Exegese

Exegese é a interpretação crítica e explicação de textos, especialmente textos religiosos como a Bíblia. É a prática de interpetação meticulosa de um texto de acordo com normas e métodos academicamente aceitos.

O termo tem origem na palavra grega ἐξήγησις (exēgēsis), que significa “conduzir para fora” ou “explicar”. Este processo analítico busca revelar os significados plausíveis de um texto conforme compreendido por seus autores, transmissores e suas audiências, evitando projeções de interpretações arbitrárias ou preconceitos sobre ele.

A exegese caracteriza-se por uma leitura objetiva. O foco é o significado do texto em seu contexto histórico e cultural. Esse método evita especulações ou interpretações criativas. A compreensão do contexto histórico e cultural é fundamental, incluindo análise putativa das situações dos autores, do contexto de sua audiência e do ambiente sociopolítico em que o texto foi escrito. A análise de técnicas literárias, formas e estruturas dentro do texto também desempenha um papel essencial na exegese, permitindo uma compreensão mais profunda de seu significado. Diferentes metodologias podem ser aplicadas, como a crítica textual, a análise linguística e a hermenêutica, o estudo dos princípios de interpretação.

No campo dos ciências bíblicas, a exegese refere-se especificamente à interpretação da Bíblia. Esta prática tem raízes nas tradições judaica e cristã, evoluindo ao longo dos séculos para abordar questões teológicas e ensinamentos morais extraídos dos textos sagrados. No Judaísmo, a exegese remonta ao antigo Israel, com figuras como Esdras sendo consideradas fundamentais no estabelecimento de métodos para interpretar textos sagrados. Ao longo da história, estudiosos judeus utilizaram a exegese para derivar leis e ensinamentos éticos da Torá, empregando técnicas interpretativas que refletem influências linguísticas e filosóficas de culturas circundantes. No Cristianismo, a patrística foi responsável pelo desenvolvimento de métodos exegéticos que influenciaram a teologia e a doutrina cristãs. Com o tempo, o trabalho exegético tornou-se essencial para a compreensão de questões doutrinárias e da autoridade das Escrituras no Cristianismo.

Na prática contemporânea, a exegese permanece como uma disciplina vital nos estudos bíblicos. Eruditos utilizam uma variedade de ferramentas e abordagens, incluindo comentários publicados que fornecem análises detalhadas dos textos bíblicos, com contextos históricos, detalhes linguísticos e implicações teológicas. Além disso, estudos acadêmicos modernos frequentemente adotam abordagens interdisciplinares que incorporam arqueologia, sociologia e literatura comparativa para enriquecer a compreensão dos textos.

A exegese desempenha funções importantes, como a clarificação de passagens ambíguas por meio do fornecimento de contexto e da exploração de interpretações fundamentadas em evidências textuais. Contribui para o desenvolvimento teológico, ajudando a moldar discursos teológicos e a informar crenças e práticas religiosas. Além disso, permite a aplicação dos textos bíblicos em contextos contemporâneos, ao mesmo tempo que respeita os significados prévios.

Friedrich Nietzsche

Friedrich Nietzsche (1844-1900) foi um filósofo e crítico cultural alemão, conhecido por sua crítica à moralidade cristã tradicional e por sua defesa de uma nova ética de afirmação da vida. Embora filho de um clérigo protestante, seu pensamento desafiava o cristianismo. Para ele, o cristianismo mantinha uma moralidade escrava que sufocava a criatividade e o potencial humano. Contudo, suas críticas contribuíram para autorreflexões anti-idólatras no cristianismo, além de influenciar a hermenêutica do século XX.

Johann von Hofmann

Johann Christian Konrad von Hofmann (1810-1877) foi um teólogo, historiador e biblista luterano alemão. Foi expoente do neoluteranismo ou a escola de Erlangen, um movimento teologicamente conservador.

Filho de pais aderentes ao Avivamento Continental que emergiu do pietismo suábio de Johann Albrecht Bengel, teve uma educação humanística e científica. Lecionou nas universidades de Friedrich-Alexander- Erlangen-Nuremberg e de Universidade de Rostock.

