Redenção

Redenção (גְּאֻלָּה, ge’ullah, no Antigo Testamento; λύτρωσις, lýtrōsis, e ἀπολύτρωσις, apolýtrōsis, no Novo Testamento) é um conceito central na Bíblia, com implicações sociais, teológicas e soteriológicas. O termo hebraico ge’ullah e seus cognatos (como ga’al, “resgatar”) carregam a ideia de libertar ou resgatar algo ou alguém da escravidão, dívida, perigo ou outra forma de opressão, frequentemente mediante o pagamento de um preço ou a intervenção de um parente próximo (o go’el, “resgatador”).

No âmbito social do Antigo Testamento, a redenção tinha aplicações concretas:

  1. Resgate de Propriedade: Um israelita que tivesse vendido sua terra por causa da pobreza poderia ter sua propriedade “resgatada” por um parente próximo (Levítico 25:25-28). O Ano do Jubileu (Levítico 25) previa a restauração da propriedade ao dono original, enfatizando a terra como herança divina e a importância da justiça social.
  2. Resgate de Escravos: Um israelita escravizado por dívidas poderia ser resgatado por um parente ou, em certos casos, por si mesmo (Levítico 25:47-55). A lei protegia os escravos hebreus de maus-tratos e garantia sua libertação após seis anos de serviço (Êxodo 21:2; Deuteronômio 15:12).
  3. Vingança de Sangue: O go’el também tinha o dever de vingar o sangue de um parente assassinado, buscando justiça (Números 35:19-21).

Teologicamente, quanto à opressão, a redenção adquire um significado mais amplo:

  1. Êxodo: O evento paradigmático da redenção no Antigo Testamento é o Êxodo, a libertação dos israelitas da escravidão no Egito. Deus é retratado como o Go’el de Israel, que resgata seu povo com “braço forte” (Êxodo 6:6; 15:13). O Êxodo estabelece o padrão para a compreensão da redenção como libertação divina da opressão.
  2. Exílio e Restauração: Os profetas usam a linguagem da redenção para descrever a libertação de Israel do exílio babilônico, comparando-a ao Êxodo (Isaías 43:1; 44:22-23; 51:10-11). A redenção aqui envolve não apenas libertação física, mas também perdão dos pecados e restauração do relacionamento com Deus.
  3. Redentor de Jó: Em meio ao seu sofrimento, Jó clama a Deus como redentor, expressa a sua fé num Redentor que vive para sempre e no último dia se levantará em defesa de Jó (Jó 19:25).

Teologicamente, quanto à salvação, no Novo Testamento, a redenção atinge seu clímax em Jesus Cristo:

  1. Cristo como Redentor: Jesus é apresentado como o Redentor (λύτρον, lýtron, “preço de resgate”) que dá sua vida “em resgate (antílytron) por muitos” (Marcos 10:45; Mateus 20:28). A morte de Cristo é vista para libertar a humanidade do pecado e da morte (1 Timóteo 2:6).
  2. Redenção do Pecado e da Morte: Através da fé em Cristo, os crentes são redimidos (ἀπολύτρωσις, apolýtrōsis) da escravidão do pecado, da lei e da morte (Romanos 3:24; 8:23; Gálatas 3:13; 4:5; Efésios 1:7; Colossenses 1:14; Tito 2:14; Hebreus 9:12, 15). Essa redenção inclui perdão dos pecados, reconciliação com Deus e a promessa de vida eterna.
  3. Redenção Cósmica: A redenção em Cristo tem também uma dimensão cósmica, abrangendo a restauração de toda a criação (Romanos 8:19-23; Colossenses 1:20).

Em resumo, a redenção na Bíblia é um conceito amplo que abrange a libertação da opressão social, o resgate de situações de perigo e dívida, a libertação divina do cativeiro, e, finalmente, a salvação da humanidade através da obra vitoriosa de Jesus Cristo.

David W. Congdon

David W. Congdon (nascido em 1985), é um teólogo americano.

Congdon concluiu seu doutorado em teologia sistemática no Princeton Theological Seminary em 2014, com uma dissertação sobre a teologia de Rudolf Bultmann. É autor de diversas obras, incluindo The Mission of Demythologizing: Rudolf Bultmann’s Dialectical Theology, The God Who Saves: A Dogmatic Sketch e Beauty in the Word: Rethinking the Foundations of Theology.

Em The God Who Saves: A Dogmatic Sketch, Congdon apresenta uma teologia sistemática que destaca a obra salvífica de Deus por meio de Jesus Cristo. Ele argumenta que o ato de salvação não é apenas uma resposta ao pecado humano, mas um aspecto intrínseco ao ser de Deus, que escolheu livremente revelar-se por meio da encarnação de Cristo. Por meio de Cristo, Deus reconcilia a humanidade consigo mesmo e promove a restauração de todas as coisas.

Congdon enfatiza a importância de uma compreensão trinitária de Deus, defendendo que a doutrina da Trindade não é um conceito abstrato, mas a forma como Deus se revela no mundo. Ele também critica noções tradicionais de vida após a morte, argumentando que a salvação não se restringe à redenção pessoal, mas abrange a redenção de toda a criação.

Soteriologia transformativa

As soteriologias transformativas são modelos que explicam o papel dos ensinos e obra de Jesus Cristo para a salvação centrados em seus efeitos transformativos na humanidade.

No cristianismo oriental a salvação é compreendida como um processo de tornar-se participante da natureza divina (2 Pedro 1:4) ou de redenção (resgate). Nesse processo, toda a obra de Cristo – encarnação, ensinos, morte, ressurreição e ascensão – afeta a salvação da humanidade.

