Massorético, Texto

O Texto Massorético é uma família textual da Bíblia Hebraica editada meticulosamente por um grupo de copistas medievais chamados massoretas.

Quando o hebraico deixava de ser uma língua falada, os massoretas codificaram regras de cópia e desenvolveram sinais diacríticos para permitir a pronúncia das vogais. Também anotavam questões textuais, variantes, grafias estranhas, gramática incomum, discrepâncias, sinais para cantilação, além de dois comentários de referências cruzadas, a massorá. Também providenciaram listas com contagens de palavras, letras e linhas para uma edição padronizada, compilando extensas listas léxicas.

Esta obra monumental foi iniciada por volta do século VI d.C e concluída no século X nas academias talmúdicas da Babilônia e da Palestina. Duas escolas principais (ou famílias) de massoretas, ben Naftali e ben Asher, criaram versões do Textos Massoréticos ligeiramente diferentes.

Entre os massoretas destacam-se as cinco gerações da família Asher, uma família aparentemente de tendências caraítas de Tiberíades. Essa dinastia de copista iniciou-se com Asher, o Ancião (VIII d.C.) , vieram Nehemias Ben Asher, Asher Ben Nehemias, Moses Ben Asher e, finalmente, Aaron Ben Moisés Ben Asher, (X d.C.). Aaron compilou a gramática “Sefer Dikdukei ha-Te’amim”. A versão de Ben Asher prevaleceu e forma a base dos textos bíblicos recebidos como padrão.

O texto base é o Proto-Massorético. Esse texto hipotético consiste de consoantes e elementos para-textuais que aparentemente estavam estabilizando-se na época dos Manuscritos do Mar Morto. O EgLev é o primeiro exemplar a corresponder totalmente às formas consonantais encontradas nos Textos Massoréticos.

Mesmo entre os massoretas havia diferentes edições e leituras da Bíblia. Por exemplo, o códice dos Profetas, copiado em Tiberíades em 897 por Moisés Ben Asher e pertencente à sinagoga caraíta no Cairo, contém apenas um terço de vocalização e a cantilação similar ao texto produzido de seu filho Aaron Ben Moisés, cujo método é a base do moderno Texto Massorético. No entanto, mais da metade das leituras concordam com Moisés ben David ben Naftali, de outra família massorética tiberiana.

Os massoretas adotaram o formato códice para fazer cópias-matrizes e, a partir delas, copiar os rolos para uso litúrgico. Ben Asher compilou o Códice de Aleppo. Ben Naftali provavelmente também tenha feito um texto padrão, embora não tenha sobrevivido.

A fonte mais famosa do Texto Massorético é o célebre Códice de Aleppo (c. 925 d.C.). Possui uma história peculiar de sobrevivência, pois perdeu-se de quase todo o Pentateuco. O manuscrito completo mais antigo é o Códice de Leningrado B 19A (codex L) de 1009 a.C.

As edições impressas da Bíblia Hebraica seguem uma abordagem diplomática, ou seja, partem de um manuscrito real e anota-se as divergências e leituras alternativas. (Em contraposição ao modelo de edição eclética adotada no Novo Testamento). No caso do Texto Massorético, o Códice de Leningrado serve de base para a Biblia Hebraica Kittel, Biblia Hebraica Stuttgartensia e a Biblia Hebraica Quinta. Já o Códice de Aleppo é o texto base para a Hebrew Bible University Project.

Já na era da imprensa, a segunda edição da Grande Bíblia Rabínica (1525), editada em Veneza por Daniel Bomberg e Jacob ben Hayyim ibn Adonias, tornou-se a mais popular. Trata-se de um texto eclético. Esta foi a base para a tradução das versões dos Reformadores. Outras edições do Texto Massorético, notavelmente a Poliglota Complutense e a versão latina e hebraica de Pagninus, também serviram de fontes para as traduções da era da Reforma.

BIBLIOGRAFIA

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Tov, Emanuel. Textual Criticism of the Hebrew Bible: Revised and Expanded. Fourth Edition. ‎Fortress Press, 2022.