O trabalho de Von Hofmann sobre hermenêutica bíblica enfatizou a importância de entender o contexto histórico e cultural dos textos bíblicos. Treinado na historiografia de Leopold von Ranke, que o significado da Bíblia só poderia ser totalmente compreendido pela compreensão do contexto em que foi escrita, incluindo o idioma, a cultura e o contexto histórico. Também enfatizou a importância de interpretar a Bíblia como um todo coerente, com cada parte contribuindo para a história geral da salvação. Como teórico da hermenêutica, antecede Martin Heidegger, Hans-Georg Gadamer, Rudolf Bultmann e Paul Ricoeur quando situa as historicidades da linguagem e do intérprete bíblico. Em sua abordagem, antecede a crítica canônica.

A compreensão de Von Hofmann da Bíblia como “Heilsgeschichte” ou “história da salvação” enfatizou a continuidade da obra salvadora de Deus ao longo da história, desde a criação até a redenção. A profecia não é primordialmente uma previsão de eventos futuros, mas a própria história na forma da palavra. Os fatos da história sagrada, a proclamação profética que deles surgiu e seu cumprimento no futuro são obra de um único e mesmo Espírito Santo e, portanto, um com o outro. No entanto, esposava um dispensacionalismo de duas fases: a Lei e o Evangelho. Considerando a inspiração das Escrituras localizada em sua totalidade narrativa, via a Bíblia como uma história unificada do plano de Deus para salvar a humanidade por meio da pessoa e obra de Jesus Cristo. Assim, dispensou modelos de inspiração atomística, como a inspiração do ditado ou das palavras.

A compreensão de Von Hofmann sobre a expiação enfatizou a centralidade da morte e ressurreição de Cristo como meio de salvação. A expiação seria como um evento único e irrepetível, no qual Cristo cumpriu todas as expectativas proféticas do plano de salvação. A exigência de satisfação ou de um pagamento do pecado pertencia à economia da Lei. Portanto, na graça é incorente conceber a expiação de Cristo por teorias de sastifação, forenses ou vicárias. Antes, pelo amor de Deus na graça, Cristo proporciona comunhão com Deus para alcançar o destino original do ser humano na história de Salvação.

Contribuiu para renovação da teologia trinitária quando apontou a importância de entender a natureza trina de Deus como um aspecto chave da história da salvação. O Pai, o Filho e o Espírito Santo trabalhando juntos em harmonia para realizar o plano de salvação de Deus, com cada pessoa da Trindade desempenhando um papel único no processo. A soteriologia trinitária de Hoffmann antecede os modelos pentecostais clássicos (Durham, Francescon) e contemporâneos (Macchia, Yong, Vondey) de doutrina de salvação cooperativa entre as pessoas divinas.

Ainda que pouco lembrando, foi influente nos pensamentos de Oscar Cullmann, Wolfhart Pannenberg, Gustaf Aulén e Gerhard Forde.

BIBLIOGRAFIA

Becker, Matthew L. The self-giving God and salvation history: The Trinitarian theology of Johannes von Hofmann. A&C Black, 2004.

Becker, Matthew. Appreciating Johannes von Hofmann. The Day Star Journal: Gospel Voices in and for the Lutheran Church–Missouri Synod. 2013.

Hofmann, J. Schutzschriften fur eine neue Weise, alle Wahr heit zu lehren (1856-59).

Matias Flácio

Matias Flácio ou Matthias Flacius Illyricus (1520-1575) foi um teólogo, reformador e biblista nascido em Albona, Croácia.

Flácio estudou na Universidade de Wittenberg, onde se tornou um colaborador próximo de Martin Luther e Philipp Melanchthon. Mais tarde, ele se tornou professor de teologia na Universidade de Jena.

Publicou a Centúrias de Magdeburg, uma obra monumental da história da igreja que cobre os primeiros treze séculos do cristianismo. Nesta obra, Flacius e seus colegas procuraram contrariar a visão católica romana da história e defender a Reforma Protestante.

Flácio desenvolveu a doutrina luterana do pecado original. Para ele, o pecado original não é apenas uma tendência ao pecado, mas uma completa corrupção da natureza humana que torna todas as ações humanas pecaminosas. Essa visão foi controversa até mesmo entre outros teólogos protestantes, mas teve um impacto profundo no desenvolvimento da teologia calvinista da depravação total. Entre os luteranos, seus adeptos ficaram conhecidos como flacianos. Centrados em Magdeburg e Jena, moveram uma controvérsia contra os filipistas, os seguidores de Melanchton. Eventualmente, foi um partido perdedor, visto que a Fórmula de Concórdia rejeitou sua visão de depravação total.

Além de suas contribuições teológicas, Flácio também foi um estudioso das línguas clássicas e publicou vários trabalhos sobre gramática e filologia. Lançou bases para a hermenêutica como disciplina acadêmica com princípios fundamentados.

