi um teólogo e filósofo protestante alemão, cuja teologia sistemática procurou reconciliar a fé cristã com o pensamento filosófico moderno, especialmente as influências do neo-kantismo. Membro da Igreja Evangélica na Alemanha, Herrmann acreditava que a experiência individual de comunhão com Deus era o fundamento da fé cristã autêntica. Defendia que o papel do teólogo não era impor doutrinas ou argumentos dogmáticos, mas esclarecer a experiência que sustenta a fé, uma abordagem central em sua obra principal, The Communion of the Christian with God.

Para Herrmann, a comunhão com Deus era um processo profundamente pessoal que transformava o indivíduo, algo que não podia ser alcançado por meio de forças externas, sejam sociais ou psicológicas. Essa transformação ocorria quando alguém se deparava com o retrato de Jesus, cuja vida histórica representava o modelo máximo de moralidade e conexão divina. Ele rejeitava o misticismo por seu distanciamento dos aspectos históricos de Jesus, criticando a ideia de transcender o mediador em busca de uma experiência de Deus. Para Herrmann, era na vida histórica de Jesus, tal como apresentada pelas tradições cristãs, que se encontrava a revelação de Deus.

Apesar de ver as Escrituras como autoridade para guiar os crentes, Herrmann criticava tanto o uso idolátrico da ideia de sola scriptura quanto a exigência de confissões doutrinárias impostas por muitas igrejas. Ele via as doutrinas como expressões criativas de fé, úteis, mas incapazes de substituir a experiência pessoal que leva à verdadeira transformação. Para os incrédulos, ele reconhecia que não havia razão convincente para aceitar a autoridade do Novo Testamento, enfatizando que a fé cristã não pode ser imposta “tão facilmente” e que o testemunho transformador da vida de Jesus deveria ser suficiente para suscitar a crença.

A tensão na teologia de Herrmann está em equilibrar a dependência histórica de Jesus com o reconhecimento de que nenhuma análise histórica pode oferecer certeza absoluta. Para ele, o retrato de Jesus, transmitido pela comunidade cristã, transcende suas limitações históricas, permitindo que cada pessoa tenha uma experiência autêntica e pessoal. Essa experiência, ele sustentava, era evidenciada pelas transformações morais e espirituais que ocorriam na vida dos crentes, mesmo diante das formas e ensinamentos eclesiásticos muitas vezes obsoletos ou impeditivos.

Herrmann argumentava que a fé cristã não era algo alcançado por imposições externas, mas pelo poder transformador de Jesus na vida dos indivíduos. A comunhão com Deus, em sua visão, não podia ser encontrada em misticismos que ignoravam a história nem em aderências rígidas a doutrinas ou interpretações escriturísticas. Era, antes, um encontro pessoal com o retrato de Jesus na tradição cristã, levando à consciência da necessidade de um salvador. Sua obra destaca que a salvação, para ele, é alcançada ao experimentar a força moral e transformadora de Jesus, que continua a impactar a humanidade por meio da comunidade cristã.

Norma normans, norma normata

Norma normans, norma normata é uma distinção na teologia luterana entre o caráter normativo das Escrituras e o das confissões para elucidar o papel da regra de fé.

A norma normans seria as regras primárias de fé (norma decisionis) que, na tradição protestante somente as Escrituras seriam objetos com essa capacidade. Já a norma normata seria a norma discricionária, expressa sobretudo nas confissões de fé. Enquanto essa última avalia a coerência de outras doutrinas, a primeira seria a medida avaliativa entre doutrinas verdadeiras ou falsas.

VEJA TAMBÉM

Teologia credal

A teologia credal é o ramo da teologia sistemática que discorre sobre métodos e tópicos relacionados à formulação, interpretação e aplicação de credos e confissões de fé nas comunidades religiosas.

Enquanto a teológica dogmática discorre sobre as implicações das doutrinas formuladas pelos credos e confissões, a teologia credal preocupa-se com a elaboração e aplicação das declarações de fé. Entretanto, como se ocupam de proposições doutrinárias, há sobreposição entre as duas subdisciplinas.

Alguns dos principais tópicos abordados pela teologia do credo incluem:

