Correspondência corintiana

A correspondência corintiana ou correspondência coríntia é o conjunto de comunicações trocadas entre Paulo e cristãos de Corinto.

Paulo esteve em Corinto por cerca de 18 meses (Atos 18:11). Depois, seguiu para Éfeso (Atos 19:8, 10; 20:31). Lá, recebeu comunicações acerca de problemas na igreja de Corinto.

Cartas e comunicações possíveis

Pelas duas epístolas aos Coríntios que chegaram até o presente é possível inferir que Paulo escreveu de 4 a 7 cartas à igreja em Corinto. Convencionalmente, essas correspondências são listadas com as letras de A a G.

A — A carta perdida ou a Carta Prévia. Seria a primeira carta de Paulo mencionada em 1 Coríntios 5:9. Alguns biblistas consideram que haja fragmentos dela presentes em 2 Coríntios 6:14-7:1. A espúria 3 Coríntios seria uma tentativa de preencher essa lacuna.

B — A carta conhecida como 1 Coríntios. Escrita por Paulo e Sóstenes (1 Coríntios 1:1) a partir de Éfeso (16:8) em resposta aos problemas em Corinto. É resposta aos problemas reportados por duas comunicações. A primeira comunicação pelos enviados da casa de Cloé (1 Coríntios 1:11). Portanto, é natural que em 1 Coríntios 1:10-6:20 haja citação dessa mensagem. A segunda comunicação — portada por uma comissão de Estéfanas, Fortunato e Acaico — cobre 1 Coríntios 7:1—16:12. Essa delegação também teria trazido uma carta dos coríntios (1 Coríntios 7:1). Nessa seção, Paulo discorre sobre relacionamento marital (7:1–40), faccionalismo acerca do consumo de comida ofertada em templos (8:1—11:1), decoro no culto (11), exercício dos dons espirituais (12-14), ressurreição corporal (15) e uma coleta para os santos (16). Novamente, há indícios de passagens que seriam citações da comunicação vinda de Corinto.

Depois dessa carta, seria possível inferir os eventos:

  • Timóteo vai a Corinto (1 Co 4:17; 16:10-11).
  • A presença de missionários cristãos mas defensores da adesão à tradição judaica em Corinto causa conflito (2 Co 11:22-23).
  • Timóteo retorna a Éfeso, reporta a Paulo, o qual decide viajar para Corinto.
  • A estada de Paulo em Corinto foi dolorosa (2 Co 2:1-11; 7:12).
  • Depois de trocar algumas correspondências, Paulo passou alguns meses na Grécia, potencialmente visitando Corinto (Atos 20:2-3; 2 Co 12:14).

C — Escreve a “carta severa” ou “carta das lágrimas” (2 Co 2:4) da Macedônia (cf. 2 C 1.16) ou de Éfeso. Envia Tito como portador dessa carta, também chamada de Carta Dolorosa. Há uma possibilidade de que tenha sido preservada em 2 Co 1:23-2:4; 7:5-11.

D — Hipotética carta que pode ser a atual 2 Coríntios ou parte dela.

E — Hipotética carta de reconciliação. Escrita com Tito. Seu conteúdo seriam ou (a) totalmente preservada em 1:1-2:13; 7:5-16; 13:11-13; ou (b) parcialmente preservada em nos capítulos 10 a 13.

F— Hipotética Carta da Coleta. Escrita com Tito ou por ele portada. Seria 2 Co 8. Talvez fizesse parte de E.

G — Hipotética carta que reuniu E e F.

Teorias das correspondências corintianas

  • Teoria das três cartas C foi perdida, D seria 2 Coríntios.
  • Teoria das quatro cartasA e C foram perdidas. B é 1 Coríntios enquanto D seria 2 Coríntios.
  • Teoria das cinco cartas C foi perdida. 2 Co seriam duas carta: D compreende os capítulos 1-9; E foi parcialmente preservada em 10-13. D e E foram escritas da Macedônia
  • Teoria das quatro cartas parcialmente preservadas C compreende 2 Co 10-13 e foi escrita em Éfeso. D consiste de 2 Co 1-9 e foi escrita da Macedônia.
  • Teoria das sete cartas C não seria a carta das lágrimas. Teria sido preservada em partes em 2:14-6:13; 7:2-4 e escrita antes da segunda visita a Corinto. D seria os capítulos 10-13 em um tom defensivo, após a visita dolorosa. Ambas teriam sido escritas de Éfeso. E teria sido escrita com Tito, sendo a carta de reconciliação, totalmente preservada em 1.1-2.13; 7.5-16; 13:11-13. F seria 2 Co 8 e G consiste de 2 Co 9, os quais seriam finalizações editoriais posteriores. Parte de 2 Co 8, sobre coleta, talvez faça parte de E.
  • Teoria das nove cartas Proposta por Walther Schmithals em 1956, sendo a teoria mais complexa e de menor aceitação. Carta A 1 Coríntios 11:2-24. Carta B consistindo em 1 Coríntios 6:1-11, 2 Coríntios 6:14 -7:1, 1 Coríntios 6:12-20, 9:24-10:22, 15:1-58, 12:31b-13:13, 16:1-12. Carta C consistindo em 1 Coríntios 5, 7:1-8:13, 9:19-22, 10:23-11:1, 12:1-31a, 14:1c-40, 12:31b-13:3, 16:1-12. Carta D consistindo em 1 Coríntios 1:1-4:21. Carta E (Carta Prévia) consistindo em 2 Coríntios 2:14–6:2. Carta F consistindo em 1 Coríntios 9:1-18, 2 Coríntios 6:3-13, 7:2-4. Carta G (Carta Dolorosa) composta por 2 Coríntios 10-13. Carta H (Carta de Coleta) consistindo em 2 Cor 9. Carta I (Carta de Reconciliação) composta por 2 Cor 1:1–2:13, 7:5–8:24.

