Elefantina

Elefantina é um assentamento em uma ilha no rio Nilo, em frente à antiga Syene, hoje chamada de Gezîret Aswan (a “Ilha de Assuã”) no Alto Egito.

O vasto volume de restos de papiro desde o segundo milênio a.C. até o período árabe faz desse sítio arqueológico uma importante fonte de textos da Antiguidade. Especialmente importante para as ciências bíblicas e história israelita são os 80 papiros em aramaico de uma comunidade judia de mercenários que foi ativa na ilha no Período Persa, entre os século VI a.C. e IV a.C.

Esta comunidade cultuava em um templo dedicado a Yahweh (ao qual chamavam Yahu), ainda que cultuado junto de outras divindades. Não há indícios de terem conhecimento de Escrituras, salvo alguns salmos, nem da tradição do Êxodo ou de uma linhagens sacerdotais. Todavia, possuíam um sacerdócio e celebravam a páscoa. Mantinham correspondência com seus patrícios de Yehud, a província persa da Judeia e Israel, incluíndo as lideranças religiosas de Samaria e Jerusalém

A ILHA DE ELEFANTINA

Na ilha de Elefantina a Fortaleza Yeb era uma guarnição de fronteira localizada na fronteira sul do antigo Alto Egito. Não é referida na Bíblia, mas Syene/Assuã, a cidade próxima na margem, aparece em Ez 29:10; 30:6.

Em 1893, muitos papiros e óstracas em aramaico apareceram, principalmente de Elefantina. Dez anos depois, iniciaram-se as escavações arqueológicas em Elefantina conduzidas pelos franceses (1902); os alemães (1906-1908); os padres do Pontifício Instituto Bíblico de Roma após a Primeira Guerra Mundial; e expedições egípcias (1932 e 1946), revelando o Templo de Khnum (dos séculos IV a II a.C.) e um templo anterior de tijolos de barro, escavado pelos egípcios em 1948. As escavações não produziram evidências conclusivas sobre a localização do Templo de Yahu.

A COLÔNIA JUDAICA

Não está claro quando a colônia judaica começou em Elefantina. Uma inscrição sugere que o templo já existia antes da queda do Egito para os persas em 525 aC, o que o situa em quase um século antes da reconstrução do templo por Esdras. Há quem sugira que a comunidade remonte do final do século VII a.C (cf. Is 19:19).

O templo Elefantina tinha um altar para sacrifícios e holocaustos a Yahweh, a quem chamavam de “Yahu”. No entanto, sua adoração não era totalmente exclusiva e incluía a adoração de outros deuses como Herem Bethel e Anath-yahu. Betel (“casa de Deus”) é visto como uma personificação da casa de El (no céu) e como uma expressão substituta para El (cf. Jr 48:13)

Embora protegida pela ocupação persa, a comunidade Elefantina teve conflitos com os egípcios. As cartas referem a atritos contínuos com os egípcios associados a um templo dedicado à divindade de Khnum.

Em 410 aC, um motim destruiu o templo judeu. Embora os persas eventualmente punissem os egípcios responsáveis, os judeus não conseguiram o dinheiro necessário para reconstruir o templo.

A colônia judaica estava bem estabelecida em Elefantina antes de 525 a.C. é provado pela referência da carta de Bagoas (AP 30) que menciona o templo antes de Cambises invadir o Egito, talvez datando do reinado do Faraó Apries (Hofra de Jr 44:30; 588-566 aC).

A colônia e seu templo duraram até o fim do reinado de Neferitas I (399-393 a.C.). Todavia, um fragmento de cerca do ano 300 a.C. menciona pessoas com nomes judeus (AP 82) e um longo papiro (AP 81) de aproximadamente o mesmo tempo que inclui nomes judeus e gregos e menciona um sacerdote Johanan, sugerindo a presença de um templo. Ainda no século I d.C. é possível que houvesse judeus na área Elefantina (Filo, Flaccus 43).