Peshitta

A peshitta, peshita ou peshitto é conjunto de versões aramaicas da Bíblia na variante siríaca, conjunto de falares do norte da Síria e da Mesopotâmia. Peshitta significa “comum” ou “simples” denotando ser uma versão sem comentários ou aparatos para uso popular (semelhante ao termo vulgata aplicada para a versão latina), sendo empregado pela primeira vez pelo escritor jacobita Moisés bar Kefa (c.813-903/913).

A língua siríaca é um conjunto de variantes do aramaico oriental. Originalmente, judeus no norte da Síria traduziram sua Bíblia para o siríaco no século II d.C. com base em uma versão hebraica hoje perdida, mas possivelmente da família da qual emergeria o Texto Massorético. Depois, cristãos de língua siríaca adotaram a Peshitta e adicionaram uma versão siríaca do Novo Testamento.

Ainda no século II d.C. Taciano editou uma harmonia dos quatro Evangelhos gregos canônicos em siríaco, o Diatessaron. Embora a harmonização de Taciano fosse muito popular no Oriente até o século V d.C., Irineu e outros líderes preferiam manter todos os quatro evangelhos canônicos separados.

Por algum tempo vários eruditos bíblicos atribuíram a autoria ou revisão da Peshitta a Rabula, bispo de Edessa entre 411 e 435. Contudo, as variantes e a adoção da Peshitta por grupos que depois seriam as igrejas Jacobita e do Oriente demonstram a antiguidade da versão.

A Peshitta foi adotada como versão-padrão por várias denominações orientais, como a Igreja Ortodoxa Grega de Antioquia, várias comunidades uniatas católicas, a Igreja Siríaca Ortodoxa (Jacobita) e a Igreja do Oriente.

O cânon da Peshitta varia conforme as famílias dos manuscritos. Uma forma tradicional contém o Pentateuco, Jó, Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis, 1 e 2 Crônicas, Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Rute, Cântico dos Cânticos, Ester, Esdras, Neemias, Isaías, os Doze Profetas Menores , Jeremias e Lamentações, Ezequiel e Daniel. Seguem os deuterocanônicos. O Novo Testamento varia, com recensões ocidentais com 27 livros e as orientais sem conter a antilegômena (2 Pedro, 2 e João, Judas e Apocalipse).

Vulgata

A Vulgata é a versão da Bíblia latina, revisada ou traduzida do hebraico e do grego por Jerônimo, identificada pela sigla Vg.

Em 382, ​​o papa Dâmaso encomendou a Jerônimo que produzisse uma tradução latina aceitável da Bíblia a partir das várias traduções divergentes (a Vetus Latina ou Ítala).

Exímio latinista e estudioso bíblico, Jerônimo contou com a ajuda de mulheres eruditas como Marcela e Paula. Além disso, viajou, discutiu e aprendeu as línguas semíticas enquanto vivia no Levante, onde se estabeleceu em Belém. Sua versão dos Evangelhos foi entregue ao papa em 384. Usando a versão grega da Septuaginta do Antigo Testamento, produziu novas traduções latinas dos Salmos, o Livro de Jó e alguns outros livros. Entretanto, decidiu que a Septuaginta era insatisfatória e começou a traduzir todo o Antigo Testamento a partir uma versão hebraica hoje perdida. No Novo Testamento traduziu os evangelhos enquanto replicou os outros livros a partir da Ítala. Finalizou a Biblia toda por volta do ano 405.

Escreveria ainda anotações e introduções dos livros da Bíblia, a qual seria uma das primeiras edições a contar com um aparato filológico e exegético.

A Vulgata levaria tempo para ter aceitação. O próprio antigo saltério latino revisado por Jerônimo continuou a ter maior aceitação. Na baixa idade média a Vulgata ganharia a preferência dos eruditos e no uso litúrgico ocidental.

No Renascimento e Reforma surgiram várias edições e revisões. A revisão Sixto-Clementina seria adotada como a versão oficial para a Igreja Católica a partir de uma política de padronização estabelecina pelo Concílio de Trento. Em 1979 foi lançada uma nova revisão, a Nova Vulgata.

A Vulgata é uma obra singular por vários motivos. Seria a primeira tradução feita praticamente por um único indivíduo, o qual era consciente dos problemas exegéticos e de teoria da tradução. Também seria a primeira versão feita em um só processo editorial a reunir todo o cânon que, mais tarde, seria juntado em um só volume de livro.

