Étienne de Courcelles

Étienne de Courcelles, ou na forma latina Stephanus Curcellaeus ( 1586-1659) foi um erudito, helenista e teólogo arminiano, nascido em Genebra, e falecido , em Amsterdã.

Educado por Beza em Genebra e mais tarde em Heidelberg, Courcelles foi pastor em Fontainebleau e Amiens. Durante a controvérsia arminiana Courcelles enfrentou pressões eclesiásticas devido à sua recusa em assinar os cânones de Dort, levando à sua renúncia. Foi por um tempo pastor de uma igreja de língua francesa no Piemonte. Procurando um ambiente teológico mais alinhado com as suas convicções, mudou-se para Amsterdã, um centro do pensamento arminiano, onde se tornou uma figura central entre os Remonstrantes.

As atividades acadêmicas de Courcelles abrangeram uma variedade de disciplinas, da teologia às línguas clássicas. Demonstrou proficiência em grego, evidenciado pela tradução de Janua linguarum de Comenius. Particularmente digno de nota foi o seu exame crítico do Novo Testamento grego, resultando numa edição enriquecida com várias leituras de manuscritos. Foi amigo e tradutor de Descartes.

Em meio aos debates teológicos de sua época, Courcelles emergiu como uma voz de moderação e reconciliação. As suas intervenções em disputas teológicas, como o intercâmbio entre Amyraut e Du Moulin, sublinharam o seu compromisso em promover o diálogo e a unidade dentro da comunidade cristã.

A postura teológica de Courcelles refletia uma forma modificada de Arminianismo. Embora se alinhasse com a perspectiva grociana sobre a expiação, ele enfatizou a natureza sacrificial da morte de Cristo, postulando a satisfação pelo pecado sem endossar a completa resistência à punição. Quanto à Trindade, ele afirmou a divindade de Cristo e do Espírito Santo, mantendo a sua subordinação ao Pai.

Roger Olson

Roger Olson (nascido em 1952) é um  teólogo evangelical e historiador da teologia americano.

Nascido em uma família pentecostal de origem escandinava e pertencente à denominação Igrejas da Bíblia Aberta, tornou-se batista e professor da Universidade Baylor no Textas. Apesar de manter suas posições teológicas batistas, participa de uma congregação mennonita.

Em seu trabalho Olson faz exposição do arminianismo e a tradição “católica evangélica”, ou seja, as crenças comuns historicamente defendidas no cristianismo e salientadas pelo evangelicalismo. Faz críticas ao Novo Calvinismo, ao fundamentalismo e ao liberalismo teológico.

Graça preveniente

A graça preveniente, em latim gratia praeveniens ou gratia praeparans, é um conceito teológico que descreve a ação da graça divina na vida dos indivíduos antes e sem qualquer mérito próprio, capacitando-os a responder ao chamado de Deus e à oferta de salvação. Ela opera removendo os obstáculos espirituais causados pelo pecado e despertando a vontade humana para crer. É considerada uma doutrina central nas teologias Arminiana e Wesleyana, embora suas raízes remontem a Agostinho de Hipona e a outros pais da Igreja.

Panorama Histórico

  • Agostinho de Hipona: Agostinho aponta a necessidade da graça divina para iniciar a fé, argumentando que a vontade humana, corrompida pelo pecado, é incapaz de buscar a Deus por si mesma. (De spiritu et littera 60, De natura et gratia liber unus 31.35).
  • Tomás de Aquino: Seguindo Agostinho, Aquino também afirmou a necessidade da graça para a salvação, distinguindo entre graça operante, que age diretamente em nós, e graça cooperante, que nos auxilia a responder a Deus.
  • Reforma Protestante: A doutrina da graça preveniente foi debatida durante a Reforma. Enquanto Calvino e outros reformadores enfatizaram a depravação total e a graça irresistível, Arminius e seus seguidores defenderam a graça preveniente como uma forma de reconciliar a soberania divina com o livre-arbítrio humano.
  • John Wesley: Wesley desenvolveu a doutrina da graça preveniente de forma mais sistemática, argumentando que ela é universal e capacita todos os seres humanos a responder ao chamado de Deus. Ele a via como um remédio para a depravação total, restaurando a liberdade humana para escolher ou rejeitar a salvação.