Salvação é representada por vários conceitos no Novo Testamento como transformativa: justificação (Romanos 3:24, 59; Lucas 18:1-14), reconciliação (Romanos 5:10; 2 Coríntios 5.19), redenção (Romanos 3:24; Lucas 21:28; Efésios 1:7, 14; Colossense 1:14) e santificação (Filipenses 3).

A soteriologia transformativa enfatiza que a salvação em Cristo não é apenas um perdão inicial dos pecados, mas um processo contínuo de transformação que envolve a renovação da mente, a santificação e a participação na vida divina.

Esse pensamento transformativo foi notório na era patrística para se pensar a salvação. Constituiu a base teológica de Justino Mártir, Orígenes, Irineu, Atanásio, Gregório de Nissa, Gregório de Nazianzo, Cirilo de Alexandria e Hilário de Poitiers. É a concepção predominante na soteriologia das denominações orientais, sobretudo entre os ortodoxos gregos, no modelo de teose.

No ocidente, pelas influências de Tertuliano, Cipriano de Cartago e Agostinho, surgiram diversas outras soteriologias forenses (aquelas que visam declarar o ser humano pecador justo diante de Deus). Apesar disso, persistia noções transformativas de justificação. Mesmo esses teólogos não negligenciavam aspectos regenerativos. Agostinho, por exemplo, insistia na justificação como ação transformativa de Deus para tornar a pessoa justa, derramando amor direcionado ao próprio Deus e ao próximo com base em Romanos 5:5 (Agostinho. O Espírito e a Letra, 5). Contudo, práticas devocionais populares baseadas em uma transação penitencial e uma soteriologia exclusivamente forense a partir de Anselmo, a justificação forense praticamente virou o consenso dominante no mundo ocidental.

Nessa linha de soteriologia forense se desenvolveram o catolicismo romano com uma soteriologia penal-sacramental, a soteriologia da satisfação de Anselmo, a justiça imputada de Lutero, da substituição vicária de Calvino, da sinergia de Armínio, a justificação governamental de Grócio, dentre outras.

Contudo, essas abordagem como uma totalidade apresentam pontos sujeitos à crítica. Por exemplo, Darby Kathleen Ray entende a expiação ou reconciliação (o termo é fundido em inglês como “atonement”) como o ato de restaurar um relacionamento rompido entre a humanidade e Deus. No entanto, ela critica a compreensão forense da expiação, que enfatiza a morte sacrificial de Jesus como pagamento pelo pecado humano, sendo distorcida e usada para justificar o comportamento abusivo. Em vez disso, Ray sugere uma visão alternativa da expiação que se concentra nos aspectos de cura e reconciliação da obra de Cristo. A vida e os ensinamentos de Jesus, em vez de sua morte, oferecem as contribuições mais significativas para a expiação e que o objetivo da expiação não é apaziguar um Deus irado, mas restaurar relacionamentos rompidos entre os indivíduos e Deus, os outros e a si mesmo.

Alternativamente, os anabatistas enfocaram nos efeitos da salvação ao invés do início de seu processo como os reformadores magisteriais. Mesmo entre os luteranos, Lutero apresentava aspectos transformativos em sua soteriologia, desenvolvida por Osiander no modelo de justificação como a habitação de Deus no interior do crente (Inhabitatio Dei cum hominibus). Outras perspectivas transformativas foram reproduzidas entre os pietistas e morávios, com aspectos de União com Cristo ou União Mística. Por meio deles, essa soteriologia afetou o pensamento dos avivalistas, especialmente de John Wesley. Wesley combinou uma soteriologia forense magisterial arminiana com a soteriologia transformativa. Em outros desdobramentos, a soteriologia de Keswick adotou uma ênfase transformativa ao tratar o pecado como algo a ser curado.

O pentecostalismo sempre foi plural em sua teologia, mas há vertentes com um sólido fundamento em uma soteriologia transformativa. O pentecostalismo clássico abraçou essa soteriologia transformativa na fórmula quádrupla de que Jesus Cristo salva, batiza com o Espírito Santo, cura e é o rei vindouro. Dependente totalmente da graça, essas ações transformam o indivíduo, agrega-o à Igreja, transforma o corpo e o mundo por milagres sanatórios enquanto espera o reino de justiça.

Um subgrupo pentecostal, influenciados pela soteriologia de Keswick, refinou esse conceito na doutrina da Obra Plena do Calvário. Por ela, a salvação concorre na ação do Triúno Deus completada objetivamente na morte, ressurreição e envio do Espírito Santo por Jesus Cristo. Em uma eleição corporativa o pecado na criação já redimida é limpo. A justificação não ocorre separadamente da conversão e do novo nascimento, visto ser a salvação um processo regenerativo. Assim, por esse ato de graça para toda humanidade, os crentes são regenerados pela fé nessa obra plena e, revestidos de poder do Espírito Santo, caminham em santificação rumo à glória eterna.

Mesmo em correntes protestantes magisteriais, como o luteranismo, reformados e anglicanos, soteriologias transformativas ganharam novas recepções. Entre os reformados apareceram os trabalhos de Torrance, Herman Wiersinga, Julie Canlis, Hans Boersma, Joshua W. Jipp. Entre os luteranos destacam-se Tuomo Mannermaa e as escolas finlandesa e de Lund, além Jordan B. Cooper em língua inglesa. No evangelicalismo Michael Gorman, James F. McGrath, N. T. Wright, dentre outros, avançaram soteriologias transformativas.

Essas soteriologias recebem designações e modelos variados, como “modelo místico de redenção” (Ritschl), “fisicalismo” (Harnack), “substituição total” (Torrance) e “soteriologia redentiva” (Studebaker).

BIBLIOGRAFIA

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VEJA TAMBÉM

Justificação

Graça

Salvação

Soteriologia forense

Teoria participatória da expiação

Teoria da União Mística

Teoria da Influência Moral

Teose

União com Cristo