PAPIROS NOTÓRIOS

  • Amherst Papyrus 21 é uma ordem de Dario II em 419 AEC aos judeus para observarem os Dias dos Pães Ázimos.
  • Papiro TAD A4.1 (a Carta da Páscoa), carta de Hananias, um oficial judeu de Jerusalém ou da Pérsia, para a guarnição judaica e seu líder Jedanaías, fornecendo instruções sobre como realizar a Páscoa. Embora não mencione Betel, Hananias saúda a guarnição judaica em nome dos deuses (plural), o que implica um ambiente politeísta compartilhado;
  • Amherst Papyri 27, 30-34 registram a destruição do templo em Yeb, os esforços infrutíferos dos colonos durante os anos 410-407 AEC para garantir permissão para reconstruí-lo.
  • Amherst Papyrus 30 menciona duas pessoas citadas em Neemias, Sambalate (Ne 2:10; 13:28) indicado como o governador de Samaria; e Joanã (Ne 12:22), filho de Joiada e provavelmente o mesmo a quem Neemias perseguiu (13:28), é mencionado como sumo sacerdote, sendo Bagoas governador de Yehud (Judeia Persa).
  • Amherst Papyrus 63 contém uma versão do salmo 20, escrito em aramaico, mas com escrita egípcia demótica, além de dois outros salmos sem correspondência bíblica.

BIBLIOGRAFIA

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Bezalel Porten ; with J. Joel Farber … [et al.] ; contributions Simon Hopkins Ramon Katzoff. The Elephantine Papyri in English : Three Millennia of Cross-Cultural Continuity and Change. E.J. Brill, 1996.

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Muffs, Yochanan. Studies in the Aramaic Legal Papyri from Elephantine. Vol. 66, BRILL, 2003.

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Struffolino, Stefano. “Iscrizione Dei Mercenari Greci Ad Abu Simbel.” Axon, vol. 2, no. 1, 2018, pp. 7–18.

Vernet, Eulàlia. “Els Papirs Arameus D’Elefantina: Religió i Culte D’una Comunitat Jueva Preexílica i Prebíblica.” Vol. 16, no. 16, 2017.

Salmos, hinos e cânticos espirituais

A expressão “salmos, hinos e cânticos espirituais” aparece em Efésios 5:19 e Colossenses 3:16 como uma referência às formas de adoração musical na comunidade cristã primitiva. Ambos os textos exortam os fiéis a encorajarem-se mutuamente por meio de cânticos dedicados a Deus, em uma prática litúrgica diversificada. Apesar da importância desses termos, suas distinções precisas permanecem obscuras.

Os “salmos” são os mais facilmente identificáveis, referindo-se aos textos contendo no livro bíblico dos Salmos. Esses seriam uma coleção de poemas litúrgicos e hinos do Antigo Testamento originalmente utilizados no culto judaico. Ainda que o termo “salmo” possa ser intercambiável com “hino” em alguns contextos patrísticos (cf. Clemente de Alexandria, Paedagogus 2:107), sua associação direta com o Saltério sugere um repertório estável e reconhecido.

Já os “hinos” poderiam abranger composições tanto veterotestamentárias quanto novas criações cristãs, possivelmente incluindo doxologias ou textos cristológicos.

Quanto aos “cânticos espirituais”, a interpretação é mais complexa. Podem referir-se a passagens cantáveis das Escrituras fora do livro dos Salmos, como o Cântico de Moisés (Êxodo 15), o Cântico de Débora (Juízes 5) ou os chamados “canticos” do Novo Testamento (por exemplo, o Magnificat em Lucas 1:46–55). Alternativamente, poderiam ser composições espontâneas ou improvisadas, como sugere Tertuliano no século III, ao descrever cristãos cantando “tanto das Sagradas Escrituras quanto de sua própria invenção” (Tertuliano, Apologeticum 39:17–18). Essa descrição indica uma prática carismática, na qual a inspiração individual coexistia com o uso de textos canônicos.