Tabela Comparativa:

Tradição TeológicaPerspectiva sobre a Graça Preveniente
Católica RomanaA graça preveniente é essencial para a salvação, preparando a vontade humana para cooperar com a graça divina. É concedida a todos, mas pode ser resistida.
Ortodoxa OrientalHá uma sinergia entre graça divina e livre-arbítrio humano. A graça divina é necessária para iniciar e sustentar a fé. A pessoa regenerada só pode realizar as boas obras de fé se dependente da graça que guia e precede suas ações.
LuteranaA graça preveniente é vista como o Espírito Santo operando através da Palavra e dos sacramentos, despertando a fé no coração humano.
AnabatistaA graça preveniente é universal e capacita todos a responder ao chamado de Deus. Enfatiza-se a liberdade humana e a responsabilidade de responder à graça.
ArminianaA graça preveniente é universal, restaurando o livre-arbítrio e capacitando todos a crer. É resistida, mas necessária para a salvação.
WesleyanaSemelhante à Arminiana, mas com ênfase na graça preveniente como um remédio para a depravação total, restaurando a capacidade humana de amar e obedecer a Deus.
FinneyA graça preveniente capacita a vontade humana a escolher a Deus livremente. Finney rejeitou a ideia de depravação total, argumentando que os seres humanos possuem uma capacidade natural de crer.
KeswickA graça preveniente capacita os crentes a regenerarem e a viverem uma vida vitoriosa sobre o pecado em uma progressiva santificação.
Reformada (em geral)A graça preveniente é vista com ceticismo, sendo comparada à graça comum, que não remove a depravação total, e ao chamado eficaz, que é irresistível.
BarthBarth rejeitou a graça preveniente como um conceito que diminui a soberania divina e a centralidade da graça na salvação.
BerkouwerBerkouwer criticou a graça preveniente por sugerir uma capacidade humana de contribuir para a salvação, mas reconheceu a ação divina na preparação do coração humano para a fé.
KuyperKuyper via a graça preveniente como uma forma de graça comum que opera em todas as áreas da vida, mas não garante a salvação.
BavinckBavinck rejeitou a graça preveniente como um conceito que compromete a soberania divina e a distinção entre graça comum e graça salvadora.

Recepção com a Teologia Reformada:

A teologia reformada tradicionalmente rejeita a doutrina da graça preveniente por considerá-la incompatível com a depravação total e a graça irresistível. No entanto, alguns teólogos reformados, como Karl Barth e G.C. Berkouwer, buscaram reinterpretar a graça preveniente de forma a torná-la compatível com a soberania divina.

Teoria governamental da expiação

A teoria governamental é uma perspectiva para explicar o motivo da morte de Jesus Cristo e seus efeitos na salvação. Essa soteriologia forense foi proposta pelo teólogo e jurista holandês Hugo de Groot (1583 – 1645) (Grotius, Grócio). Na teoria governamental o sacrifício de Jesus ocorreu para que o Pai perdoasse enquanto ainda mantinha seu governo justo sobre o universo.

DOUTRINA DA SUBSTITUIÇÃO DA PENA

Deus como mantenedor da lei na criação é livre para alterá-la ou abrogá-la, mas tem escolhido lidar com sua criação de modo consistente. Como a lei divina determina “a alma que pecar, essa morrerá” (Ez 18:20) toda a humanidade estaria fadada à condenação. Simplesmente um perdão leniente não poderia satisfatizer essa lei. A morte de Cristo seria um exemplo público da seriedade do pecado e até onde Deus iria para defender a ordem moral do universo. O foco da morte de Cristo seria a defesa da lei divina, sendo a morte de Cristo uma substituição para a penalidade do pecado.

A teoria governamental é vicária, Cristo morreu em favor dos pecadores (Rm 5:8), mas não substitutiva, ou seja, não em lugar dos pecadores. Uma vez paga a penalidade do pecado, Cristo ofereceu o perdão a quem n’Ele cresse. Desse modo, Deus mantém sua lei ao mesmo tempo que, através da morte de Cristo, perdoa os pecados daqueles que se arrependem e têm fé na morte vicária de Cristo.

Os textos centrais dessa teoria são encontrados em Salmo 2, 5; Isaías 42:21.

