Órfão

Órfão (יָתוֹם, yatom, em hebraico; ὀρφανός, orphanós, em grego) é um termo que, na Bíblia, se refere principalmente a uma criança que perdeu o pai, embora em alguns contextos possa abranger a perda de ambos os pais. A condição de órfão era vista como particularmente vulnerável na sociedade antiga, e a Bíblia enfatiza repetidamente a necessidade de cuidar e proteger os órfãos.

No Antigo Testamento, a lei mosaica continha provisões específicas para o cuidado dos órfãos, juntamente com as viúvas e os estrangeiros, como grupos vulneráveis:

  • Deuteronômio 10:18: Deus é descrito como aquele que “faz justiça ao órfão (yatom) e à viúva, e ama o estrangeiro, dando-lhe pão e roupa”.
  • Deuteronômio 14:29; 16:11, 14; 24:17-22; 26:12-13: Essas passagens instruem os israelitas a incluir os órfãos (yatom) nas festas e a compartilhar com eles os dízimos e as colheitas. A negligência ou opressão dos órfãos era vista como uma grave ofensa a Deus.
  • Êxodo 22:22-24: “A nenhuma viúva nem órfão (yatom) afligireis. Se de alguma maneira os afligirdes, e eles clamarem a mim, eu certamente ouvirei o seu clamor. E a minha ira se acenderá, e vos matarei à espada; e vossas mulheres ficarão viúvas, e vossos filhos órfãos 1 (yatom).” Esta passagem destaca a proteção especial que Deus oferece aos órfãos.  
  • Salmos: Muitos salmos clamam a Deus como “Pai dos órfãos” (Salmo 68:5) e defensor dos necessitados.
  • : Jó, ao defender sua integridade, enfatiza que nunca negligenciou as necessidades do órfão yatom (Jó 29:12, 31:17,21)

Os profetas também denunciam a injustiça contra os órfãos como uma das principais transgressões de Israel (Isaías 1:17, 23; Jeremias 7:6; 22:3; Ezequiel 22:7; Zacarias 7:10).

No Novo Testamento, o termo grego ὀρφανός (orphanós) aparece duas vezes:

  • Tiago 1:27: “A religião pura e imaculada para com Deus, o Pai, é esta: Visitar os órfãos (orphanós) e as viúvas nas suas tribulações, e guardar-se da corrupção do mundo.” Este versículo define o cuidado dos órfãos como um elemento essencial da verdadeira religião.
  • João 14:18: Jesus diz a seus discípulos: “Não vos deixarei órfãos (orphanós); voltarei para vós.” Aqui, o termo é usado metaforicamente, referindo-se ao sentimento de abandono que os discípulos poderiam experimentar após a partida de Jesus, mas ele promete sua presença contínua através do Espírito Santo.

Óstraca de Khirbet Qeiyafa

A óstraca de Khirbet Qeiyafa é um caco e um vazo cerâmico de 15 por 16,5 centímetros com cinco linhas de texto, descoberto durante as escavações em Khirbet Qeiyafa em 2008. A datação é estimada ser do século X a.C.

O texto é importante tanto ser uma atestação do hebraico arcaico quanto por ser uma das primeiras menções possíveis do mandado de proteção ao quádruplo de vulnerabilidade.

Segundo a reconstiuição de Gershon Galil da Universidade de Haifa, a óstraca diz:

1 você não deve fazer [isso], mas adorar [El]
2 Julgue o escravo e a viúva / julgue o órf[ão]
3 [e] o estrangeiro. [pleite para o bebê / implore para o pobre e]
4 a viúva. Reabilite [os pobres] nas mãos do rei
5 Proteja o pobre e o escravo / [apoiar o estrangeiro]

Khirbet Qeiyafa é um sítio arqueológico no local de uma antiga cidade fortaleza diante do Vale de Elá. As ruínas da fortaleza foram descobertas em 2007, perto da cidade de Beit Shemesh, a 30 km de Jerusalém.

Rute

Livro e personagem bíblico, Rute é um romance do ponto de vista do quádruplo de vulnerabilidade: a pobre, a viúva, a estrangeira e a órfã. A viúva Rute deixa seu país, Moabe, acompanhando sua sogra para o país dos israelitas. Lá se casa com Boaz e o casal seria ancestrais do rei Davi.

O final feliz meio às adversidades prova a fidelidade do voto de Rute à sua sogra: “Disse, porém, Rute: Não me instes para que te deixe e me afaste de ti; porque, aonde quer que tu fores, irei eu e, onde quer que pousares à noite, ali pousarei eu; o teu povo é o meu povo, o teu Deus é o meu Deus. Onde quer que morreres, morrerei eu e ali serei sepultada; me faça assim o Senhor e outro tanto, se outra coisa que não seja a morte me separar de ti” (Rt 1:16-17).

No cânone da Septuaginta e cristão o Livro de Rute aparece entre o Livro de Juízes e o livro de 1 Samuel. Já no cânone hebraico Rute aparece entre os Escritos (Ketuvim ou Hagiógrafa), da mesma época de Esdras, Neemias e Crônicas. Essa classificação como Hagiógrafa indica ser uma composição tardia e oferece um interessante contraponto à política contra casamentos mistos desse período. Entretanto, a configuração do Livro de Rute em conjunto com outros livros da História Deuteronomística apresenta uma harmonia sem igual, pois se trata da aplicação prática da Torá tanto materialmente quanto processualmente.

Os cumprimentos das obrigações éticas, legais, morais e de justiça social instruídas aos israelitas servem como exemplo de como deveriam ser cumpridas a Torá, a instrução ou lei, de Deus.