Septuaginta

A Septuaginta, cuja sigla é LXX, em sentido amplo refere-se a um conjunto de antigas traduções gregas das Escrituras Hebraicas realizadas entre os séculos III a.C. e meados do século II d.C.

Em sentido estrito, a Septuaginta seria somente o Pentateuco. O conjunto dos livros individuais fora do Pentateuco também são referidos como Old Greek (OG).

A carta espúria de Aristeas (século II ou I a.C.) narra uma lenda de que o faraó Ptolomeu II Filadelfo encomendara a tradução para a Biblioteca de Alexandria. Teria requisitado cópias ao sumo-sacerdote de Jerusalém Eleazar e comissionado setenta (ou setenta e dois) tradutores judeus. Eles teriam produzidos manuscritos idênticos de forma independente.

A Septuaginta registra uma tradição manuscrita de uma fonte (Vorlage) hebraica diferente e anterior àquela preservada em qualquer manuscrito hebraico existente hoje.

Os autores do Novo Testamento demonstram empregar amplamente a Septuaginta, embora não exclusivamente. A Septuaginta contribuiu imensamente também para o vocabulário teológico e retro-influenciou a própria edição das Escrituras quer em hebraico, quer em outras línguas em vários aspectos (divisão do Pentateuco e nome dos livros, por exemplo).

A LXX ajuda a entender como era a interpretação das Escrituras em um estágio inicial de sua canonização.

A adoção da LXX pelos cristãos contribuíram para que alguns eruditos judeus produzissem novas versões gregas, como o caso de Teodoton (que revisou a LXX), Símaco e Áquila (novas traduções a partir do hebraico).

As principais revisões e recensões da LXX são:

  • Recensão Kaige ou Recensão Luciânica. Hipoteticamente realizada no século IV dC pelo erudito Luciano de Antioquia. Tornou-se a forma mais amplamente utilizada da Septuaginta no Império Bizantino.
  • Hexaplar – uma edição crítica da Septuaginta produzida no século III dC por Orígenes. Consistia em seis colunas: o texto hebraico, uma transliteração do texto hebraico para o grego e quatro traduções gregas do texto hebraico. Pouco resta dela.
  • Recensão Hesychiana ou Hesiquiana. Feita por um bispo do Egito chamado Hesíquio, de local desconhecido. Teria sido martirizado na perseguição de Diocleciano. Jerônimo refere-se a ela. Todavia, sua atestação é fragmentária.
  • Codex Sinaiticus ou א – Este é outro manuscrito antigo da Septuaginta, que remonta ao século IV dC. Foi descoberto no Mosteiro de Santa Catarina na Península do Sinai no século 19 e agora está na Biblioteca Britânica.
  • Codex Vaticanus ou B- Este codex em si é uma recensão, sendo uma das mais importantes da Septuaginta, datado do século IV EC.
  • Codex Marchalianus ou Q – uma revisão posterior que influenciou os textos coptas.

As principais edições impressas são:

  • Edição Aldina – Esta foi a primeira edição impressa da Septuaginta, produzida pelo impressor veneziano Aldus Manutius em 1518.
  • A Septuaginta de Cambridge compreende a edição crítica menor de B. Swete, The Greek New Testament (1909-1922) e a chamada “Septuaginta Maior de Cambridge” de A. E. Brooke, N. McLean, e H. St. John Thackeray.
  • Septuaginta de Göttingen – a edição crítica da Septuaginta produzida pela Universidade de Göttingen na Alemanha.
  • Edição de Rahlf – uma edição crítica amplamente revisando a edição de Göttingen, produzida por Alfred Rahlf no século XX. Baseia-se no Codex Vaticanus e inclui notas críticas.
  • NETS – The New English Translation of the Septuagint é uma tradução moderna para o inglês da Septuaginta produzida por uma equipe de estudiosos. Inclui notas críticas e é baseado na Septuaginta de Göttingen.
  • Bíblia – Antigo Testamento de Frederico Lourenço. Publicada em Portugal pela Quetzal e no Brasil pela Cia das Letras, é a única edição completa da Septuaginta em português.