Problemas interpretativos

Alguns problemas surgem pela falta de contexto sobre o qual ocorreu a correspondência corintiana. Um problema é que Paulo usa o diatribe, uma estratégica retórica com um diálogo imaginário entre si mesmo e seus interlocutores. Outro problema é o uso de slogans. Os slogans ou lemas são frases curtas e convincentes para sumarizar um ideal. Aparecem especialmente em 1 Co 6:12-20, sobre os quais seus papéis retóricos permanecem obscuros.

Em razão disso a correspondência corintiana é fragmentária e de difícil interpretação. Resta no campo hipotético separar em 1 Coríntios onde é “Paulo próprio”, Paulo citando a comunicação reportada de Corinto, Paulo usando um slogan em seu argumento, Paulo citando um slogan usado em Corinto e Paulo falando em diatribe.

Na história da canonização dos escritos paulinos, é possível que alguns dos envolvidos nessa correspondência tenha compilado uma coleção de escritos paulinos. Teria tido acesso a 1 Coríntios, ao material de 2 Coríntios (tanto se for uma só carta ou uma compilação de cartas cujos indicadores de divisões se perderam no processo de cópia), a Romanos (escrito durante a estada de Paulo em Corinto cf. Rm 16:1, 23; 1 Co 1:14), a 1 Tessalonicenses (muito provável também escrita em Corinto, cf. 1 Ts 3:1-2), a Gálatas (na teoria nortista dos gálatas, escrita durante esse período da correspondência corintiana a partir de Éfeso ou da Macedônia), a Filipenses e Filemón, se considerar um aprisionamento em Éfeso (cf. Ef 3:1-5; 4:1, Fp 1:13; Fm 1:10).

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Diatribe

Figura de linguagem e tática retórica de representar as ideias ou falas de um interlocutor para discutí-los de modo agressivo para censura, ridicularização ou refutação.

No diatribe o orador presume a presença de um oponente. Sem permissão para responder, a posição do oponente é indicada por declarações ou perguntas retóricas colocadas em sua boca pelo orador.

Serve para fazer objeções hipotéticas e conclusões falsas ou redução ad absurdum.

Notoriamente, Rudolf Bultmann fez sua dissertação doutoral sobre o tema relacionado à retórica paulina. Essa obra padrão apresenta o diálogo imaginário na diatribe. As respostas do oponente são frequentemente tolas e são sumariamente rejeitadas pelo orador.

Nos escritos paulinos aparece notavelmente em Rm 1-11; 1 Cor 6: 12-20; 15:29-41; Gal 3:1-9, 19-22. Outro livro recheado de diatribes é a epístola de Tiago. Há frequentes indícios de diatribes de Jesus com seus interlocutores, principalmente os fariseus (cf. Lc 7:34).

Nos textos paulinos algumas frases indicam a diatribe “de modo algum”, “de modo algum”, “de fato não ”, ou “de forma alguma”. Geralmente são precedidos por peguntas retóricas ou declarações que depois serão disputadas pelo próprio Paulo.

Tradicionalmente fazia parte da oratória popular de filósofos cínicos e estóicos.

BIBLIOGRAFIA

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Epístolas pastorais

Três cartas atribuídas a Paulo – 1 e 2 Timóteo e Tito – abordando questões pastorais, boa governança e responsabilidades éticas na Igreja e destinadas aos seus colaboradores Timóteo e Tito.

Paulo teria conhecido Timóteo na Galácia durante sua segunda viagem missionária. Tinha uma boa reputação (At 16: 1). Era filho de mãe judia e pai gentio, criado com conhecimento das Escrituras (1 Tm 3:15). Foi circuncidado para evitar contendas entre os judeus (At 16:3). Timóteo passou a viajar com Paulo e Silas e seria o amanuense ou coautor das epístolas de 2 Coríntios, Filipenses, Colossenses, 1 e 2 Tessalonicenses e Filémom.

Tito era grego e tratado como companheiro de Paulo (2 Co 8:23), a quem se dirigia como “meu filho leal na fé” (Tt 1:4). Não é mencionado em Atos. Paulo o enviou a Corinto como mensageiro (2 Co 2:13; 7: 6-14; 12:18). Ajudou a arrecadar a oferta para a igreja em Jerusalém (2 Co 8:4) e acompanhou Paulo e Barnabé àquela cidade (Gl 2:1).