HISTÓRIA DA RECEPÇÃO DA DOUTRINA GOVERNAMENTAL

Grócio formulou essa doutrina em resposta ao socianismo. Partindo de sua base arminiana, Grócio buscava explicar a necessidade de satisfazer Deus, não como uma honra ferida nos termos de Anselmo, mas em relação à lei divina. Apesar de sua popularidade como teólogo entre os remonstrantes holandeses, essa teoria governamental nunca ganhou muitos adeptos entre os arminianos, que em geral adotam a substituição vicária formulada por John Wesley.

Variações da teoria governamental da expiação foram adotadas tanto em correntes calvinistas e arminianas de língua inglesa. Na Inglaterra, Richard Baxter (1615-1691) e Samuel Clarke (1675-1729) adotaram alguns aspectos dela. Nos Estados Unidos a New Divinity School ou os edwardianos — seguidores do calvinista Jonathan Edwards (1703-1758) — também adotaram versões dela.

Uma formulação dessa doutrina pode ser resumida em um sermão de Edwards:

“Todos os pecados daqueles que verdadeiramente vêm a Deus por misericórdia, estejam eles como queiram, são satisfeitos, se Deus for verdadeiro que nos diz… de modo que Cristo tendo satisfeito totalmente por todos os pecados, ou tendo realizado uma satisfação que é suficiente para todos, agora não é inconsistente com a glória dos atributos divinos perdoar os maiores pecados daqueles que de maneira correta vêm a ele por isso.—Deus pode agora perdoar os maiores pecadores sem qualquer prejuízo à honra de sua santidade. A santidade de Deus não permitirá que ele dê a menor tolerância ao pecado, mas o inclina a dar testemunhos adequados de seu ódio a ele. Mas, tendo Cristo satisfeito [a Deus] pelo pecado, Deus pode agora amar o pecador e não dar nenhuma tolerância ao pecado, por maior pecador que ele possa ter sido. Deus pode, por meio de Cristo, perdoar o maior pecador sem prejuízo da honra de sua majestade. A honra da majestade divina de fato requer satisfação; mas os sofrimentos de Cristo reparam totalmente a ofensa”.

Edwards, Sermon XXV.

Dentre correntes arminianas, suas variantes aparece nas teologias de Charles Grandison Finney (1792-1875), em William Booth e no Exército da Salvação, bem como para o metodista John Miley (1813-1895).

Para Miley a expiação de Cristo é uma satisfação pelos pecados por substituição dos pecadores no sofrimento, mas não uma satisfação na substituição de penalidade. A expiação de Cristo é universal, mas o perdão dos pecados seria condicional à fé.

Uma crítica a essa perspectiva é que não explica o motivo de escolher um justo para demonstrar a vontade de Deus de defender a lei. Por que não colocar para morrer o pior de todos os pecadores? Por que Cristo e não Barrabás?

Há proximidades teológicas discerníveis com a teoria moral de Abelardo. Contudo, é frequentemente confundida com a teoria da substituição penal.

Tanto Grócio quanto Abelardo acreditavam que a expiação era necessária para o perdão dos pecados. Os pecadores precisavam se reconciliar com Deus e que a morte de Jesus Cristo desempenhou um papel crucial nesse processo. Ambas teoria são focadas na misericórdia e amor de Deus. Deus foi misericordioso em fornecer um meio para os pecadores serem perdoados por meio da expiação, satisfazendo condições morais de manter a justiça e a misericórdia.

Há, contudo, diferenças. A teoria governamental continua a tendência anselmiana da necessidade de satisfação. Já a perspectiva de influência moral a demonstração da misericórdia divina inspira o arrependimento, a fé e produz justiça.

Já a visão penal substitutiva sustenta que Cristo recebeu o castigo que a humanidade merecia por seus pecados, satisfazendo a justiça de Deus e reconciliando os pecadores com Deus. Nessa visão, a morte de Cristo foi um sacrifício substitutivo que pagou a pena pelos pecados da humanidade, e aqueles que crêem no sacrifício de Cristo são perdoados e declarados justos diante de Deus.

A visão governamental, por outro lado, sustenta que a morte de Cristo não foi um pagamento pelo pecado, mas sim uma demonstração da justiça de Deus e um meio de sustentar a ordem moral do universo. Nessa visão, a morte de Cristo serve como uma advertência aos pecadores e um meio de demonstrar a misericórdia de Deus. Cristo não morreu recebendo a pena dos pecadores, mas para os pecadores. Assim, aqueles que crêem no sacrifício de Cristo são perdoados e reconciliados com Deus com base em sua fé e arrependimento.