  1. Natureza da declaração de fé: examina os papeis como norma normata e regra da doutrina (regula doctrinæ). Discorre sobre os limites e mutabilidade (ou não) das proposições doutrinárias. Compara as declarações de fé com o uso de textos litúrgicos como hinos, com textos normativos como cânones denominacionais, com as Escrituras na vida da igreja.
  2. Desenvolvimento histórico de credos e confissões: Examina as origens, as modificações e o contexto histórico de vários credos e confissões dentro de diferentes tradições religiosas.
  3. Interpretação da declaração de fé: analisa os significados e implicações teológicas de declarações de fé, incluindo a interpretação de conceitos e princípios doutrinários fundamentais.
  4. Teologia comparada: Compara e contrasta os credos e confissões de diferentes tradições ou denominações religiosas para identificar semelhanças, diferenças e pontos de convergência e divergência.
  5. Metodologia teológica: explora as metodologias empregadas na formulação, interpretação e aplicação de credos e confissões, incluindo abordagens exegéticas, históricas e sistemáticas.
  6. Teologia doutrinária e dogmática: investigar os ensinamentos doutrinários e afirmações dogmáticas contidas nos credos e confissões, e explorar suas implicações teológicas para a crença e a prática.
  7. Eclesiologia: Examina o papel dos credos e confissões na formação da identidade, unidade e limites das comunidades religiosas, incluindo o seu significado para a autoridade e governação eclesial. Também inclui os empregos das declarações de fé para fins apologéticos, respostas a desafios internos ou para questões sociais, bem como a utilização da declaração de fé para o exercício da disciplina.
  8. Hermenêutica: Reflete sobre os princípios e métodos de interpretação aplicados aos textos de credos, incluindo considerações de contexto, linguagem e tradição teológica. A crítica confessional aplica elementos hermenêuticos dos credos e confissões na leitura das Escrituras.
  9. Autoridade confessional: Também a teologia credal ocupa-se da questão hermenêutica e de autoridade do confessionalismo, na distinção entre quia e quatenus se adesão a um credo ou confissão deva ser “quia” (porque) ou “quatenus” (na medida em que) a declaração de fé expressa as verdades evangélicas oriundas das fontes teológicas.
  10. Relevância contemporânea: avalia o significado contínuo e a aplicação de credos e confissões no cenário religioso contemporâneo, incluindo o seu papel na abordagem de desafios teológicos e no envolvimento com questões culturais e sociais. Aqui entram as questões como os credos e confissões servem para a vida da Igreja, se prioriza o discipulado ou se prioriza seu uso como disciplina.
  11. Ecumenismo: explora o potencial de diálogo, reconciliação e cooperação entre diferentes tradições ou denominações religiosas através do estudo e interpretação de credos e confissões.
  12. Teologia prática: Investigar as implicações práticas da teologia de credo para evangelização, adoração, discipulado, cuidado pastoral e missão dentro de comunidades religiosas.

BIBLIOGRAFIA

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Pelikan, Jaroslav. Credo: Historical and theological guide to creeds and confessions of faith in the Christian tradition. Yale University Press, 2005.

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Wilhite, David E. “The Baptists ‘and the Son’: The Filioque Clause and non-Creedal Theology”. Journal of Ecumenical Studies 44 (2 2009): 285-302.

VEJA TAMBÉM

Crítica confessional

Artigos de Fé

Teologúmena

Credos e confissões de fé

Credos e confissões de fé

Credos e confissões de fé são declarações de doutrinas expressas por comunidades cristãs para diversos propósitos.

Credos são declarações universais que resumem as crenças básicas da fé cristã. São normalmente curtos e concentram-se nos princípios fundamentais, como a crença em um Deus, na divindade de Jesus Cristo e na Trindade. Originalmente, os credos eram declarações de fé pessoais. Os credos são frequentemente usados para ensinar aos novos convertidos os fundamentos da fé e para unir todos os cristãos na sua profissão comum de fidelidade a Deus. Também aparecem em elementos litúrgicos como recitação antes da Ceia ou no batismo. Exemplos de credos incluem o Credo dos Apóstolos e o Credo Niceno.

Confissões de fé são mais detalhadas e específicas. Originaram-se dos artigos de fé, as explicações escolásticas de cada implicação teológica derivada das proposições dos credos. Também, na Idade Média as confissões de fé passaram a ser exigidas para esclarecer posicionamentos de candidatos a certas posições do clero, ou como posições de réus em processos eclesiásticos, além de explicitar pontos comuns para discussões acadêmicas e disputas teológicas. A partir da Reforma, as confissões de fé passaram a ser escritos por grupos ou denominações específicas para abordar as crenças e preocupações distintas de sua comunidade. As confissões muitas vezes tratam de doutrinas secundárias, como origem do pecado ou detalhes escatólogicos, ou tratam de explicações para práticas e condutas, como o batismo e a santa ceia. Fornecem uma explicação mais aprofundada da teologia no que se refere à vida cotidiana e à identidade denominacional. Exemplos de confissões incluem a Fórmula de Concórdia (Luterana), a Confissão Belga (Reformada) e os Vinte e Cinco Artigos de Religião (Metodista). Visto serem mais detalhadas, não são incorporadas ao culto, mas aparecem nas classes de instruções de membros ou candidatos ao ministério.

A discussão do papel dos credos e confissões são tratadas pelo ramo da teologia sistemática chamada de teologia credal, enquanto a teologia dogmática cuida do conteúdo dessas declarações de fé.

Várias tradições cristãs rejeitaram o uso de credos ou confissões por motivos diversos como a adesão estrita às Escrituras, a ênfase na fé vivida, desconfiança de seus empregos normativos e disciplinares. Essa postura, chamada de não-credalismo ou anti-confessionalismo, não implica na inexistência de um conteúdo de fé comum ao grupo, mas contra sua formalização.