A dificuldade em delimitar esses gêneros reflete a diversidade da prática musical nas primeiras comunidades cristãs. A ausência de notações musicais ou manuais litúrgicos contemporâneos impede uma reconstrução precisa, mas é evidente que a música desempenhava um papel central na adoração, unindo tradição judaica e inovação cristã. Como observa William T. Flynn, a música litúrgica primitiva era “tanto herdeira quanto transformadora” das formas hebraicas, adaptando-se às necessidades doutrinais e comunitárias (Flynn 2006, 724).

Embora a exata natureza desses “salmos, hinos e cânticos espirituais” permaneça indeterminada, sua menção nas epístolas paulinas sublinha a importância do louvor coletivo como expressão de fé e edificação mútua.

Referências

Flynn, William T. “Liturgical Music.” In The Oxford History of Christian Worship, editado por Geoffrey Wainwright e Karen B. Westerfield Tucker, 724–25. Oxford: Oxford University Press, 2006.

McKinnon, James. Music in Early Christian Literature. Cambridge: Cambridge University Press, 1987.

Bradshaw, Paul F. Daily Prayer in the Early Church. Londres: SPCK, 1981.

Tertuliano. Apologeticum. Tradução e notas por T. R. Glover. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1931.

Salmos

O livro dos Salmos é uma antologia de hinos e cânticos de louvores a Deus. Alguns salmos remontam de tempos imemoráveis, outros são mais tardios. Sua forma canônica se consolidaria já no final do período do Segundo Templo.

O Livro dos Salmos, conhecido como Tehilim em hebraico e Psalterion em grego, é uma das coleções mais queridas e significativas do Antigo Testamento ou da Bíblia Hebraica. Com profundidade poética, ressonância espiritual e relevância pessoal, os Salmos consistem em orações, cânticos de adoração e poemas. Apesar do contexto histórico praticamente impossível de determinar de muitos salmos, esta ambiguidade apenas aumenta a sua universalidade, convidando os leitores a abraçar estes versículos sagrados como se fossem seus. 

Nome, natureza e canonicidade dos Salmos

O título hebraico Tehilim é traduzido como “louvores”, embora, curiosamente, este termo apareça apenas uma vez nos Salmos, (Salmo 145 ). O título grego, Psalmoi, derivada da palavra hebraica mizmor (que significa “cântico”), descreve a musicalidade dos Salmos. Outra designação, “Saltério”, proveniente do texto de Alexandrino, evoca uma ligação com instrumentos de corda. Os próprios Salmos servem como uma antologia de orações, canções e poemas que encontraram lugar na adoração pública e privada. Sujeitos a edição e atualização durante seu período canônico, os Salmos apresentam uma variedade e organização únicas, sem paralelo nas antigas coleções de poesias do Oriente Próximo.

Autoria, data e canonicidade

A atribuição da autoria principalmente a Davi é tradicional, com o Talmud e os Manuscritos do Mar Morto atribuindo todos os salmos a ele. No entanto, apenas 73 salmos levam explicitamente o nome de Davi, levantando questões sobre a autoria dos demais. Embora os debates persistam, os argumentos a favor e contra a autoria davídica dependem da interpretação da preposição “le” nos títulos dos salmos, de considerações sociológicas e da compatibilidade percebida de certos salmos com o contexto da vida de Davi.

Além de Davi, outros salmos são atribuídos a figuras como os Filhos de Corá, Asafe, Salomão, Hemã, Etan e Moisés. A análise científica aponta autoria diversa com base em nuances linguísticas, inconsistências contextuais e considerações teológicas. A datação de salmos individuais abrange desde a talvez a Idade do Bronze até o período pós-exílico.

As evidências dos manuscritos de Qumran levam a datar a forma final dos Salmos 1-89 até o século II a.C., uma vez que os Salmos 1-89 estão relativamente fixados nos saltérios de Qumran, e a forma final dos Salmos 90-150 até o primeiro século a.C. século dC.