Tríade hermenêutica pentecostal

A tríade Espírito, Texto e Comunidade; Palavra, Espírito e Igreja; ou ainda Escrituras, Espírito e Eclésia, é um modelo proposto por Thomas (1994), Yong (2002) e Archer (2004) que resume a prática interpretativa realizada entre pentecostais.

A TRÍADE PENTECOSTAL

Análogo à prática interpretativa registrada em Atos 15, a hermenêutica produz entendimento pela relação dinâmica de três elementos:

Escrituras: A Bíblia é a Palavra inspirada de Deus e a fonte última da verdade cristã. Os pentecostais abordam a Bíblia com abordagens variadas, como interpretação literal, método de leitura bíblica, exegese histórica, existencial e devocional. No entanto, eles também acreditam que a Bíblia é um documento vivo que fala às suas vidas hoje, constituindo uma abordagem também contextual.

Espírito: Como seu autor, o Espírito Santo é o guia e intérprete final das Escrituras. A guia do Espírito pode iluminar o significado do texto e ajudá-los a aplicá-lo em suas vidas. O mesmo Espírito que inspirou a composição bíblica ainda fala hoje, sendo capaz de desnvendar novos entendimentos sobre a Bíblia, a vida cristã e concepções teológicas. Do mesmo modo que o Espírito Santo produziu consenso em Atos 15, a válida interpretação contemporânea tem a marca do Espírito de produzir comunhão e edificação. Por fim, o Espírito Santo move a interpretação profética das Escrituras para edificação, exortação e consolo.

Comunidade: o lócus interpretivo da Bíblia é em comunidade. As Escrituras foram canonizadas como obras de leitura pública. Assim, descontextualizá-la do culto e vida devocional retira o pano de fundo necessário para uma correta e fiel interpretação. O Espírito guia a comunidade como um todo e que os crentes individuais podem aprender com as percepções dos outros. A comunidade pode ajudar a evitar que interpretem mal a Bíblia. Enquanto Yong enfatiza a comunidade total do cristianismo pentecostal interpretando globalmente as Escrituras em comunhão, Archer enfatiza o papel litúrgico da interpretação bíblica na igreja local como comunidade interpretativa. De qualquer forma, a Igreja como comunidade interpretativa limita interpretações arbitrárias, desinformadas e desviantes.

A tríade hermenêutica pentecostal é um conceito dinâmico e em evolução. Não existe uma interpretação única e oficial da tríade, e os próprios pentecostais têm entendimentos diferentes sobre como aplicá-la.

ESTRATÉGIAS INTERPRETATIVAS PENTECOSTAIS

Para verificar a coerência e correspondência com as práticas pentecostais, Alves (2023) realizou uma pesquisa empírica etnográfica. Salienta que na vida concreta o modelo triádico ocorre meio a uma série de estratégias interpretativas.

Algumas da principais estratégias da hermenêutica pentecostal que ligam os polos da tríade hermenêutica pentecostal são as leituas:

  • Experimental. a Bíblia foi feita para ser experimentada, não apenas estudada. O crente pentecostal encontra Deus por meio da Bíblia, sob a guia do Espírito.
  • Rlacional. A Bíblia deve ser interpretada em comunhão com Deus, via Espírito, e comunidade, a Igreja. Sem esses vínculos, qualquer interpretação para a o cristão será problemática.
  • Recursiva: a intepretação seleciona e invoca textos com referência para a necessidade da ocasião. Os mesmos textos podem receberem diversas configurações interpretativas fluidas, conforme guia do Espírito e necessidade da comunidade.
  • Analógica: Ao invés de buscar uma reconstrução histórica do passado bíblico para atualizá-lo no presente, o crente pentecostal vê-se como parte da mesma história, aplicando por analogia os ensinos bíblicos.
  • Contextual: a imaginação e recriação do contexto apresentado no texto bíblico elucida a aplicação para compreensão da passagem.
  • Fragmentária: versículos, papéis de recitativos ou de caixinhas de promessas, memes por mídias sociais são capazes de plenamente comunicar a Palavra de Deus.
  • Polivalente: Entende que a significância de um texto é polivante. Assim, não há preocupações em determinar um só significado textual pela intenção autoral, nem pela recepção das primeiras audiências ou pela recepção da patrística ou da reforma.
  • Presente: Há uma relevância do texto bíblicopara as necessidades da vida diária mediante uma iluminação espiritual, bem como uma correspondência atual (e pessoal) com o mundo da história bíblica.
  • Sacramental: As Escrituras é um ponto tangível de contato entre a graça divina e o crente.
  • Incorporada: A mensagem das Escrituras é memorizada, digerida, corporificada, integrada no ser do crente leitor.
  • Narrativa: As Escrituras são lidas, transmitidas e compreendidas em um emuldoramento primordialmente narrativo. Exposições argumentativas, existem, mas sem o mesmo peso da narrativa.
  • Dialógica: A interpretação ocorre em diálogo com outros leitores da Comunidade e com a presença percebida de Deus pelo Espírito Santo.
  • É uma leitura cíclica, frequente, assistemática e multi-mídia.