Há várias datas estimadas e modelos de composição. Se considerar essas epístolas como de autoria imediata de Paulo, elas teriam sido redigidas de Roma entre 64 a 67 d.C. ao mais tardar ou 60 a 64 d.C. como limite inicial. Seriam, então, os últimos escritos preservados de Paulo. Outras teorias de composição datam essas epístolas mais tarde: hipótese fragmentária de Harrison (até 110 d.C.); hipótese de pseudonímia de Fiore, Holmes (c.80-90 d.C.) e hipótese de alonímia de Marshall (67-80 d.C.).

O manuscrito mais antigo contendo material das Cartas Pastorais é o P32. Esse papiro data de c.200 d.C. e contém apenas Tito 1:11-15; 2:3-8. Manuscritos paulinos anteriores, como P46, indicam serem coleções de cartas para igrejas e podem não ter incluído as cartas para Timóteo e Tito. O status canônico varia. Policarpo alude a 1 e 2 Timóteo, mas não menciona Tito. Marcion rejeitava-nas, mas praticamente todo autor patrístico e recensões a partir do Cânone de Muratori, Irineu, Clemente e Tertuliano aceitaram as cartas pastorais sem disputa. Somente no século XIX, críticos textuais alemães passaram a disputar a autoria paulina devido ao estilo linguístico e conteúdo divergente do resto do corpus paulino

Tematicamente, vários elementos são comuns nessas três cartas. Um deles é a paraenesis, ou motivos literários de instrução ou conselho, incluindo listas de vícios e virtudes, Haustafeln e exemplos tanto positivos quanto reprováveis. Outros temas incluem a exortação a uma vida moral (1 Tm 6:3; Tt 1), qualificação dos ministros, exortações de manter a sã doutrina (1 Tm 1:3-4; 4:6; 2 Tm 1:13; Tt 2:1) e evitar especulações (1 Tim 1:4; 4:7; 2 Tm 2:14, 16-18; Tt 1:14).

Haustafeln

Haustafeln (alemão tabelas ou mesas da casa). A origem do termo é atribuída a Martinho Lutero e refere-se ao gênero textual sobre conselhos das relações domésticas.

Esse tipo de conselhos para maridos, esposas, filhos e servos ocorrem vagamente em autores estóicos como Sêneca, Plutarco e Epiteto e entre judeus helenistas, como Filo e Pseudo-Focílides (versos 175-227).

Aparece distintivamente como um gênero textual altamente desenvolvido nos escritos do Novo Testamento.

Lembrando que as igrejas primitivas eram instituições domésticas, não havia distinção entre Igreja e a Casa. É possível que em Paulo, Pedro ou Tiago haja uma apologia: o senhorio de Cristo já não colocavam os cristãos sob o controle da Lei, mas isso não significava uma imoralidade libertina. Antes havia um senhorio universal dos quais todos os crentes seriam partícipes e conviviam entre si com uma ética do amor e confiança na mesma Casa (domus ou domínio).

Entre escritos cristãos do século II, alguns atos apócrifos ou as epístolas de Inácio, retratam, de modo menos elaborado, os cristãos em uma relação de comensalidade. Essa literatura apresentava os cristão como boas pessoas e honrando a família, não o povo esquisito que os detratores queriam apresentar. Não seriam libertinos (vide o Satiricon de Petrônio para constatar o clima dos banquetes romanos), nem misteriosos como os cultos iniciáticos ou associações mortuárias. É uma evidência e ideal de como o cristianismo primitivo se via como uma irmandade, sob o pater familias que seria Cristo.

Os principais textos desse gênero são:

Ef 5:22-6:9, com paralelos em Cl 3:18-4:1.

Aparições menos explícitas ocorrem em 1 Tm 2:1-8; 3:1; 5:17; 6:1; Tt 2:1-10; 1 Pe 2:13-3:7.

BIBLIOGRAFIA

Standhartinger, Angela. “The Origin and Intention of the Household Code in the Letter to the Colossians.” Journal for the Study of the New Testament 23, no. 79 (2001): 117-130.

Martin, Clarice. “The Haustafeln (Household Codes) in African American Biblical Interpretation: ‘Free Slaves’ and ‘Subordinate Women.’ ” In Stony the Road We Trod: African American Biblical Interpretation, edited by Cain Hope Felder, 206–231. Minneapolis: Fortress, 1991.

1 Tessalonicenses

Nessa epístola paulina destinada aos cristãos de Tessalônica, na Grécia, há uma exortação aos crentes de manter constância na fé e na santidade. Talvez seja o mais antigo escrito paulino. A epístola oferece esperança para a situação dos cristãos que aguardavam a parousia de Jesus Cristo, mas morreram.

Considerando que Paulo elogia a igreja de Tessalônica por terem deixado os ídolos (1:9) e não fazer referências explícitas à Bíblia Hebraica, parece provável que a congregação era composta inteiramente de gentios.