O Saltério está no início dos Escritos da Bíblia Hebraica, aceito no cânon provavelmente durante a era helenística do Segundo Templo.

Divisão

Os 150 salmos estão organizados em cinco livros:

Livro I (Salmos 1-41): O livro inicia com salmos introdutórios (1-2) que estabelecem temas-chave como a lei de Deus e o destino contrastante dos justos e ímpios. A maioria dos salmos seguintes é davídico.

Livro II (Salmos 42-72): Contém três agrupamentos principais: os salmos dos coraítas (42-49), um grupo de levitas associados ao templo; um salmo de Asafe (50); e outro conjunto de salmos davídico (51-72). Os salmos coraítas expressam anseio por Deus e lamentação diante do sofrimento, enquanto o Salmo 50 destaca a justiça divina e a verdadeira adoração. A seção davídica inclui temas como arrependimento, confiança em Deus e súplicas por livramento.

Livro III (Salmos 73-89): Apresenta salmos de Asafe (73-83), que exploram questões de teodiceia e a prosperidade dos ímpios; salmos coraítas (84-88), que expressam anseio pelo templo e lamentação; e um salmo de Etã, o ezraíta (89), que reflete sobre a aliança davídica e a aparente falha das promessas divinas.

Livro IV (Salmos 90-106): É mais diverso tematicamente. Inclui um salmo atribuído a Moisés (90), que medita sobre a brevidade da vida humana; um salmo de sabedoria (91); um salmo sabático (92); salmos que celebram a majestade e o reinado de Deus (93-99); e salmos de ação de graças e aleluia (100-106).

Livro V (Salmos 107-150): Reúne uma variedade de salmos, incluindo alguns atribuídos a Davi (107-110); hinos de louvor (111-118); um longo acróstico que exalta a lei de Deus (119); cânticos graduais (120-134), possivelmente usados em peregrinações; salmos de ação de graças e lamento (135-137); mais salmos atribuídos a Davi (138-145); e salmos de louvor e ação de graças que concluem o livro (146-150).

Veja também Classificação dos Salmos.

Mensagem Teológica

Os temas que emergem dos Salmos incluem a realeza, o sofrimento do povo de Deus, Sião, a Lei e a guerra. Enquanto alguns salmos retratam um rei davídico idealizado, outros enfatizam a realeza de Yhwh sobre Israel e todo o universo. A questão do sofrimento, particularmente na ausência de uma doutrina do julgamento divino após a morte, permeia o Saltério, levando a uma tensão entre o princípio da retribuição e a realidade dos justos que enfrentam dificuldades. A confiança na soberania de Deus em meio a circunstâncias difíceis é um tema recorrente nas lutas dos salmistas.

Abadom

Abadom, em hebraico אֲבַדּוֹן‎ “destruição”; em grego Apolion Ἀπολλύων. Também traduzido como “perdição”.

Personificação do conceito de destruição, especialmente do caos do sheol, o domínio dos mortos, o “anjo do abismo” (Ap 9:11).

CONCORDÂNCIA

Jó 28:22: A perdição e a morte dizem: Ouvimos com os nossos ouvidos a sua fama.
Jó 31:12: Porque é fogo que consome até à perdição e desarraigaria toda a minha renda.
Jó 26:6: O inferno está nu perante ele, e não há coberta para a perdição.
Salmos 88:11: Será anunciada a tua benignidade na sepultura, ou a tua fidelidade na perdição?
Provérbios 15:11: O inferno e a perdição estão perante o Senhor; quanto mais o coração dos filhos dos homens!
Provérbios 27:20: O inferno e a perdição nunca se fartam, e os olhos do homem nunca se satisfazem.

Apocalipse 9:11: E tinham sobre si rei, o anjo do abismo; em hebreu era o seu nome Abadom, e em grego, Apoliom.