BIBLIOGRAFIA

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Amiraldismo

O amiraldismo designa as variantes teológicas do sistema reformado cujo enfoque está no fato de que Jesus Cristo sofreu a morte pela culpa de toda a humanidade. O amiraldismo é também conhecido como Escola de Saumur, universalismo hipotético, pós-redencionismo, semi-agostinianismo e — equivocadamente — calvinismo moderado ou calvinismo dos quatro pontos.

História

O teólogo escocês John Cameron (c. 1579–1625) desenvolveu, dentro da Academia Huguenote de Saumur, na França, um sistema teológico baseado em uma vocação universal. Por essa doutrina, a graça era entendida como disponível a toda a humanidade.

Embora a posição teológica do Sínodo de Dort tenha passado a ser referida com a designação “calvinista”, teólogos históricos do calvinismo já defendiam a doutrina da expiação universal, como, por exemplo, Heinrich Bullinger, Wolfgang Musculus, Zacharias Ursinus e Girolamo Zanchi.

O advogado que se tornou teólogo, Moïse Amyraut (1596–1664), foi diretamente influenciado por John Cameron. Amyraut, ao passar por Saumur, impressionou os membros da Academia com sua eloquência, que o convenceram a permanecer e estudar teologia.

Amyraut compilou escritos de Calvino sobre a extensão da expiação. Com base nesses escritos, mas sem a mediação de Beza, Amyraut articulou, em seu Brief Traitté de la prédestination et de ses principales dépendances (1634), a doutrina dessa escola. Para Amyraut, Deus disponibiliza os benefícios da obra redentora de Cristo a todos indistintamente. Assim, Deus deseja que todos os homens se salvem, contanto que creiam — razão pela qual essa doutrina é chamada de universalismo hipotético.

Quanto à doutrina da predestinação, Amyraut considerava que o Sínodo de Dort havia deturpado a doutrina de Calvino. A predestinação não seria uma questão da onisciência divina, mas indicaria a experiência da salvação pela graça de Deus.

Seu sucessor foi o não menos polêmico Claude Pajon (1626–1685), cuja tentativa de remediar a ausência virtual do Espírito Santo na soteriologia reformada gerou outras controvérsias.

A tese de Amyraut implicava em uma tolerância religiosa rara em seu tempo. Como a graça somente atua em quem exercita a fé, e a fé é dom de Deus, homem algum poderia impor suas visões religiosas a outrem. Um exemplo dessa influência foi William Penn, que esteve em Saumur e, mais tarde, fundou a colônia da Pensilvânia, um dos bastiões da tolerância política e religiosa na América do Norte.

Um sínodo da Igreja Reformada da França, realizado em Alençon em 1637, tentou, sem sucesso, condená-lo como herege. Popularizada entre reformados latinos, o amiraldismo encontrou logo oposição entre os reformados suíços e renanos, principalmente pelo trabalho de Francesco Turrettini (1623–1687). Apesar de nunca ter sido oficialmente condenado, o amiraldismo entrou em declínio após as críticas formuladas no Consenso Helvético de 1675. Raramente examinado em seus próprios termos e escritos, seus detratores passaram a considerá-lo um meio-termo entre o calvinismo dordtiano e o arminianismo.

No avivamento suíço do Réveil e em seu lado italiano (risveglio), houve uma reinterpretação das confissões reformadas com teores amiraldistas, embora não o referenciassem explicitamente. Na prática, a expiação passou a ser vista como universal. Um dos proponentes dessa doutrina, Paolo Geymonat, influenciou os crentes que imigraram para Chicago.