A tríade hermenêutica pentecostal é um conceito dinâmico e em evolução, e não existe uma interpretação única e oficial da tríade. No entanto, fornece uma estrutura útil para a compreensão de como os pentecostais abordam a Bíblia.

MODELO TRIÁDICO E MÉTODOS EXEGÉTICOS

A adoção da tríade hermenêutica pentecostal não exclui diálogo e aproveitamento de outros métodos. Archer (2004) aponta para a popularidade do Método de Leitura Bíblica entre os primeiros pentecostais. Essa abordagem indutiva, tópica e sincrônica continua sendo praticada em grande parte de segmentos populares do pentecostalismo. Por outro lado, Keener (2016) argumenta que a leitura guiada pelo Espírito e situada na Igreja não contradiz e nem deve desencorajar a busca da compreensão original dos textos bíblicos pelos métodos exegéticos históricos.

A abordagem de Keener retrata bem a leitura feita por biblistas pentecostais como Fee, Menzies em tempos recentes, bem como Giuseppe Petrelli e Jonatham Paul no início do pentecostalismo. Contudo, tendo sua própria história, a hermenêutica pentecostal não precisa ficar cativa da exegese acadêmica, tampouco de pressupostos teológicos de outras tradições. Antes, o diálogo de uma interpretação vivida na liturgia e o desenvolvimento de uma teologia congregacional pode existir em diálogo com a exegese acadêmica e a teologia magisterial.

A emergência de uma hermenêutica distintivamente pentecostal resulta de sua história e contextos teológico e social. Como salientam Faupel (1996) e King (2011), em suas origens, os pentecostais não eram nem liberais nem fundamentalistas, na ocasião ambos grupos orientados por um desvelamento do sentido original do texto mediante ferramentas históricas. Como os liberais, tinham uma consciência do impacto social e comunitário de suas interpretações e enfatizavam a justiça prática. Como os fundamentalistas, considerava real todo elemento sobrenatural registrado em suas páginas. No entanto, queriam ler suas Bíblias com fé (ao contrário do ceticismo dos liberais) e experimentar toda a ação de Deus em suas vidas hoje (ao contrário dos fundamentalistas, que eram em sua maioria cessacionistas).

BIBLIOGRAFIA

Alves, Leonardo. “Unbound Bible: Empirical hermeneutics in Latin Migrant Pentecostal congregations in the Nordics.” PentecoStudies 21.2 (2023): 188-207.

Archer, Kenneth. A Pentecostal Hermeneutic for the Twenty First Century: Spirit, Scripture and Community. Vol. 28. London: T&T Clark, 2004.

Faupel, D. William. The Everlasting Gospel: The Significance of Eschatology in the Development of Pentecostal Thought, JPTSup 10. Sheffield, UK: Sheffield
Academic Press, 1996.

Kärkkäinen, Veli-Matti. “Pentecostal Hermeneutics in the Making: On the Way From Fundamentalism to Postmodernism.” Journal of the European Pentecostal Theological Association 18, no. 1 (April 1998): 76–115.

Keener, Craig S. Spirit Hermeneutics: Reading Scripture in Light of Pentecost. Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2016.

King, Gerald Wayne. “Disfellowshiped : Pentecostal responses to fundamentalism in the United States, 1906-1943”. Pickwick, 2011.

Martin, Lee Roy. Pentecostal Hermeneutics : A Reader. Brill, 2013

Thomas, John. 1994. “Women, Pentecostals and the Bible: An Experiment in Pentecostal Hermeneutics.” Journal of Pentecostal Theology 2 (5): 41–56.

Yong, Amos. Spirit – Word – Community: Theological Hermeneutics in Trinitarian Perspective. Eugene, OR: Wipf & Stock, 2002