Marginalizado, o amiraldismo encontrou expoentes entre congregacionalistas e puritanos anglo-saxões, como John Davenport, John Preston e Richard Baxter. Para Baxter, a morte de Cristo foi um ato de redenção universal, penal e vicária, mas não substitutiva, pela qual foi introduzida uma nova lei e uma anistia para todos os que se arrependessem. O arrependimento e a fé, sendo obediência a essa lei, atuam como a justificação pessoal do crente. Como consequência, a doutrina de Baxter tornou-se o moderatismo neonomista entre os escoceses e diversos pensadores puritanos. Mais tarde, via Baxter, elementos do amiraldismo influenciariam os movimentos reformados avivados e evangelísticos, entre eles Andrew Fuller, os New School Presbyterians e, notoriamente, o Réveil entre os reformados continentais do século XIX, estimulando o evangelismo e a diaconia. O conceito de graça comum do kuyperianismo encontra fundamentos no amiraldismo. Em métodos evangelísticos e em seus sermões, Charles Spurgeon foi substancialmente amiraldista, embora se identificasse e desenvolvesse suas interpretações do calvinismo dordtiano. No geral, as modificações doutrinárias e a falta de crédito aos escritos amiraldianos levaram muitos a adotar alguma forma de sua doutrina sem se referir ao seu principal formulador.

Hoje, nos Estados Unidos, o amiraldismo não é muito conhecido, mas é popular entre o movimento das igrejas bíblicas (Bible Fundamental Churches), o movimento das igrejas de Cristo, a Evangelical Free Church of America, os batistas independentes e da Convenção Sulista. Lewis Chaffer, Norman Geisler e Oliver Crisp são alguns dos poucos teólogos recentes, de alcance público, que adotam algum aspecto desse sistema doutrinário. Contudo, em geral, esses autores raramente creditam as contribuições de Amyraut ou da Escola de Saumur.

A diversificação dos intérpretes reformados que concordavam com uma expiação ampla faz do amiraldismo um sistema teológico bem heterogêneo, ao qual o modelo dos cinco pontos calvinistas contra os remonstrantes (conhecido pelo acrônimo TULIP) não faz jus para representá-lo.

Doutrina

O amiraldismo faz parte da tradição agostiniana e da soteriologia forense da escolástica tardia. Situa-se na tradição reformada em uma aproximação com o igualmente sistema agostiniano luterano.

O amiraldismo entende que há uma eterna preordenação e presciência de Deus, por meio da qual todas as coisas acontecem: o bem com eficiência e o mal com permissividade. A dupla predestinação difere do calvinismo dordtiano pela doutrina da dupla eleição. Assim, Deus preordenou uma salvação ampla por meio do sacrifício de Cristo, oferecido a todos igualmente, com a condição da fé que reconhecesse essa obra de graça universal. Da parte da vontade e do desejo de Deus, a graça é universal, mas, no que diz respeito à condição, é particular, ou apenas para aqueles que não a rejeitam, o que a tornaria ineficaz.

A preordenação do resgate universal precede a eleição particular. Com base na benevolência de Deus para com suas criaturas, há uma graça objetiva oferecida a todos e uma graça subjetiva que floresce entre os eleitos. O amiraldismo distingue entre habilidade natural e habilidade moral, ou o poder da fé e a disposição para ter fé. Em consequência da depravação inerente, o ser humano possui a habilidade natural, mas não a habilidade moral. Portanto, é necessário um ato de Deus para iluminar a mente, envolvendo assim a vontade para a ação.

Como para Ulrico Zwingli, a graça de Deus alcança além dos limites da Igreja visível, visto que Deus, por sua providência geral, opera sobre todos (Malaquias 1:11, 14). Assim, sem conhecer formalmente o Jesus registrado no Novo Testamento, o sacrifício de Cristo é materialmente capaz de produzir uma fé sem conhecimento explícito entre pessoas que nunca ouviram sobre o Jesus Cristo bíblico. Dessa forma, essas pessoas seriam substancialmente cristãs sem assumir essa nomenclatura, pois depositaram sua fé naquilo que Deus demanda como verdade, conforme ensinada por Jesus Cristo (Romanos 1:20; 2:14-15; 1 Coríntios 2:11).

Em suma, enquanto as ênfases do calvinismo de Dort eram a soberania de Deus, e do arminianismo, a justiça de Deus, o amiraldismo enfatizava a misericórdia de Deus.

BIBLIOGRAFIA

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Stauffer, Richard. Moïse Amyraut: un précurseur français de l’œcuménisme. Vol. 22. Paris: Librairie protestante, 1962.

VEJA TAMBÉM

Agostinianismo

Arminianismo

Calvinismo

Sistema teológico Reformado

Soteriologia forense